domingo, 13 de junho de 2010








Helen Thomas, 89 anos, é a decana do jornalismo político dos EUA, trabalhando ainda hoje para a outrora todo-poderosa embora ainda influente Hearst News Service (seu fundador, William Randolph Hearst, foi o personagem que inspirou Orson Welles no filme Cidadão Kane). Thomas dera uma entrevista para um portal sionista de direita (de pouca envergadura, o RabbiLIVE.com - com chamada de capa) afirmando que os israelenses deveriam deixar a Palestina e voltar para casa. O tema gerou controvérsias e logo a veterana repórter, com quase cinco décadas à frente do Escritório Central da United Press International (UPI), teve que se retratar publicamente e cancelar compromissos e palestras em escola de segundo grau! (vejam o link no Washington Post).



Helen Thomas e quando se fala sem pensar o que nunca se deve dizer

A abordagem que tracei acima é quase consensual, seria algo de almanaque, bastando recordar cifras, datas e acontecimentos. Mas, de tão óbvio, não aparece (a não ser na chamada mídia alternativa) e quando ocorre na Mídia Corporativa (uma das modalidades de corporations), resulta em constrangimento e demissão. No filme Leões e Cordeiros (Lions for Lambs, dirigido por Robert Redford, 2007), a atriz Meryl Streep interpreta uma veterana jornalista que cansada das meias verdades e dos discursos de encomenda (matérias plantadas pelas infindáveis sub-comissões de defesa e inteligência do Congresso dos EUA), entra em crise e discute com o editor de um suposto jornal (seria o legendário Washington Post?; eu entendo que sim apesar de ainda ser seu leitor). O editor do veículo lhe diz com todas as letras que as questões de segurança nacional são irretocáveis e a reação de uma crítica sua seria absurda, desproporcional a capacidade da imprensa (como "4º Poder") defender-se. Por fim, lhe chama às contas com o próprio passado, e pede que reconsidere publicar ou rebelar-se contra as informações "exclusivas" que um jovem senador republicano (interpretado por Tom Cruise) a teria transmitido na base do fontismo (off the Record). Este personagem por sinal é um ex-operador de forças especiais dos EUA e está participando de operações secretas nas montanhas do Afeganistão, plantando comandos isolados, transitando por terreno inóspito e partindo de hipóteses de conflito absurda (uma possível aliança wahabita afegã com o governo integrista xiita do Irã!!!). Meryl Streep se cala, mas ao contrário dela, outra veterana repórter, não ficcional, mas real, existente. Helen Thomas, a mais antiga repórter na cobertura da Casa Branca, se afasta do trabalho por pressões do maior lobby do mundo.

O lobby a que me refiro é o conhecidíssimo AIPAC (American Israel Public Affairs Committee - Comitê de Relações Públicas Israelense-Americano). Este "partido" semi-formal, tem mais de 7000 funcionários a tempo completo, bancou (impôs) a indicação de Hillary Clinton para secretária de Estado (equivalente no Brasil a ministro das Relações Exteriores) e opera como braço semi-institucional da força política do sionismo de direita. Seu braço operacional mais midiático e agressivo é a ADL (Anti Defamation League - Liga Anti Defamação) tendo como um de seus alvos prediletos ao anarquista judeu (militante, lingüista e professor livre-docente do MIT) Noam Chomsky. Nesta semana o alvo conjunto foi outro, atingindo a lenda do jornalismo, por sinal de origem árabe-estadunidense.

Helen Thomas, 89 anos, é a decana do jornalismo político dos EUA, trabalhando ainda hoje para a outrora todo-poderosa embora ainda influente Hearst News Service (seu fundador, William Randolph Hearst, foi o personagem que inspirou Orson Welles no filme Cidadão Kane). Thomas dera uma entrevista para um portal sionista de direita (de pouca envergadura, o RabbiLIVE.com - com chamada de capa) afirmando que os israelenses deveriam deixar a Palestina e voltar para casa. O tema gerou controvérsias e logo a veterana repórter, com quase cinco décadas à frente do Escritório Central da United Press International (UPI), teve que se retratar publicamente e cancelar compromissos e palestras em escola de segundo grau! (vejam o link no Washington Post).

Vejamos o link do vídeo editorializado, postado no Youtube e reparemos com atenção na força da internet: 1.221.639 pessoas assistiram-no. A postagem no portal de audiovisual é do dia 03 de junho de 2010 (e eu o vi pela primeira vez na noite de 07 de junho, um dia antes de começar a fazer este texto), vindo a atingir uma escalada viral de absurdas proporções. O tempo de duração da gravação é de 1’03’’ (um minuto e três segundos) e este registro pleno de informalidade, mas contendo palavras contundentes e estúpidas de uma pessoa enraivecida, resulta no encerramento da carreira de quem acompanhara todas as administrações na Casa Branca desde a posse de John F. Kennedy em 1960.

A debandada para se desmarcar de Helen Thomas foi imediata. Ela perdeu o contrato (cancelado de forma unilateral) com o escritório de Assessoria de Imprensa que lhe prestava serviços (Nine Speakers) e comunica a sua aposentadoria antecipada - dado que a Hearst Corporation não vai arriscar, ou não deve arriscar seus contratos e anunciantes diante da pressão contra a sua estrela, autora de uma declaração anti-sionista. Segunda, dia 07 de junho, foi o fim da carreira profissional da mais antiga correspondente política na Casa Branca em atividade. Mas, o bombardeio continua (via Fox News e centenas de sites pró-republicanos, democratas conservadores, sionistas de direita e etc.).

O paradoxo geral é que no dia 05 de agosto de 2009, Barack Obama e Helen Thomas "comemoraram" juntos seu aniversário. Eis o vídeo. A repórter sempre foi tida como ousada e inconveniente (como, aliás, deveria ser todo jornalista). A vingança nessa área também foi imediata (veja o link no Democracy Now, partindo daqueles a quem essa senhora incomodou por anos a fio. Ari Fleischer, ex-secretário de Imprensa da Casa Branca durante o "magnífico" governo de George Bush Jr. recomendou que seu então empregador, Hearts Newspapers, executasse a sua demissão sumária. Já o ex-secretário da mesma função no governo de Bill Clinton, pediu a seus correligionários democratas que suspendessem as credenciais de Thomas na sede do Executivo do Império. Fim de história.

Apontando conclusões tenebrosas

O que espanta em todo esse imbróglio é a diferença e desproporção nas reações. O Estado de Israel mata a 9 (ou 19) homens, após entrar em luta corporal com eles Tomavam de assalto uma flotilha de seis navios de passageiros e carga, sem armas letais e em águas que não pertenciam ao seu país. Portanto, isso é crime de pirataria. Os assassinatos são ainda mais inexplicáveis. Não é crível que militares de forças especiais israelenses não saibam luta corpo a corpo, por mais que estejam desabituados a essa modalidade de combate. Se havia chance de ferir de forma não letal, não se usou essa capacidade, matando como exemplo. De fato, após os assassinatos, nenhum outro navio tentou furar o bloqueio, não passando até o presente momento de prudentes escaramuças sem risco de conflito. Esses são os fatos contundentes e irrefutáveis.

Já Helen Thomas, por mais capaz que seja, deveria ser condenada por suas palavras. Não creio que a mesma pense no que disse. O argumento chauvinista saído de bocas ilustradas, em geral, é fruto de ira somada com descontrole momentâneo. Não se pode querer mandar de volta as vítimas e descendentes do Holocausto. Ao mesmo tempo, não se pode perdoá-los por tudo o que fazem, alegando para o Ocidente terem esse direito porque os "árabes" querem atirá-los ao mar. A decana do jornalismo político estadunidense deu ainda mais munição para a direita sionista. Esse setor político israelense já tem armas de todos os tipos, de nucleares a midiáticas. É hoje a direita mais poderosa do mundo, considerando todas as suas versões: a direita chauvinista (do Likud, de seu racha de centro o Kadima, e os "falcões" da IDF vinculados ao Trabalhismo), integrista (com os ultra-ortodoxos do Shas) e supremacista (com o partido de Avigdor Lieberman, Israel Beitenu).

Não há argumento e ira no mundo que justifique qualquer comentário (por irônico que seja) relativizando o peso do Holocausto. Assim como não há nenhuma forma de desculpa para o Estado de Israel não se retirar completamente dos Territórios Ocupados em 1967, concedendo para o povo palestino a plenitude de sua auto-determinação política, jurídica, econômica, militar, de recursos naturais e de sua população. Enquanto isso não ocorrer, mais barcos navegarão para Gaza e comboios por terra desafiarão as fronteiras no deserto.

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