1 - Este ano passam 500 anos da publicação das chamadas 95 teses de um monge católico agostiniano do então Sacro Império Alemão Martinho Lutero, que veio a ser excomungado e expulso da Igreja Católica e deu origem a uma cisão teológica no cristanismo moderno que se constituiu como organização religiosa com o nome de luteranismo.
O luteranismo tem a sua importância histórica, política e ideológica, porque representou, no seu conjunto, uma das maiores movimentações sociais que ocorreu na Europa, não só na sua região central, dita de língua alemã, mas também pelo efeitos que teve na própria própria superestrutura política da Igreja Católica.
Veio a tornar-se, ideologicamente, dominante na exploração extra-europeia na América do Sul, Índia e mesmo em África por parte de Portugal e Espanha.
Não se circunscreveu ao mero corte ideológico «moderado» com o catolicismo reinante, «moderação» esta que prevaleceu no conjunto das guerras camponesas alemãs que se alçaram então, como reacção à opressão gritante do Império, da hierarquia católica, da nobreza feudal sobre os «deserdados» rurais.
Em 1517, o monge Martinho Lutero, que era professor na universidade de Wittenberg, publicou um conjunto de teses - 95,segundo foi divulgado então - pondo em causa a opulência do papado romano, a sua infabilidade espiritual e mesmo a sua doutrina prática de o Sumo Pontífce Católico Roma ser o representante físico de Jesus Cristo.
A atitude, e, principalmente, o movimento social que desencadeou levou a uma ruptura espiritual com o monopólio ideológico e político da Igreja de Roma, mas tal facto, que não residiu num homem, foi produto de uma época histórica.
Não se enquadrou num território limitado, mas abarcou, praticamente, toda a Europa central, desde a Inglaterra até à antiga Checoslováquia, incluindo o que hoje é a Áustria, a Alsácia e parte da França.
2 - O que se registou na Alemanha nas primeiras décadas do século XVI, devemos analisá-lo e inseri-lo dentro de um período longo, que se enquadra, praticamente, com a exploração extra-europeia começada por Portugal nos princípios do século XV em que os monarcas de então, apoiando-se nos burgueses citadinos, vão romper, por vezes sangrentamente, o poder avassalador da nobreza feudal e edificam os grandes Estados absolutos, estribados no conceito de nacionalidade.
O alargamento de horizontes económicos - transicão da primitiva forja artesanal para a indústria, pimeiro, manufactureira, depois, já nos finais do século XVII, a industrial, ainda que incipiente, princípios do comercial mundial, políticos - Estados centralizados, culturais - literaturas em línguas nacionais (Portugal separa-se definitivamente da língua castelhana, e, surgem obras de Camões, Gil Vicente, Garcia de Resende, Damião de Góis, Garcia de Orta, entre outros), Espanha (Antonio de Nebrija, Fernando de Rojas, Mateo Alemán, Estebanillo de González), e MiguelCervantes, entre outros), Inglaterra (Thomas Sackville, Thomas Kyd e William Shakespeare)
Inicia-se, assim, a história moderna da Europa, e, por arrasto do Mundo.
Nós, portugueses, apelidámos essa nova época de Renascimento, os alemães de Reforma e os italianos de Cinquecento. (Na arte - pintura, escultura, arquitectura; Ciência - Física, Química, História, Astronomia).
Mas, tem de se destacar, em especial, o incremento da investigação em vários campos do saber, o que produziu uma grande evolução científica, cujo avanço contribuiu, em grande medida, juntamente com a contestação política e ideológica do luteranismo, para romper com o papel dominante e aterrador do despostimo religioso da Igreja Católica Romana.
Com desenvolvimentos políticos não tão profundos - e por vezes contraditórios - em Itália, Espanha e Portugal.
Na realidade, neste últimos países, que entre os séculos XV e XVI, foram os percussores na ruptura do isolamento dos feudos e do espaço territorial das Nações europeias, lançando os embriões do mercado mundial, tiveram, todavia, o lado negativo ao fomentarem o retrocesso ideológico e político - e se constituíram como centro contra-revolucionário religioso católico - ao açaimarem os seus povos sob a forma mais tenebrosa de fanatismo sectário religioso, sob o domínio da Igreja Católica e do Papado, erigindo os tristemente famosos Tribunais de Inquisição, que estenderam à suas colónias.
Situação esta que contribuiu para o entorpecimento, não só o próprio modelo produtivo, mas, mais profundamente, para as suas produções intelectuais.
3 - Na realidade, na polémica nascente teológica dos primeiros passos de Lutero em Wittenberg vai interligar-se, mais tarde, uma acessa luta de classes, cujo aspecto mais radical se aglutinou em torno das guerras camponeses, cuja cabeça teórica foi Thomas Munzer, um monge que, inicialmente, foi «compagnon de route» do seu confrade agostiniano.
Neste, como em outros conflitos e guerras chamadas «religiosas», o que estava em jogo eram, essencialmente, interessses materiais e classistas, que perduraram e levaram a reivindicações posteriores mais elaboradas, como a separação entre a religião e os Estados, que entretanto se formaram e desenvolveram.
Naturalmente, devido à situação concreta da época na Europa, embrenhada pelo obscurantismo e a perseguição católicos, esses confrontos nasciam, portanto, envoltos em reivindicações filosóficas e místicas de regressar «à pureza» da religião dominante.
Se se analiserem as guerras religiosas, desde o século XII, registámos que existe, desde então, uma constante luta contra a hierarquia da Igreja Católica.
Não se trata, no fundo, nada mais, nada menos, do que formas, por vezes embrionárias, e sem grandes orientações, de oposição revolucionária contra as estruturas feudais, estruturas estas que estão tão interligadas com o poder conjunto entre a grande nobreza e o alto clero.
Oposição esta que se manifesta sob a forma de heresia, personalidades místicas ou mesmo conflitos armados extremamente sangrentos.
Os exemplos são múltiplos, desde Arnaldo de Brescia, em Roma, nos principios do século XII, John Ball com a revolta camponesa de 1381, os albigenses (sul de França), John Wycliffe (Inglaterra), John Huss (na actual República Checa), entre outros.
A importância histórica do luteranismo advem, precisamente, das clivagens que se produziram no seu interior, onde, naquele território, aparece, pela primeira vez, de maneira evidente, uma oposição plebeia revolucionária, que, indo além do combate contra o feudalismo e contra a nova burguesia nascente comercial, instalada através de hansas, procurou fundar um novo tipo de sociedade, baseada em partilha de bens, sem propriedade privada.
Claro que essa oposição, que teve Munzer como líder, foi tão radical para a época, necessariamente confusa, porque nasce dentro das contradições dos começos do afrontamento religioso, logo metafísico, à própria religião dominante, como foi +utópica+ no sentido de ser posta em prática na situação económica e política da altura.
Mas lançou - e este facto é historicamente relevante - os fundamentos para explicar a possibilidade de construcção de uma nova sociedade, baseada nos princípios socialistas.
/A hansa foi uma estrutura associativa de cidades mercantis - alemãs ou de influência alemã - que estabeleceu e manteve um monopólio comercial sobre quase todo norte da Europa e Báltico, em fins da Idade Média e começo da Idade Moderna (entre os séculos XII e XVII). Abrangeu umas 100 cidades/.
A jugulação dessa revolta deu-se numa conjugação entre o conservadorismo católico e o luteranismo «moderado» de Lutero, ou seja, em termos materais, por um lado, o imperador, a hieraquia católica, a grande nobreza que rodeava a corte e governava as cidades e, por outro, os grandes mercadores, uma fatia da pequena nobreza e grande parte dos príncipes, que pretenderam ficar com a riqueza da Igreja e conseguir arrepanhar parte do poder imperial.
Como, na realidade foram, eles, os príncipes,os seus principais beneficiários.
4 - O catolicismo e o luteranismo evoluiram nestes 500 anos.
Hoje, expandiram-se além da Europa.
Foram levados com a exploração extra-europeia para os países onde se fixaram os colonos saídos do continente europeu.
A opulência da Igreja Católica, em particular, ultrapassa, na actualidade a daqueles tempos.
Refinou-se, entrou nas instituições económicas, em especial no sistema financeiro. Interligou-se, através de *homens de mão* ditos laicos nas superestruras políticas.
O Vaticano tornou-se num imenso +off-shore mundial+, onde se fazem, com total impunidade, as maiores traficâncias financeiras.
Sobre a riqueza recente foram divulgados em vários livros publicados nos últimos anos.
(Eric Fratinni - Os Abutres do Vaticano; Gianluigi Nuzzi - Vaticano S.A.; Emiliano Fittipaldi - Avareza; Jason Berry - Render Unto Roma - The secret life of money in Catholi Church).
Mas, a investigação sobre as finanças e os negócios vaticanistas nos tempos modernos tiveram destaque, anteriormente, devendo apontar-se os nomes de Nino Lobello, que foi durante mais de um década correspondente de um jornal norte-americano dentro da Santa Sé, (já falecido), e editou em 1967 um livro ainda hoje actual «O Empório do Vaticano».
O mais profundo conhecedor dos meandros da política e economia papal foi, na minha opinião, o italo-americano Avro Manhattan, falecido em 1990, licenciado pelo London School of Economics, cavaleiro da Ordem de Malta, que escreveu o seu primeiro livro sobre o tema «The dollar and The Vatican» em 1957 e, mais tarde uma obra mais profunda, em 1967, com o título «The Vatican Billions», em 1983.
Retiramos este extracto do português do Brasil:
“a Igreja Católica é o maior poder financeiro, maior acumuladora de riquezas e a maior proprietária de terras atualmente. Possui mais riquezas materiais do que qualquer outra instituição, corporação, banco, truste gigantesco, governo ou estado do mundo inteiro. O papa, como governante desse imenso acúmulo de riquezas, é, consequentemente, o indivíduo mais rico do século XX. Ninguém tem condições de dizer precisamente quanto ele vale em termos de bilhões de dólares”.
Ainda de acordo com o autor, a Santa Sé tinha grandes investimentos em parceria com os Rothschild na Inglaterra, França e Estados Unidos, e no Hambros Bank e Credit Suisse em Londres e Zurique.
Nos Estados Unidos da América, tem empresas, conjuntamente, com o Morgan Bank, Chase-Manhattan Bank, First National Bank of New York, Bankers Trust Company e outros.
Segundo Manhattan, entre os seus investimentos estão biliões de ações mais mais poderosas multinacionais, como Gulf Oil, Shell, General Motors, General Electric, IBM, entre outros.
No fundo, o Vaticano é, actualmente, um sustentáculo económico, político e ideológico do capitalismo.
Não é, por acaso, que os principais dirigentes políticos - quer sejam de países de *maioria* católica, quer protestante, quer islâmica, quer budista, ou mesmo se diga *sem religião* como Cuba - se reverenciam perante a figura do Papa Católico Apostólico Romano.
Curiosamente, a ascensão do Vaticano a grande potência financeira e comercial foi fomentada pelos regimes nazi-fascistas europeus, antes, durante e logo após a II Grande Guerra...em troca do apoio da Santa Sé.
Na realidade, com as revoluções liberais europeias do século XIX, o papado e a igreja Católica viram reduzidas as suas capacidades económicas, com as nacionalizações dos grandes patrimónios imobiliários.
Isso foi, aliás, evidente em Itália, quando em 20 de setembro de 1870, as tropas unificadoras do país, entraram em Roma, logo declarada capital do Reino de Itália, com o estabelecimento da corte do rei Victor Emanuel II no Palácio do Quirinal.
O Papa Pio IX considerou-se prisioneiro no minúsculo Vaticano, e, ali permaneceu sem dinheiro, sem armas, sem acção política até à ascensão do partido fascista de Benito Mussolini ao poder.
Em troca do reconhecimento da soberania, inviolável, do Vaticano e o recebimento de avultadas quantias em dinheiro, o Papa Pio XI aceitou apoiar o regime fascista.
Deste modo, a Igreja Católica tornou-se a religião oficial do Estado italiano e recebeu mais de 90 milhões de dólares, avaliados hoje em mais de dois mil milhões de dólares, com que investiu nos negócios terrenos italianos e de outros países.
Chegou à opulência e à riqueza incomensurável dos dias de hoje.
Mas, não foi somente com Mussolini, que o papado assinou concordatas. Sucedeu com a Polónia conservadora em 1925, seguiu-se a ReichKonkordat com Hitler, em 1933, a portuguesa com Salazar em 1940 e com Franco, em Espanha, em 1953.
Este tem sido, álias, o traço comum da evolução do cristianismo desde que deixou, no século III, de ser o movimento de libertação dos povos oprimidos pelo Império romano e se tornou em religião oficial do Estado: sempre em sintonia com o poder dominante, o mais reaccionário possível.
Quando os hierarcas da Igreja de Roma de então se consideraram consolidados nas suas posições dentro da instituição religiosa nascente, e, começaram a ter poder económico dentro do mesmo império, aliaram-se ao Imperador e iniciaram um processo de afastamento de todos os «profetas» que preconizavam uma Igreja «pobre», dedicada aos escravos, aos despojados e aos povos oprimidos que +vejetavam+ no interior do «Imperium»: o gnosticismo, o arianismo, o montanismo, o ebionismo, o donatismo, entre outros.
Ou seja, para se consolidar como instituição do Estado, o catolicismo adquiriu os contornos de uma estrutura fortemente dogmática universal que não admitia desvios, nem interpretações que não fossem as que serviam a classe dirigente e o poder imperial.
1 - A 25 de Março de 1957, teve lugar, em Itália, a assinatura dos Tratados de Roma, que instituiram a Comundade Económica (CEE) e a Comunidade Económica Europeia da Energia Atómica (CEEA), e que previam, a prazo, a criação de uma união alfandegária, bem a criação de instituições estatais: Comissão Europeia, Conselho Europeu, Parlamento Europeu e o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.
Os signatários foram seis países: Bélgica, França, Alemanha, Itália, Luxemburgo e Holanda.
Passam, portanto, 60 anos da criação do que hoje é a União Europeia.
A UE confronta-se actualmente com uma crise grave, económica, financeira, política e social.
Todavia, não se deve falar sobre a crise em abstracto.
É, acima de tudo, uma crise do sistema capitalista que a gere.
E particularmente, contra a facção da burguesia capitalista no poder em todos os Estados, a grande burguesia financeira.
Pode a UE desagregar-se?
Realmente pode, se persistir o actual modelo de governação assente no domínio absoluto desse capital financeiro.
Esse ascendeu dentro da UE com a supremacia do capital «nórdico», em particular alemão, sobre as economias mais «fracas».
E essa dependência transformou-se em penúria financeira crescente desses Estados.
Será impossível transformar essa supremacia em nova cooperação europeia sem equilibrar os orçamentos dos diferentes Estados, ou seja sem restringir o poder desse capital financeiro dominante.
O que significa, em termos práticas, uma mudança política na maioria dos Estados da UE, incluindo na Alemanha, fazendo recair o peso dos impostos necessários para o investimento público sobre o sistema bancário europeu.
Em termos reais de eficácia, terá de haver uma alternativa política conjunta europeia de progresso que leve a forçar um novo sistema governativo.
Podem clamar contra o estado actual da gestão europeia os chamados «progressistas de esquerda», mas não passarão de cúmplices pregadores do deserto, se não optarem por alcançar uma política comum radical, com um programa socialista.
2 - Claro que a burguesia europeia, em bloco, não é suicidiária, mas se persistir a supremacia do capitalismo financeiro alemão, aliado ao norte-americano, na estratégia de provocar os regressos dos «nacionalismos», isso também será dessatroso, não só para os Estados alvos de ataques da arrogância imperial alemã, que se oculta por detrás da governação da senhora Merkell, mas igualmente para a própria Alemanha, ela própria submersa numa crise que se aprofundará com a política de Trump, já que obrigará à subida do euro e em sequência um rombo nas próprias exportações alemãs.
E a própria política migratória estabelecida pelo actual governo de Berlim levará a ter efeito sobre os salários dos próprios trabalhadores do país, com a consequente descida dos mesmos e do consumo interno.
Além do mais, a UE somente se consolidará se tiver uma política externa própria, o que exige uma organização conjunta no domínio da segurança e defesa, que afaste a capitulação perante a NATO, ou seja contra a supremacia desafiadora dos EUA.
Para se impôr no mercado externo tem de ganhar um espaço próprio castrense que lhe sirva de «guarda-costas» fora das pressões externas contínuas e desagregadoras.
O avanço das conquistas económicas, políticas e sociais dos diferentes Estados que integram a UE - com o Reino Unido fora - somente poderá ser conseguido se uma nova política governativa comum for imposta em detrimento da actual.
Essa só ganhará consistência - repito - com a capacidade de forjar políticas anti-capitalistas em cada Estado e numa estrutura verdadeiramente progressista que se forme a nível das instituições europeias.
Apesar das incertezas, o que é certo é que a UE continua a ser a principal potência comercial do Mundo.
Assinalo os próprios dados oficiais da UE para justificar tal facto
«A economia europeia, medida em termos da produção total de bens e serviços (PIB), é maior do que a dos Estados Unidos. PIB da UE em 2015: 14 600 mil milhões de euros.
Embora a UE represente apenas 6,9 % da população mundial, o volume das suas trocas comerciais com o resto do mundo corresponde aproximadamente a 20 % do volume das exportações e importações mundiais.
Cerca de 62 % das trocas comerciais dos países da UE realizam-se com outros países da UE.
Em termos de comércio internacional, a UE é uma das três maiores potências mundiais, juntamente com os Estados Unidos e a China.
Em 2014, as exportações de mercadorias da UE representaram 15,0 % do total mundial. Pela primeira vez desde a criação da UE, as exportações europeias foram ultrapassadas pelas da China (15,5 %), mas mantiveram-se à frente das dos Estados Unidos (12,2 %), cuja parte das importações mundiais (15,9 %) excedeu quer a da UE (14,8 %) quer a da China (12,9 %)».
3 - Perguntar-se-á: Mas uma eventual desagragção da União Europeia, leva ao desaparecimento dos Estados componentes?
Naturalmente, que não.
Mas haverá, certamente, um retrocesso civilizacional, pois a competição intereuropeia aumentará e os «abutres» imperialistas exteriores a esse espaço tentarão cravar as garras, para extrair cada vez mais lucros.
Ou seja concorrência intereuropeia exacerbada levará novamente à guerra, porque o mercado comunitário desagregado continuará a ser extremamente apetecível.
Tudo isto se abaterá sobre as classes trabalhadoras, porque ficarão à mercê dessas sanguessugas, sem uma alternativa revolucionária de mudança política.
Temos de olhar para a História. O avanço para a uma Europa de unidade é o percurso que tem sido tentado desde o Renascimento europeu.
Foi o capitalismo nascente que impulsionou o fim do feudalismo e fez nascer, ao longo dos séculos, os Estados unitários cujo objectivo primário e central foi o de acabar com os particurismos dos condes e barões que controlavam nos seus feudos o movimento de pessoas e de comércio, através de impostos e mais impostos.
Os condados feudais lutando entre si eram um travão à cooperação e contactos entre povos e nações.
Sem a extensão da industrialização não poderia haver um reforço das classes trabalhadores e, particularmente, do proletariado industrial.
Quando Karl Marx e Frederico Engeles lançaram a sua consigna «proletários de todo mundo uni-vos», a sua preocupação visava, especialmente, a Europa. A sua «aposta» revolucionária estava centrada precisamente numa revolução na Europa fortemente industrializada.
Ora, para atingir esse fim teria (e terá) de se forjar a cooperação europeia harmónica entre Estados.
Ou seja, acabar com o nacionalismo serôdio e ultrapassado e constituir uma união que tenha em contra a autonomia e independência possível de cada Estado e Nação.
Lutar e fazer desaparecer os conflitos inúteis entre Estados «superiores» e «inferiores».
1 - A chamada Revolução Russa de Outubro de 1917 já tem a distância histórica suficiente no tempo para que seja feita uma apreciação mais consentânea em que se possa analisar, com mais clareza, as condições que a produziram e em particular as suas causas económicas.
Os acontecimentos políticos, económicos, sociais e militares que vão desencadear as duas Revoluções Russas (a de Fevereiro e a de Outubro) estão intimamente ligados à I Grande Guerra, e esta está inserida numa crise de expansão da indústria capitalista de proporções enormes, cujos efeitos estavam também em ebulição dentro da própria sociedade czarista.
Pode dizer-se de forma prosaica que todo o período, que vai desde a segunda metade do século XIX até ao início da I grande guerra, é percorrido por crises económicas, conflitos e guerras, de agudas guerras de classes sociais.
A principal novidade das revoluções russas não são os seus aspectos conflituais sangrentos, mas sim o facto de os principais protagonistas dos seus movimentos classistas serem os proletários de todas as principais urbes industriais do império czarista e, de maneira avassaladora o vulgar soldado que liquidou a altivez balofa do czarismo e da velha oligarquia feudal dos boiardos.
Ou seja, terem actuado em extensão e quantidade e conseguirem sublevar, ainda que por um período de tempo limitado, os camponeses explorados, organizados e representados principalmente pelos soldados que estavam ou provinham das frentes de combate.
Numa batalha por uma nova sociedade.
(As organizações societárias não são imutáveis, por muito que os «cientistas» políticos das classes dirigentes proclamem que haverá sempre desigualdades entre classes e ricos e pobres. A História e a Economia política já mostraram à saciedade que toda a evolução humana foi constituída, ao longo de milhares de anos, de mudança de modos de produção.
E quem representa a principal força produtiva da humanidade é o homem e, é ele sempre, em todas as fases do caminho da humanidade que vai desenhar e construir a nova sociedade adaptada às circunstâncias históricas, moldando-a, todavia, de um modo mais rápido ou mais lento, de acordo com a elevação da consciência social de cada época.
Quer queiramos, quer não, o modo de produção capitalista tal como foi sendo edificado desde o século XVIII está a atingir o seu o ocaso. Uma nova relação social se está a organizar.
Como vai surgir? será o tempo e a História a determiná-los.
Regressemos à análise das mudanças económico-sociais dos tempos muito próximos da I Grande Guerra.
O que lhe vai dar significado especial e referencial é que a Revolução Soviética de 1917 se efectuou, na prática, pela primeira vez, num Estado unificado sob um programa político formulado e aprovado pelos partidos comunistas e socialistas que estiveram e estavam filiados nas I e II Internacionais Comunistas sob a liderança revolucionária.
No fundo, deu corpo prático, num grande Estado, a uma nova estrutura económica da sociedade.
Desde os tempos radicais da Revolução francesa houve, pois, todo um período *experimental* da evolução societária.
2 - O epicentro das mudanças das relações sociais de produção feudais para a nova sociedade capitalista ocorreram em Inglaterra no XVII.
Sucedeu por razões específicas, mas essencialmente económicas: o aparecimento da máquina a vapor, um comércio à distância com as suas colónias dos produtos manufacturados, matérias-primas à mão de semear com os bens (carvão e ferro) essenciais para a fabricação de máquinas e produção energética, mão-de-obra barata expulsa dos campos, grandes latifúndios colocados ao serviço da criação de ovinos, ou seja lã, um governo já marcado pela ascensão da burguesia capitalista e mercantilista (muitas vezes enobrecida pelo papel no incremento dessa nova fase societária).
A quase silenciosa revolução capitalista nascida na Inglaterra no seculo XVII, então dominada pela superestrutura política semi-feudal da monarquia, foi económica e alastrou-se de maneira desigual, mas com penetração sucessiva na Europa central.
E a nova sociedade que se começava a instalar e remexia já as entranhas do Velho Regime adquiriu projecção de rebelião na França dos monarcas mais absolutos, que pareciam inamovíveis.
A história capitalista industrial europeia adquiriu uma nova projecção de estrutura política e de protagonistas humanos: a revolução francesa de 1789.
Eis aqui a primeira grande mudança qualitativa no nascimento de um novo modo de produção.
Foi, justamente, em França, que a nova sociedade burguesa industrial ganha cidadania - e os sans-culottes adquirirem proeminência ao participarem e serem, eles próprios, motores, no acto público.
O slogan da Revolução «Liberté, Égalité, Fraternité» (em português: liberdade, igualdade e fraternidade) veio a encimar a «doutrina» central da democracia burguesa.
Com a revolução de 1789 veio a constituir-se a República, impulsionar os movimentos revolucionários contra o absolutismo monárquico, expandir, inclusive, já na fase de recuo da revolução, através do consulado napoleónico perfumado de Império a querer construir uma ideia, ainda que a ferro e fogo, e menosprezando os direitos dos povos, de uma Europa sem fronteiras e foi, precisamente, pelo imperialismo napoleónico, já no pricípio do século XIX, que se travestiu no poder imperial expansionista de Paris, como transmissor de uma nova ordem, que levou a ideia da reforma agrária e do liberalismo de Portugal à Rússia.
Começou a ser propagandeada, nesta época, portanto, a ideia de «revolução social», ainda sem estar sedimentado o modo de produção capitalista.
Ideia difusa nos primórdios, mas entrada no debate das novas consciências ideológicas que se formavam, que levavam a divagar sobre um novo programa de um novo poder que se construiria com uma sociedade onde os explorados já metiam, ainda que a +medo+, ainda sem ideias delineadas e formadas, o conceito de que a igualdade da revolução francesa teria de ser prática.
O caminho para construir um novo projecto programático de poder revolucionário ganhou um novo impulso, principalmente, a partir dos primeiros anos da segunda metade do século XIX.
Foi, justamente, pela segunda metade do século XIX, que se disseminou um *farol* de necessidade de uma revolução geral.
E o farol existiu, na realidade, pela conotação ideológica que ganhou a revolução política (essencialmente social) de Fevereiro de 1848 em Paris.
A revolução parisiense teve repercussões noutros territórios e Estados, desde o império austro-hungaro, até Alemanha (Berlim), passando por Milão. No geral, os movimentos revolucionários, nacionalistas, seccessionistas, liberais, sucederam-se desde Portugal até à Rússia.
A importância da Revolução de Paris de 1848 advem do facto de ser política e ter ocorrido, precisamente, na capital francesa e, acima de tudo, por ter havido um enfrentamento central entre o jovem proletariado, que cresce com o incremento industrial e a burguesia que procurava, essa assenhorear-se do poder político, segundo uma concepção democrático-repressiva desse poder.
Embora, o proletariado não tivesse participado, formalmente, no novo governo, os verdadeiros detentores tiveram de lhe dar uma +migalha+ através da Comissão do Luxemburgo e os *insurrectos* proletários não permitiram, na prática, instituir uma monarquia *moderada*.
Destruíram-na.
Na amálgama de classes que constituia o novo governo, desde conservadores a socialistas e incipientes comunistas utópicos, passando por monárquicos ditos progressistas, foi imposto um sufrágio universal (embora só para homens), reduzida a jornada de trabalho de 12 para 10 horas, criação de «oficinas nacionais», com capital estatal e dirigidas pelos operários, entre outras medidas. O ambíguo «direito ao trabalho», que ganha foros de direito social, pretendia regular e impor limites aos desmandos patronais nas contratações colectivas e individuais.
A montante e a juzante deste acontecimento, a movimentação, mais generalizada, dá-se, esencialmente, pela irupção radical de um novo modelo produtivo, alargado, com mais ou menos, mudanças económicas industriais: caminha-se desde o fim da servidão esclavagista no império austro-húngaro, o absolutismo monárquico dinamarquês, a realeza gaulesa, as movimentações para a unificação italiana e alemã, os abalos nos impérios russos e otomanos, enfim, toda a época de revoluções liberais em Portugal e Espanha. E, fixemos, o alargamento de uma certa consciência política da parte dos explorados.
Do ponto de vista histórico, nesta época de mudança económica e de revoluções nacionais ou políticas, a França foi o «íman» atractivo da rebelião, porque os sons dessa revolução associavam-se a 1789 e anos seguintes.
A fase seguinte revolucionária, a partir de 1845, igualmente fez elevar a «temperatura» da situação política, porque estava estribada numa profunda crise alimentícia e comercial, cujo motor foi, novamente, Paris, e, principalmente, porque existiu a participação militante e combatente do seu proletariado.
A apreciação que os revolucionários efectuaram, todavia, nesta época de que a revolução estava na ordem do dia não era correcta, que mesmo Marx e Engels admitiram, embora, como pensadores geniais, tivessem reanalisado tudo o que escreveram e assinalaram que um novo *assalto* revolucionário somente teria lugar em condições especiais.
3 - Quando entraram em acção os efeitos de uma revolução (1848) em que existiu um confronto sério entre o proletariado e as classes dirigentes, e se verificou a dispersão, com programas diferenciados, em praticamente toda a Europa (e secundariamente no resto do Mundo), a visão dos sectores mais conscientes e politizados foi a de que essa revolução estava na ordem do dia.
Transformaram essa ideia que, no desenvolvimento histórico concreto, mostrava apenas os indícios - e estes ainda distantes, estratégicos - de que poderia surgir um novo modelo de produção, num objectivo táctico quase imediato.
Desprezaram, melhor dizendo menosprezaram, o estado real das condições objectivas e das próprias condições subjectivas.
Houve, realmente, um certo deslumbramento o que é natural.
A vitória revolucionária de Paris, apesar de toda a repercussão que produziu, tinha, na realidade, um +âmbito+ efectivo de batalha ganhadora, mas momentânea e restrita.
O incremento industrial era desigual nos diferentes países. Na sua maioria, a própria burguesia industrial não tinha alcançado o poder político; em certos territórios, o seu alcance ficou-se por meros traços de avanço democráticos, e, mesmo em grande espaços, como a Alemanha, a Itália, a Espanha, na Áustria e Hungria, essa mesma burguesia, com o seu fomento industrial não tinha conseguido unificá-los em Estados, sem barreiras alfandegárias e regulamentações que favorecem a solidificação do poder industrial.
Mesmo, na França, avançada politicamente, a própria burguesia industrial estava arredada do poder (era mesmo oposição) pela ascensão dominante de uma fracção parasitária da burguesia, que era a financeira.
O facto de essencial que sucede após a revolução de 1848, é que a burguesia, nas suas diferentes facções e a própria monarquia e nobreza dos diferentes países, entrando em pânico, se aliaram, e, não tiveram pejo, mesmo os que se consideraram democratas e até revolucionários de pacotilha, em fazerem renascer a monarquia em França.
Essa aliança bandeada da reacção burguesa, monárquica dita constitucional e até absolutista feudal veio a mostrar, historicamente, que aquela revolução e outras eram apenas sinais indicativos de que uma longa batalha ia ser estabelecida num terreno onde o sangue dos explorados iria espalhar-se durante muitos e muitos anos para conseguirem ter uma vitória digna da sua condição.
Houve, portanto, uma derrota, mas nascia, no entanto, sob o efeito da prática - e da lenta elaboração teórica - de espetro real: a Revolução socialista.
E principalmente estudar e analisar, com clareza, os fracassos, para elaborar um programa que pudesse ser coerente com um futuro novo modelo de produção.
É, justamente, neste confronto classista proletariado/burguesia que se chega à conclusão que a principal exigência de uma relação primordial de poder efectivo a favor daquele exige uma nova estrutura económica: a posse dos meios de produção e de troca pela maioria classista explorada da sociedade.
Esta constatação nasce do debate em torno do poder em que os partidos que criaram a I Internacional vieram a decantar, pelo confronto ideológico, as fases embrionárias do socialismo.
A fase seguinte de incremento da sociedade e que vai desembocar na grande crise europeia, que se desenrola em torno da guerra franco-prussiana.
É deste conflito sangrento e enorme entre burguesias concorrentes europeias que vai nascer a Comuna de Paris, o primeiro governo
operário da história, fundado em 1871, que se constituiu como governação proletária de resistência à capitulação da cobarde burguesia, coligada com a nobreza à invasão da capital pelo Exército prussiano.
Na realidade, a resistência «communard» foi o único acto revolucionário na maioria das acções cobardes, vis, criminosas, da esmagadora maioria dos deputados e governadores monarquistas e *republicanos* ditos moderados que formavam a Assembleia Nacional francesa.
Eles, simplesmente, preconizavam a capitulação perante a Prússia. Inclusive formaram um governo conservador sob a liderança de Louis Adolphe Thiers, que era o Presidente da República saido dessa Assembleia, que procurava desarmar a Guarda Nacional. Esta, com o apoio da população, tomou o poder e a decisão de resistir - os alemães não entraram em Paris. A República de Thiers fugiu pra Versailles.
A República revolucionária durou, oficialmente, de 26 de Março a 28 de Maio.
Dessa forma de governação, saíram directivas e leis que deram uma orientação para uma nova via e época de poder político e económico, nomeadamente, a abolição do trabalho nocturno, a gestão operária das fábricas, a obrigação de reabrir e colocar em produção as oficinas fechadas pelos patrões, sob gerência cooperativa, a jornada de oito horas, a instituição da igualdade entre sexos, a organização dos locais de residência sob a supervisão de comités oficiais, as eleição dos cargos de magistrados, a gratuitidade dos casamentos, o fim dos monopólios da legislação pelos advogados, e seus pagamentos de honorários, a educação gratuita, laica e obrigatória, separação completa das Igrejas do Estado. Além das reorganização do sistema financeiro e fiscal, bem como os correios e a assistência pública.
O Exército deixou de ser profissional e permanente, sendo obra de todos a defesa do Estado.
A governação da Comuna foi internacionalista: além de franceses, incluiam belgas, italianos, polacos e húngaros.
A Comuna, como organização política, manteve-se apenas por 72 dias. A audácia dos comunards parisienses de procurar estabelecer uma nova sociedade mais igualitária teve contra eles toda a burguesia francesa, alemã e europeia.
Segundo dados estatísticos de várias proveniências, teriam sido executados mais de 20 mil revoltosos pelas forças de Thiers, apoiadas pelos alemães.
Precisamente, a hesitação dos comunards, que não utilizaram o controlo do banco de Estado e não colocaram o poder do tesouro público contra as manobras de Versailles teriam dividido, certamente, a desesperada coligação burguesa/monárquica francesa.
Dessa experiência, ficou assente nos programas revolucionários que, além da posse dos meios de produção, bem como o seu mecanismo de distribuição, os explorados não podem apenas tomar conta da máquina de Estado e colocá-la ao seu serviço, mas destruir essa mesma máquina, quer a burocrática, quer a castrense e forjar uma nova superestrutura completamente controlada, através da mais simples eleição e a gestão mais democrática possível das coisas públicas.
E para isso terão de haver, em grande parte do planeta, condições objectivas e subjectivas para evitar a contra-revolução.
4 - O revolucionamento que a Comuna provocou no Mundo, a sua novel forma de governação, o espectro de poder ser construído sobre uma nova estrutura e superestrutura, logo um novo tipo, onde a maioria do povo explorado possa vir a assumir as rédeas da gestão da República, provocou uma grande discussão que colocou na agenda programática como teria de ser forjada uma revolução sem retrocesso no país, quando a maioria ascendesse a esse poder.
Ora, a revolução da Comuna em Paris afastou do poder a burguesia e iniciou a governação segundo os interesses dessa maioria. Minoria derrubada, aviltada mesmo, sendo obrigada a fugir de Paris. Mas foi a partir dessa retaguarda que toda a burguesia coligada investiu sobre a maioria parisiense.
E isto acontece, em parte, porque a Comuna, sem experiência suficiente, contemporizou com o poder do Capital. Não mexeu nos cofres do Banco Central, nem perseguiu e aniquilou as forças militares desmoralizadas que se vieram a acantonar, como Assembleia Nacional, em Versailles.
Claro que esses não foram os erros fulcrais que levaram à derrota.
A questão estava no fraco desenvolvimento económico da maioria da indústria gaulesa e da incipiente consciencialização do seu proletariado das urbes situadas longe de Paris.
A revolução comunard teve a sua vida curta e principalmente não conseguiu levar a feito, nesse momento, o papel histórico que a sua ascensão ao poder lhe deu.
Ou seja, foi uma revolução de uma maioria classista, dentro de uma grande metrópole, mas foi abortada por uma contra-revolução proveniente do seu exterior.
As revoluções históricas que se sucederam no mundo, desde o tempos clássicos, mas também feudais e principalmente as capitalistas que se desenrolaram até hoje, quando vitoriosas, foram levadas a efeito por minorias e favoreceram apenas minorias.
(Os portugueses, por exemplo, no início da 2ª monarquia - 1383/85, confrontram-se com uma revolução de cariz burguesa - imposta pela burguesia em ascensão, enobrecida ou não -, que obrigou o pretendente ao trono, futuro rei, João I, a aceitar para o país a política do caminho da expansão comercial extra-europeia em confronto com a nobreza feudal, que se acolitava em torno do rei de Castela, casado com a princesa herdeira portuguesa).
Concentremo-nos, agora, nas revoluções capitalistas.
Assinalemos, apenas por comodidade *histórica*, já que serviu o ascenso do novo modo de produção social.
A chamada «Revolução Gloriosa» da Grã-Bretanha, em grande parte não violenta, ocorreu entre 1688 e 1689, naquele país, sendo o rei Jaime II (um Stuart), católico, afastado pela facção rival do trono (Inlaterra, Escócia e País Gales), com o reino a ser ocupado pela filha, Maria, a Segunda, protestante.
O que conta, aqui politicamente, é que a revolução ficou nas mãos de uma nova minoria, que conduziu ao fim do absolutismo monárquico, ao reforço parlamentar, e, principalemnte, a acalmia política e reforço económico, aspectos estes salientes no incremento da revolução industrial. Mas, a minoria monárquica permaneceu.
Ou seja, todas as revoluções desse período - e estamos apenas a situá-lo até agora à época da Comuna -, quando vitoriosas, levaram ao afastamento de uma facção classista por uma outra. E estas facções eram, na realidade, minorias, quer o conjunto do povo participasse com o seu apoio ou passividade.
A nova forma de superestrutura política era moldada, com mais ou menos projectos programáticos da facção vitoriosa, aos interesses, justamente, daquela.
Os avanços posteriores da nova formação política estavam ligados a eventuais minorias, dentro da minoria vencedora, que pudesse impulsionar certos progressos conseguidos.
Normalmente, havia divisões entre os protagonistas. Por vezes, havia, até, a sensação de que iria haver estabilidade, os detentores desse poder adquiriam a auréola de representantes dilectos do povo.
O que sucedia muitas vezes é que o resultado primeiro da revolução empreendida pela primeira minoria vencedora retrocedia.
Saltavam para a liça pública e política as acusações várias, desde traição a contra-revolução. Este foi o caminho da maior parte das revoluções nacionais minoritárias, ao fim de certo tempo tornaram-se contra-revolucionárias.
Entre golpes e contra-golpes, acusações e contra-acusações, o regime instaurado pela minoria, ultrapassada ou não por um sector mais radical, desaparecia, muitas das vezes, quase por encanto, e, aparecia mais cedo ou mais parte um novo projecto de revolução de uma nova elite minoritária.
A Comuna obrigou a amadurecer ideologicamente o caminho de aparecimento de uma nova Revolução Socialista.
5 - Após a confrontação franco-alemã e a derrota do Napoleão sobrinho, regista-se que uma revolução económica ganhou grande expressão em toda a Europa (e de certo modo o centro revolucionário deslocou-se de França para a Alemanha) e após a guerra da secessão norte-americana, no conjunto estatal que ficou conhecido por Estados Unidos da América.
Essa evidência deu-se, precisamente, na Alemanha, com a sua unificação e a ascensão a potência industrial. A Itália depois de uma luta prolongada contra a influência da Igreja Católica nos assuntos terrenos do país, e da nobreza feudal, igualmente se unifica em 1870, e inicia um processo, não tão pujante como na Alemanha, mas igualmente poderoso na sua industrialização, em especial no norte e centro do país.
Nas duas últimas décadas do século XIX, a industrialização começa a ganhar raízes na Rússia czarista. Surgiu, embora localizada, uma grande indústria em torno de Moscovo e São Petersburgo, em parte de Baku (petróleo) e também na Ucrânia (Odessa, Kiev). Foi lançada uma rede ferroviária que ia de Moscovo a Vladivostok, que além de via de movimentação militar, servia igualmente de transporte de pessoas e mercadorias.
Na apreciação de toda essa época depois de 1870, é visível que o incremento económico-social dos Estados, mesmo aqueles que se unificaram, mostrava lacunas gritantes na sua estruturação, com desigualdades de instalação económica dentro de mesmos territórios.
A produção capitalista estava em crescendo não só nesses Estados, mas também iniciava uma caminhada de implantação e de desenvolvimento noutros com um atraso ainda mais acentuado na sua maturação de produção.
E a reacção política europeia tomava o poder político em toda a Europa.
O período que vai desembocar na I Grande Guerra é uma época de crescimento do capitalismo, de competição deste, mesmo dentro dos seus Estados por novos mercados e de novos territórios de matérias-primas e de um desejo forte da burguesia mais agressiva por enquadrar um novo espaço europeu contínuo capitalista, através da guerra, envolto em ideologia bacocas de supremacia, no caso em concreto do germanismo e eslavismo. Tudo se conjugou.
Na partilha capitalista de Viena, de 1815, pelo menos dois países - Alemanha e Itália - ficaram de fora dos apetites coloniais.
Mas os anos seguintes, o seu sucesso económico colocaram no topo da sua diplomacia a conquista de terrenos através de ocupações castrenses extra-europeias.
Um dos aspectos mais marcantes desta fase, que se obscurece muitas vezes, nas análises históricas ocidentais, é o crescimento de conflitos e tensões, mesmo guerreiras, nas relações das potências europeias, ditas ocidentais por um lado, e daquelas com a Rússia czarista por outro.
Além de contendas expansionistas entre aquelas potências (Império austro-húngaro, Alemanha/Prússia, Rússia, Inglaterra e França), o que então está a adquirir expressão de confronto diplomático-militar crescente era o Médio-Oriente, e, em particular, o ocaso a que estava a chegar o Império Otomano.
Ora, a obsessão imperialista centrava-se, na altura, na possibilidade de eventuais conquistas, que ora aconteciam, ora retrocediam, nas regiões dos Balcãs e o controlo ou influência real sobre a entrada no Mar Negro e a chamada +segurança+ do Mediterrâneo Oriental, através dos estreitos do Bósforo e dos Dardanelos, que provocou, mesmo, conflitos armados entre a Rússia imperialista e a Turquia.
Esta tensa e contínua política agressiva levava a uma corrida armamentista sem precedentes.
O militarismo provocava dívidas públicas enormes, esperava-se um fagulha para se iniciar a guerra.
Mas, a atitude perante os conflitos e a guerra
generalizada ou apenas de desgaste, como a da Crimeia, estava também a produzir os seus efeitos no interior dos partidos comunistas e socialistas. Uma parte deles, com o pretexto de apoiar eventuais elementos progressistas das burguesias em confronto, deram o seu apoio à guerra e aprovaram mesmo os orçamentos para o armamento das potências imperialistas.
Após a mudança legislativa alemã que, durante 12 anos vigorou e proibia as actividades do Partido Social-Democrata, forjado pela teoria de Marx e Engels, esse SPD, em 1890, torna-se um das maiores partidos do novo Estado unificado,com cerca de 20 % dos sufrágios.
Cresce depois, em 1912, o seu resultado para 34,8%, o maior do país.
Com a aproximação da guerra e durante esta, a direcção do SPD apoiou a burguesia nas suas ambições imperiais nos confrontos, por um lado com a França, por outro com a Rússia, aprovando os orçamentos de guerra.
Esta inflexão na política revolucionária, que dividiu, profundamente, o SPD e o retirou, definitivamente, do campo da revolução, vai ter reflexos maiores no pós-guerra em 1918, quando, perante o descalabro total da burguesia imperialista, e os elementos revolucionários do SPD, como Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, criam, a partir da Liga Spartaquista, o Partido Comunista da Alemanha (KPD) e conseguem tomar o poder na República da Baviera, e o poderiam estender a toda a Alemanha.
O que restava do Império, através do Exército, forçou o estabelecimento de um semi-império, denominado República de Weimar, debaixo da qual se colocaram de imediato os oficiais prussianos (que vieram a ser mais tarde os mais afoitos e seguidores generais sanguinários de hitlerismo).
A aventura revolucionária terminaria em Janeiro de 1919 com a detenção e ulterior execução sumária dos líderes spartaquistas.
6 - A I Guerra Mundial começou com um incidente sangrento, mas localizado, o assassinato em 1914, do príncipe herdeiro Francisco Fernando do trono da Áustria-Hungria, pelo nacionalista jugoslavo Gavrilo Princip, em Sarajevo, na Bósnia.
Foi uma guerra de proporções ferozes, grandes massacres humanos, desvastações produtivas, que começou a 28 de Julho de 1914 e terminou a 11 de Novembro de 1918.
Foi centrada essencialmente na Europa, e, de uma maneira ou de outra, envolveu as grandes potências de então, com os seus aliados.
Formaram-se os confrontos, com algumas mudanças de campo, entre as chamadas Tríplice Entente (Inglaterra, França e Rússia) e Impérios Centrais (de inicio Tríplice Aliança, Alemanha, Austro-Hungria e Itália, e, posteriormente, aquela saiu do pacto. Depois, reformularam-se alianças, com a Itália ao lado da Entente. O alastramento guerreiro trouxe novas Nações para a liça. Estatísticas aproximadas: 70 milhões de militares (60 milhões europeus). Mais de 9 milhões de mortos. No final, os Estados Unidos entraram na guerra para receber os troféus e arrecadar os juros.
A Rússia czarista entrou em colapso, com a desorganização total da sua economia e do seu Exército.
A Alemanha vai sofrer retrocesso das suas ofensivas em 1918, em parte por causa da contra-ofensiva das potências ocidentais, com apoio de última hora dos EUA, em parte, porque os partidos revolucionários começaram a influenciar o destino e a constituir mesmo governos revolucionários.
A desorganização económica criou um crise de proporções bíblicas em toda a Europa, cujo benefício, curiosamente, foi para a economia norte-americana.
Na realidade, os EUA, oportunisticamente, optaram pela neutralidade, o que lhes permitiu lançar e engrossar a sua produçao industrial e agrícola para os beligerantes europeus e ocupar os mercados exteriores dessas mesmos beligerantes. No final da guerra, forneceram empréstimos e colocaram as suas exportações na Europa.
O que restava do imperialismo alemã optou pelo armísticio e o SDP tomou os destinos do país (Weimar), procurando evitar a Revolução.
A chamada República de Weimar foi um subterfúgio para manter o nome real do novo Estado *Deusches Reich*, exactamente Império Alemão. Essa República, datada de 11 de Agosto de 1919, quando foi aprovada uma Assembleia Constituinte, depois dos altos comandos militares, «Oberste Heeresleitung», forçarem as forças políticas ditas moderadas a formar um governo sob a supremacia do SPD.
Foi a fórmula política configurada com as potências vencedoras para aceitarem a governação de Weimar, curiosamente encimada por um nobre, o principe Maximiliamo de Baden.
O final da I Grande Guerra resulta, na realidade e essencialmente, do pacto firmado entre a Alemanha governada já pelos «socialistas» capitalistas e a nova República Socialista Russa, nascida, oficialmente, da Revolução de Outubro de 1917. A nova República cede terreno, mas mantém intacto o regime.
7 - O que vai mudar na geopolítia, o que cria o entrave, de imediato, na reorganização capitalista que se pretendia serena e cordata entre potências é, justamente, a Revolução Socialista Russa de 1917.
A Revolução Socialista de Outubro de 1917 não nasceu do céu. Ela germinou dentro de uma dupla crise: a interna, com a agonia do sistema czarista, a externa, a crise mundial capitalista agudizada pela guerra.
As potências capitalistas tencionavam através da guerra reformular a geopolítica e a geoeconomia mundial, com a expansão de novos mercados e a conquista de territórios ricos em novas matérias-primas essenciais ao seu desenvolvimento, nomeadamente o petróleo.
No início do século XX, a Rússia czarista era dominada por uma economia feudal e tinha em crescimento ainda incipiente a sua criação industrial - 80 % da economia provinha da agricultura.
A abolição do sistema esclavagista pelo czar Alexandre II, não foi imediata e criou profundas desigualdades no campo, com as alcavalas constantes dos impostos. O regime continuava absolutista, imperialista e repressor.
No entanto, nesse início do século, em alguns eixos dos grandes centros urbanos, nasceram grandes complexos industriais, com uma máquina produtiva muito ténue, que elevaram rapidamente o número de proletários para cerca de quatro milhões. Com salários de escravidão, pobreza extrema. E a questão central é que a industrializaçao estava nas mãos do capital estrangeiro
Em 1905, uma manifestação de protesto, curiosamente, conduzida por um padre ortodoxo, membro da polícia política czarista, caminha pela ruas de S.Petersburgo, simplesmente, para pedir a clemência do imperador. Este manda as tropas disparar sobre os manifestantes, com milhares de vítimas, os marinheiros do potente couraçado Potenkin, também, se amotinam, reprimidos com igualmente ferocidade.
Nasceram, então, praticamente, exponencionalemnete, os sovietes - organizações representativas de trabalhadores, nesta altura ainda sem proporções políticas que vão adquirir em 1917 - sem intervenção do partido bolchevique - o Partido que vai dar o PC Soviético- tiveram alguma influência.
Este soviete de 1905, melhor dizendo o de S.Petersburgo, ainda que tenha procurado gerir a vida política e económica não estava na madurez - nem no apoio social - de uma força política que veio a adquirir em 1917. Era, apenas, a reminiscência, difusa, nesta altura, que existia na consciência social ainda da Comuna de 1871. Acabaram por serem destruídos, esses sovietes, quando o poder czarista conseguiu refazer o seu poder.
As revoluções de 1917 têm no seu bojo uma crise mais profunda e, essencialmente, uma desarticulação quase total do Exército czarista nas frente das batalhas.
As linhas da frente estavam com falta de homens e a mortandade era imensa, não havendo capacidade de recuperação das unidades.
A logística, em armamento, homens e alimentos, não chegava às unidades debilitadas de combate.
As retaguardas tinham as fábricas a trabalhar com salários de miséria, ou mesmo semi-paralisadas, falta de matéria-prima, impostos elevados, recrutamentos constantes e forçados.
As despesas públicas cresciam, havia fome nas cidades e nos campos. Os soldados, a maior parte de origem camponesa, não queriam combater, regressavam à cidade e engrossavam ou apoiavam as greves e manifestações operárias.
É nesta situação em descalabro real do Estado que surgem os sovietes, já como organismos de poder real dos explorados.
Estamos em Fevereiro de 1917. O rastilho é uma greve em Petrogrado, mandada reprimir pelo czar Nicolau II, facto que não é seguida por uma parte significativa das forças militares.
É o começo da desorganização formal do Exército.
Há confusão, com o descontrolo estatal, principalmente da chamada ordem pública.
É então que os sovietes ganham expressão de poder político em contraposição à superstrutura estatal em decomposição.
Passaram de simples comités de greve, que surgem em protestos expontâneos. Nas fábricas e oficinas, os operários debatem a sua jorna de trabalho, fizeram mais- começaram a gerir a sua própria sobrevivência como arranjar comida, organizar o escoamento das mercadorias, o seu transporte, o próprio sistema de recolha de pagamentos. Tiveram de estender as formas de solidariedade entre empresas, incluindo até os movimentos de pessoas de umas terras para outras, a segurança pública, no fundo, a superestrutura de poder. Para tal interligaram os comités urbanos e chegaram à organização rural, assessorada pelos soldados.
É neste período que o Partido Social-Democrata (bolchevique) da Rússia vai ganhar peso, que não o tinha nos princípios de 1917 dentro das estruturas populares, pela sua capacidade de organização e por ser portador de um programa, que coloca no centro das reivindicações os principais o término da guerra e o controlo dos principais meios de produção e distribuição pelo governo saido dos sovietes.
A 27 de Fevereiro, soldados e operários das fábricas invadem o palácio Táuride, onde se reunia uma assembleia chamada Duma, formada à pressa pelas forças czaristas e partidos chamados moderados, que englobavam liberais e mencheviques, uma cisão do Partido Bolchevique.
E de um debate acalorado formaram-se dois governos paralelos, a funcionar no mesmo edifício: um intitulava-se governo provisório. O outro era o Soviete de Petrogrado, formado por trabalhadores, soldados e militantes socialistas de várias correntes.
A 2 de Março, cercado pelos soldados, operários e outros, o czar Nicolau II capitulou e abdicou.
Com a abdicação do czar, instituiu-se um governo provisório, liderado por um príncipe, Lvov, numa coligação com o Partido Constituicional Democrata (Kadets) e com Alexander Kerenski, como ministro da guerra.
A existência de dois poderes paralelos vai pender, nos meses seguintes, para o lado dos sovietes, à medida que eles são, na realidade, uma nova e dinâmica superestrutura e começavam a ter ao seu lado, principalmente, desde Abril, onde se dá uma clarificação política e ideológica, os soldados e marinheiros, e, principalmente, a organização dos soldados e certos oficiais das frentes que querem acabar com a guerra.
Eles, sovietes, tiveram que achar o seu próprio rumo nesse campo e tomar decisões sobre questões políticas.
Quando a greve se alastrou, se estendeu por todo o país, parou toda a indústria e tráfego e paralisou as funções do governo, os sovietes foram confrontados com novos problemas. Eles tiveram que regular a vida pública, tiveram que cuidar da ordem e da segurança públicas, eles tiveram que providenciar os serviços públicos essenciais. Eles tiveram que desempenhar funções de governo; o que eles decidiram era executado pelos trabalhadores, enquanto o governo e a polícia ficavam de lado, conscientes de sua impotência contra as massas rebeldes. Então os delegados de outros grupos, de intelectuais, camponeses, soldados, que vieram para se juntar aos sovietes centrais, tomaram parte nas discussões e decisões.
Quando se interligam e adquiram a moldura de poder piramidal, que vai da fábrica ao local de residência, das cidades às aldeias, a derrota da Duma suspensa e encurralada no palácio de Taúride foi real.
Todavia, os sovietes já eram controlados directamente pelo Partido bolchevique.
É nesta altura que o Partido Social-Democracta bolchevique com Lénin na direcção e hesitações e contra-sensos de uma parte significativa da mesma direcção, incluido Stálin e Troskty, que aderiu, tardiamente, àquele partido, movimenta as massas populares que aderiram às suas teses e programa.
Tomam o poder em Outubro de 1917.
Foi a institucionalização do Sovietes em Congresso em 1917, que, no fundo, vai dar corpo à nova República Socialista.
Este poder, nesta altura, era plenamente democrático.
Originalmente, o seu nome era "Congresso dos Deputados dos Sovietes de Trabalhadores, Soldados e Camponeses". Abreviado depois para "Congresso dos Deputados do Povo."
8- O que se tem de analisar, agora, e debater historicamente é a razão porque uma Revolução Socialista, com um programa de novo poder exterior ao capitalista, assente na busca da melhoria da vida dos explorados, retrocedeu e porque existiu um hiato tão prolongdo que permitiu a expansão a todo o planeta do capitalismo, que, naquele tempo, 1917, era estigmatizado e já considerado como ultrapassado como modo de produção.
A primeira questão que se coloca é se seria possível vingar uma Revolução Socialista a nível mundial naquela época?
Não vale a pena andar à procurar de quem nasceu primeiro.
A realidade. Houve uma Revolução Socialista num dos maiores Estados do Mundo naquela altura.
A tomada do poder pelos sovietes sucedeu num Estado e a situação mundial era de crise capitalista.
O capitalismo não estava derrotado, mas tinha sido profundamente ferido com a guerra e para se recompor, rapidamente, teria de destruir todos os direitos conquistados pelos explorados, impondo a ordem ditatorial, que realmente veio a conseguir na década de 30 do século passado.
A tomada vitoriosa do poder na Rússia pelos sovietes, com um programa socialista, foi possível e essa tomada de poder deu-se na situação concreta que surgiu perante os revolucionários.
O facto histórico e a sua criação original mostrou-nos que havia um novo modelo de produção que podia ser posto em prática.
Mas, nada se faz de um momento para outro.
A questão da sua sobrevivência dependeria em primeiro lugar da sua capacidade para fazer estender tal tipo de poder a novas Nações ou Estados e, noutra fase, fazer pender para o campo do socialismo outros países.
Sem revolucões socialistas nos países capitalistas mais avançados da Europa, em especial, Alemanha, França ou Inglaterra, o cerco imperialista e uma provável recuperação e rejuvenescimento do modo de produção capitalista, no pós guerra, iriam, certamente, estrangular ou procurar estagnar os avanços sociais e de poder que a Revolução Soviética veio trazer.
Estava - e está - em causa um duelo de vida e morte entre dois sistemas políticos e ideológicos.
A novel República soviética teve de enfrentar logo a 8 de Outubro três +frentes+ de luta económica e superestrutural.
A primeira de relançamento da organização económica, a segunda de organização de poder da ordem pública e a terceira a preparação do fim da guerra.
Estas tarefas continham em si contradições, não só dentro do novo próprio partido (e das suas possíveis alianças), como internas dos derrotados internos ligados ao antigo poder czarista e aos seus novos aliados ditos moderados, que, aparentemente, apoiaram a Revolução de Fevereiro, e agora combatiam a revolução de Outubro.
E, acima de tudo, das potências externas que procuraram qualquer tentativa para formar e apoiar um novo tipo de Exército pós-cazarista que fosse braço armado da contra-revolução (dos antigos regimentos czaristas e das potências capitalistas que as iriam apoiar e estimular).
Foi a partir dos sovietes que nasceu o primero governo formado por bolcheviques e socialistas revolucionários, com um programa de cariz socialista, em que os seus militantes, simpatizantes ou simples apoiantes operários tiveram de gerir as fábricas e empresas, arranjaram matéria-prima e organizaram a distribuição em pequena e grande escala, tiveram de gerir os seus salários e organizar as suas estruturas sociais e sanitárias. Fizeram, inclusive, de agentes prático do deve e haver governamental, ou seja pagamentos aos camponeses e aos operários e restante administração pública.
A fase decisiva seguinte era a ordem pública e a organização de defesa pública do novo poder.
Tudo isso foi conseguido, a pulso, a partir do sistema de vigilancia dos bairros, estradas, centros rurais e fábricas, e, principlmente de uma milícia armada capaz de enfrentar os insurgentes provenientes dos velhos regimentos czaristas e da intervenção militar estrangeira.
A terceira e mais importante estava ligada ao término da guerra. E essa era a condição principal da adesão ou pelo menos tolerância do jovem soldado camponês ao regime.
Foi conseguido um armísticio guerreiro com a Alemanha, muito custoso para a nova República, mas que a salvou naquele momento. Ficou conhecido pelo Tratado de Brest-Litovski (ou de Brest-Litovsk). Assinaram, além da República soviética, as Potências Centrais (Império Alemão, Império Austro-Húngaro, Bulgária e Império Otomano) em 3 de março de 1918, em Brest (antigamente Brest-Litovski), na actual Bielorrússia, pelo qual era reconhecida a saída do Império Russo da Primeira Guerra Mundial.
Os termos do Tratado foram considerados na altura pelo próprio líder da Revolução, Lénin, como humilhantes. O novo poder perdeu o controlo político e territorial da Finlândia, Países Bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia), Polónia, Bielorrússia e Ucrânia, bem como dos distritos turcos de Ardaham e Kars, e do distrito georgiano de Batumi. Tudo isto fazia parte do antigo império czarista. Foi o resultado prático de reconhecimento de uma derrota do império czarista, mas que salvou, com a perda momentânea de territórios, pela existência prática do novo regime.
A questão contudo era populacional e económica para um poder que se queria novo: Estes territórios comportavam um terço da população da Rússia, 50% de sua indústria e 90% de suas minas de carvão.
Uma parte desses terrritório estiveram pouco tempo nas mãos dos alemães vitoriosos. Com o armistício, alguns tornaram-se independentes - Finlândia, Estônia, Letônia Lituânia e Polónia.
Na prática, uma independência tutelada. A Bielorrússia e a Ucrânia envolveram-se na guerra civil contra os bolcheviques e com a vitória daqueles em 1921, regressaram à República soviética.
Um das acções que inicialmente trouxe para o lado da revolução as populações dos territórios não russos do império czarista foi um decreto do governo provisório que estipulava a liberdade de autodeterminação de todos os povos que viveram sob o domínio do czarismo.
É a partir dele que nasce, em 1922, a União da República Socialistas Soviéticas.
A nacionalização do sistema bancário e o controlo estatal dos investimentos estrangeiros deram um ánimo revolucionário ao sistema de controlo produtitivo, mas a socialização da terra esbarrou-se com a realidade da situação interna - uma parte substancial da posse dos novos terrenos agrícolas estavam nas mãos dos camponeses.
Aqui começam, a nível interno, as primeiras *retificações* teóricas do programa do partido bolchevique: a terra não socializada é entregue, em parte, os seus antigos proprietários, que ainda que sendo pequenos agricultores, se tornam proprietários dos meios de produção.
E é o próprio Lénine a justificar que o regime saído de Outubro de 1917 não é um regime socialista, mas de Capitalismo de Estado.
Este tipo de regime, que se admitia apenas,
como transitório, no seu início, face às dificuldades do seu nascimento, e do atraso económico onde estava inserido, a continuar, todavia, se não houvesse uma extensão da mudança de modelo económico nos países mais avançados da Europa, ou seja revoluções socialistas que obrigassem a uma reformulação de toda a estrutura produtiva numa nova superestrutura política, esta, nova, então referência revolucionária em todo o mundo, acabaria por enquistar-se e tornar-se um centro de uma contra-revolução.
Claro que toda esta mudança geopolítica só vingaria numa nova situação política e numa outra disposição dos sectores mais avançados das classes trabalhadoras, que mais adiante abordaremos.
(O capitalismo de Estado formado inicialmente na Rússia soviética esteve centrado na ideia de que para manter o aparelho de estado a funcionar era necessário haver uma certa diferenciação social entre os técnicos normalmente recrutados entre funcionários do antigo regime e o operário vulgar - o projecto inicial era o de igualizar esse salário.
Assim, embora houvesse, na realidade, uma exploração no seio dos trabalhadores, o Estado como *controleiro* impedia a apropriação privada em larga escala, já que era ele o monopolista dos meios de produção e distribuição e evitaria, na teoria, a acumulaçao de Capital por uma casta de privilegiados.
O facto é que este capitalismo de Estado nunca foi passageiro, nem regrediu, tomou, na realidade, todo o controlo económico da URSS até ao seu fim).
Vladimir Lénin tem perfeita noção da distorção que o regime soviético estava a sofrer como Estado isolado de fraco desenvolvimento industrial.
Ele detectava, já antes, mesmo antes de Outubro, sem veleidades, que "a cultura capitalista da grande indústria" teria elevado as tarefas de construcção do novo Estado a uma simplificação tremenda, o que pressupunha o efeito de poder aplicar de imediato um programa socialista.
Isto afirmava-o ele em Agosto de 1917, ou seja meses antes da tomada do poder pelos bolcheviques.
No «Esboço do Programa do Partido», que foi levado ao seu VIII Congresso, Março de 1919, Lénin criticava, ferozmente, mas já sem eficácia, o avanço da *burocracia* partidária.
"A burocracia está tentando retomar algumas de suas posições e está tirando vantagem, por um lado, do nível cultural insatisfatório da massa do povo e, por outro lado, do esforçado e quase sobre-humano esforço de guerra do setor mais desenvolvido dos operários urbanos. A continuação da luta contra a burocracia, assim, é absolutamente necessária, é imperativa a fim de assegurar o sucesso futuro do desenvolvimento socialista".
9 - Da derrota da Comuna de Paris, em 1871, até à conquista do poder pelo partido Comunista (bolchevique) da Rússia, verdadeiramente, em 1921, com o fim da guerra civil na nova URSSS as condições sociais de existência tinham-se modificado.
Em 1871, segundo K.Marx, o proletariado de Paris, isolado, procurou um «assalto ao céu», em 1917, era já um povo inteiro, com uma unificação territorial avançava para a ascensão socialista ao poder.
Com a Comuna, as condições objectivas revolucionárias de Paris, não se estendiam ao resto do país, nem os países que rodeavam França se encontravam em fase pré-volucionária e muito mesmo revolucionária.
Pelo contrário, era visivel que a burguesia industrial estava em ascensão e o capitalismo, como novo modelo económico face ao feudalismo, representava uma fase de progresso na sociedade, fazendo aparecer e crescer uma nova classe que pretendia reorganizar a vida societária, libertando-a da exploração, os proletários.
Esta «transição» trouxe um fase de aprofundamento de conflitos já que certos centros industriais enquadravam milhares e milhares de operários, que não tinham pejo em enfrentar, mesmo com violência, a exploração patronal da burguesia industrial que se estava a instalar e a ganhar poder político.
A I Grande Guerra surge, precisamente, nesse contexto de crescimento e confronto classista da burguesia pela conquista de novos mercados e da necessidade de novos territórios beneficiários de matéria-prima, essencial para o incremento da produção capitalista.
O líder soviético, Lénin, confrontado com a guerra civil interna, a desvastação produtiva provocada, por um lado, pela participação czarista na I Grande Guerra, por outro a sabotagem objectiva dos antigos senhores e representantes do antigo regime, mas, essencialmente, por o seu país ser, do ponto de vista da produção - da nova produção capitalista - estar em inferioridade de implantação do novo modelo industrial que grassava já com força na Europa anglo-saxónia e se começava a expandir do outro lado do Atlântico, na América do Norte, teve a percepção de procurar, sem demora, aliados.
Aliados estes que para serem eficazes e capazes de conterem a contenda com as potências ocidentais ganhadoras da guerra, que procuravam desejavam fazer a construcção firme do sistema capitalista nos seus Estados, teriam de fazer parte do campo da Revolução, se posssível com a tomada do poder na Alemanha e desorganizar a reconstrução capitalista de França.
Foi com esse objectivo que Lénin e a direcção do Partido bolchevique lançaram a ideia de criar a III Internacional Comunista. O primeiro Congresso iniciou-se a 2 de Março de 1919. A presença soviética é avassaladora e centra o seu objectivo na defesa da URSS, como república socialista, tendo ficado para segundo plano a definição prática de um novo tipo de poder saído de uma tal revolução. E, principalmente, as definições das alianças. Os países ocidentais europeus mais industrializados, bem como a América, tinham em grande medida ultrapassado a questão agrária.
A saudação de abertura de Vladimir Lénine é um exemplo em como a URSS socialista estava isolada ao apoiar o seu discurso num contra-senso: «O sistema soviético venceu no solo da atrasada Rússia, senão na Alemanha, o país mais desenvolvido na Europa, assim como na Inglaterra, o país capitalista mais velho».
A realidade é que a revolução spartaquista alemã (1918/19) tinha sido derrotada e na Inglaterra não havia qualquer sintoma de uma coordenada movimentação operária revolucionária. Em 1919, tinha sido destruída a Revolução Soviética Húngara.
O que vai permitir uma *continuidade de legitimidade* à Revolução Soviética é facto de no interior do capitalismo mais avançado e entronizado na Europa e nos EUA se degladiarem facções para impulsionar o sistema político na introdução de soluções ditatoriais na gestão económica do país: desde a Alemanha aos Estados Unidos, passando pela França e Inglaterra (neste último, o rei Eduardo VIII era pró-nazi, a razão principal da sua abdicação).
E nesse avanço pelo terreno fascista do capitalismo ocidental em ascensão estava, precisamente, a luta contra o capitalismo de Estado soviético, que nascera da própria Revolução Socialista. Esta era, pois, para os povos mais avançados e conscientes o alvo que o revanchismo capitalista liberal necessitava de abater, e, em último caso, destroçar o novo modelo de poder político que abria caminho à luta contra a exploração e a opressão.
No programa inicial da Revolução Soviética, que lançou uma nova perspectiva de governação mundial entre os sectores mais avançados das classes trabalhadoras, estavam consignas, que permaneceram e permanecem, como programas políticos, como a jornada de 48 horas, as melhorias das condições de trabalho, as reivindicações de trabalho igual, salário igual, tratamento igual para os trabalhadores, indedependente dos sexos, contra o trabalho infantil, eleições de conselhos ou comissões de trabalhadores, controlo operário, entre outros.
Elementos possíveis de modificações radicais na forma de exercer o poder de base, desde os conselhos operários, as eleições em toda a superestrutura, uma nova relação de defesa nacional apostada na milícia permanente.
Todavia, internamente, a Revolução dos Sovietes de 1917, estava já em 1918, apesar de conseguir conter a ofensiva militar exterior do capitalismo ocidental, a definhar.
Mas, no interior da própria URSS, esta estagnação do progresso revolucionário começava a ser visível e os diferentes grupos organizados em torno dos principais dirigentes degladiavam-se e não conseguiam ultrapassar os problemas de fundo da Revolução: o impulso rápido para a industrialização e a satisfação das necessidades alimentares básicas dos proletários que procuravam relançar a produção e enquadrar as milícias vermelhas.
Vladimir Lénine, doente, procurava relançar a produção agrícola para obstar à dificuldades de abastecimento, com a introdução de medidas de troca capitalista no campo, a chamada NEP.
Aparentemente, com controlo férreo estatal.
Sem grande sucesso.
Historicamente, o que interessa nos dias de hoje, é saber porque no interior de uma poderosa revolução, que tinha a aceitação tácita ou militante de milhões de proletários, não só na URSS nascente, mas em todo o mundo, se iniciava um processo contra-revolucionário, e que essa contra-revolução era mascarada por programas e práxis políticos ditos socialistas, mas que já não tinham a ver com o poder de base dos sovietes, mas de uma superestrutural estatal perfeitamente burocratizada e autista, sustentada por um núcleo de antigos combatentes e esforçados líderes, que agiam, ainda, sob *estruturas de base* robustas, mas ainda incipientes.
No entanto, já estruturadas na realidade com todos os tiques de ditadura.
Na realidade, como se montava o poder soviético? O Comité Central Executivo Pan Russo dos Sovietes, que, teoricamente, era o órgão supremo desse poder, sustentado, no início, nos sovietes, não teve uma única reunião entre 14 de Julho de 1918 e 1 de Fevereiro de 1920.
10 - Significa isto que na prática todos os decretos, decisões, ou o funcionamento das ligações entre o governo central e as Repúblicas Federadas, foram adoptados, decididos e discutidoo no comité central do Partido, ou para ser mais preciso na sua comissão política. Logo, colocando de lado a organização dos sovietes.
Em 1923, no seu último artigo escrito em vida com o título «É melhor poucos, mas bons», Lénine admite que o Estado soviétivo estava marcado pela «ineficácia», pela «inutilidade» e, mesmo, se estava a tornar «nocivo». E reconhecia: «há burocratas não somente nas instituições dos sovietes, mas também nas do partido».
Um ano antes, o líder sustentava que o pior inimigo interno da revolução era «o burocrata: o comunista que se encontra numa posição responsável no sistema soviético (ou irresponsável) e que goza de respeito geral como um homem consencioso».
Na realidade, o PCUS e os sovietes eram dirigidos por intelectuais, que nada tinham com a actividade operária (Lénine, Sverdlov, Stáline, Rykov, Molotov, Kamenev, Zinoviev, Trotski, Bukarin, Muralov, entre outros).
A direcção efectiva era constituída por Lenin, Leon Trotski, Lev Kamenev, Iosif Stáline e Nikolai Krestinski, tendo Nikolai Bukharine, Grigori Zinoviev e Mikhail Kalinine.
Siga-se a evolução estatística do crescimento do PCUS. Isto segundo dados aproximados retirados de diferentes fontes, incluindo do próprio partido.
Assim, em Janeiro de 1917, o velho Partido Bolchevique teria cerca de 25 mil membros, que cresceriam para a ordem dos 200 mil em 1918.
Em 1923, esse número teria subido para uma valor de cerca de 386 mil militantes. Valor este que ascendeu para os 730 mil em 1924, no ano da morte de Lénine. Ou seja, apenas mais ou menos de 3 por cento dos militantes de 1924 pertenciam ao velho PC bolchevique.
Segundo os diferentes registos consultados, entre aquelas duas datas, o número de militantes que se diziam operários aumentara significaticamente: um número da ordem dos 200 a 250 mil. Igualmente, os filiados camponeses eram em número elevado.
Formalmente, o partido bolchevique proletarizara-se. Apenas, formalmente.
Por volta de 1920, no entanto, apenas 11 por cento dos operários militantes exerciam a sua profissão na empresa, mais de 60 % estavam integrados na estrutura do novo Estado ou eram funcionários do PCUS.
Vladimir Lénine tem a noção esclarecida que o retrocesso revolucionário era real. Em Março de 1922, escrevia a Molotov: "Se não fecharmos os olhos à realidade, devemos admitir que actualmente a política proletária do partido não é determinada pelo carácter dos seus membros, mas pelo prestígio enorme e indivisível de que goza o pequeno grupo que pode ser chamado de Velha Guarda. Um pequeno conflito no interior desse grupo será suficiente, pelo menos para não para destruir esse prestígio, mas provocará, pelo menos, o enfraquecimento do grupo a tal ponto que lhe tirará o poder de impor sua política". In «Condições para a Admissão de Novos Membros no Partido», carta a Molotov, Obras Completas.
Não eram, portanto, os proletários que dirigiam e influenciavam a actividade prática e ideológica do PCUS.
Lénine sabia o que dizia, ele próprio o deixa escrito - o Partido bolchevique está nas mãos de funcionários burocratas - a maioria nem sequer membros partidários eram: nos finais de 1920, já haveriam mais de cinco milhões em todos os escalões do Estado.
11 - Surge então a questão como se pode ter mantido ao longo destes 100 anos, a ideia de que existiu uma Revolução Comunista na Rússia e que se manteve até 1991?
As mudanças sociais que se deram na sociedade russa em Fevereiro e Outubro de 1917 foram obra de revoluções.
As revoluções produziram mudanças reais na dominação de classes que geriam o Estado russo.
A revolução de Fevereiro, que mereceu o apoio da nova burguesia ascendente, dos mencheviques e bolcheviques, teve um forte impacto e apoio popular.
A mudança de Estado passou da monarquia absolutista para um regime de parlamentarismo burguês, sustentado numa facção +moderada+ do velho regime czarista, cujo chefe de governo era o principe Georgy Yevgenyevich Lvov, que já fora ministro durante a I Duma no tempo do czar Nicolau II em 1905, como membro do autorizado pelo regime do czar, o Partido Democrático Constitucional, tendo como ministro da Guerra Alexander Kerensky, próximo dos mencheviques.
Os bolcheviques não entraram nesse governo e sustentaram um novo poder assente na organização dos sovietes. No fundo, havia uma dualidade de poder. O que era um facto novo na história das revoluções.
Na realidade, o poder parlamentar apenas se formara no rescaldo da queda do czarismo, com algum apoio popular principalmente dos soldados-camponeses, mas procurava estabelecer-se como minoria estatal que desse corpo ao novo poder burguês, principalmente porque decidiu continuar a guerra e não adquiriu capacidade governativa para gerir a produção industrial.
Ou seja, não teve força política para levar o incremento industrial já constituído nos anos finais do czarismo para a forma que pudesse enquadrar um sistema estatal adaptado às novas condições.
A maioria popular que deu apoio à Revolução de Fevereiro não cooperou, nem se deixou entusiasmar com a constituição da nova forma parlamentar, a Duma.
Na realidade, os sovietes, que no início não tinham na sua direcção membros destacados do Partido Social Democrata bolchevique russo vieram, paulatinamente, a ocupar posições prepoderantes de direcção no esfrangalhado sistema estatal saído do czarismo.
As revoluções anteriores, quer as de Paris de 1848, quer as da Comuna de 1871, ensinaram, pelas suas derrotas, aos partidos revolucionários, a importância da conquista do movimento revolucionário, assente num programa de radical de mudança societária.
Ou seja, a aprendizagem de 1848 e da Comuna em 1871 dera indicações que as classes operárias, apesar de terem a grande percepção de que estavam a influir nos movimentos que lançaram aquelas revoluções, não conseguiram então uma influência decisiva na consolidação dessas vitórias em territórios extensos.
Normalmente, havia divisões pouco depois desses movimentos revolucionários e as classes dominantes voltavam a ocupar o poder, claro que noutras condições.
Todavia, algo de novo apareceu no panorama político das revoluções com a Comuna. Embora o resto do país não estivesse com o operariado rebelde de Paris, na capital francesa, quando a revolução tomou o poder, todas as classes exploradas ali existentes se uniram aos proletários que lançarem os alicerces de uma República Socialista.
Facto este que teve reflexos na Revolução Russa de 1917.
Quando os bolcheviques avançam em Outubro de 1917 para a tomada do poder, com um programa socialista, por detrás da sua capacidade de mobilização e estruturação militar para derrotar os partidários da Duma, estava, em grande medida, sob a euforia da realização dessa República Socialista, não numa cidade, como Petrogrado, mas em toda a antiga Rússia czarista.
Nessa data e naquelas condições, a posssibilidade de tal transformação revolucionária seria possível e teria de ser encarada, a questão que se coloca hoje - e que o próprio Lénine abordou, sem aprofundar - é que uma revolução de tal envergadura não poderia suceder num só país que não estava a uma graduação de incremento económico que tivesse capacidade de eliminar no imediato a produção capitalista.
A crise económica e política que se iniciara antes da I Grande Guerra e que o capitalismo em crescimento pensava resolver no rescaldo daquela com um salto em larga escala nos anos subsequentes revelou-se mais profunda e de difícil resolução e enquadramento para esse mesmo sistema.
E, em certo sentido foi o que permitiu a continuação de uma áurea de revolução socialista na URSS, apesar de se encontrar em meados dos anos 20 já em processo avançado de contra-revolução.
Mas esta contra-revolução era feita sob a forma de capitalismo de Estado, com uma industrialização forçada e uma reforma agrária «feita por cima» que levou a modificações de um certo nível de vidas populações, com mais emprego, mais apoios sociais, mais educação.
Cujo processo de acumulação capitalista no interior da União Soviética se fazia sob a tutela do Estado, com uma distribuição de riqueza entre a minoria dirigente, que não apresentava os resultados visíveis e escandalosos da usura que se espalhava pelo chamdo Ocidente democrático.
No entanto, a dinâmica da evolução da sociedade não só na Europa, mas na América, do Norte e do Sul, e mesmo, ainda que incipientemente em certos países do Extremo Oriente, como o Japão, apontava para uma realidade que somente adquiriu uma pujança extraordinária no pós II Grande Guerra: o avanço constante e avassalador do capitalismo chamado de liberal no Mundo, mesmo quando se registaram Revoluções anti-imperialistas, com uma fachada socialista na China, em Cuba, no Vietname, no Laos, Cambodja e nacionalistas anti-coloniais na Índia, Paquistão, Indonésia e em grande parte da África.
O que vai permitir que o «espectro» do caminho socialista persista na URSS nos anos 20 e 30, e, de maneira evidente, nos 40 do século passado é, justamente, o facto de o confronto entre o capitalismo galopante ocidental, cada vez mais repressivo e triturador dos direitos dos trabalhadores, através da sua implantação como Estados nazi-fascistas, e o capitalismo de Estado soviético, cada vez mais contra-revolucionário no seu interior, mas obscurecido perante os operário no exterior, ser feito sobre a propaganda política organizada e sistemática de destruir «o terror comunista».
Ou seja, desfazer uma revolução, na visão dos elementos mais militantes e conscientes dos países capitalistas ocidentais.
Porque não havia um programa político revolucionário de um partido com credibilidade ideológica, sob o pensamento real de Karl Marx e Frederio Engels, que conseguisse denunciar, com clareza materialista, a contra-revolução que se implantava na URSS.
Nem nas sociedades capitalistas mais avançadas se registava um renascimento revolucionário socialista alternativo ao programa da URSS.
O que se tornou evidente é que, nessa altura, fim da I Grande Guerra, o nível do incremento económico não estava em condições objectivas e subjectivas de fazer desaparecer a produção capitalista. E mais evidente se tornou quando a própria Revolução Russa avançou, com ferocidade, para a implantação, rápida e em todo o país, do capitalismo de Estado.
Essa evidência estava, precisamente, estampada na orientação estratégica da classe dirigente que se reorganizava após a morte de Vladimir Lénine, embora ele próprio já admitisse que a revolução russa teria de se impor por ela própria, com o programa de construção do "socialismo num só país".
Toda esta orientação enquadrava depois uma base ideológica assente na teoria do «marxismo-leninismo», como pensamento inovador dos escritos de Marx e Engels, numa política prática que ficou conhecida como a «aliança operário-camponesa».
Toda esta miscelânea ideológica-política-prática foi alargada a toda a III Internacional, que determinou que a forma de governo socialista se enquadraria no que foi instituido no pós II Grande Guerra nos modelos de «democracias populares».
A contra-revolução na Rússia Soviética não se fez de repente, nem teve, no seu início, os contornos das velhas revoluções que percorreram o continente europeu nos séculos XVIII e XIX. Foi realizada por alguns dos principais dirigentes que construíram a inicial URSS. Sempre com a utilização dos slogans e palavras de ordem gerais que surgiram em 1917.
Além do mais, passando o período crítico da guerra civil, o certo é que o desenvolvimento económico e social foi visível em todo o país.
Quando nos anos 30 do século XX, aparecem
críticas de dirigentes em certos partidos comunistas ocidentais sobre a evolução da Revolução Russa - e inclusive na própria URSS, com a própria mulher de Lénine, Nadežda Krupskaja, que fica praticamente sob prisão até 1936, ano da sua morte, após a sua denúncia da situação do país - não houve tempo, nem serenidade, face às épocas conturbadas que antecederam a II Grande Guerra, para um debate ideológico eficaz, tendo como baliza a crítica que Marx e Engels fizeram aos acontecimentos na Rússia pré-revolucionária.
Tem de se reconhecer que as análises que se fizeram nas décadas a seguir a Outubro de 1917 e as perspectivas que se apontavam para a possibilidade, em tempo imediato, não correspondiam à realidade.
Houve ilusões e conclusões precipitadas sobre a ruptura total com o sistema capitalista na altura.
Ilusões estas que, aliás, ja vinham de trás.
A obsessão de que surgiria, em breve, uma nova fase revolucionária, não estava em sintonia com as condições objectivas que o capitalismo conseguiu redobrar.
Na realidade, durante este século, no meio das tentativas de avançar, aqui e ali, para novas formas de poder político, o certo é que a sociedade universal passava por uma fase de estagnação revolucionária e de consolidação e alargamento do sistema capitalista, praticamente, a todo o planeta.
Paralelamente e em conjunto com o próprio capitalismo de Estado.
Por muito importante que tenha sido a Revolução Soviética de 1917, o certo é que, assim o penso, atravessamos na realidade um enorme período histórico, digamos, com clareza, pré-revolucionário.
Hoje, estamos numa época de profunda crise económica, social e política e mesmo ideológica que poderá abrir as portas a novas convulsões revolucionárias de grande envergadura.
Os revolucionários, aqueles que analisam com olhos de hoje o legado da crítica ao capitalismo de Karl Marx e Frederico Engels - e estes têm o seu pensamento enquadrado na época onde viveram, houve, portanto, mudanças sociais enormes - tem de se ater ao seu principal legado: a de que é possivel transformar, revolucionariamente, todas as condições econonómicas, políticas e sociais para levar o homem a deixar de ser um escravo de uma minoria.
Ora, isto exige uma crítica de fundo à teoria marxista-leninista e um reenquadramento radical de todos os conceitos programáticos.
Com o alargamento do capitalismo a todo o mundo, tem de olhar também para um programa revolucionário mundial.
Porque, quer queiramos, quer não, novas revoluções vão rebentar. A evolução humana por uma vida melhor não para.