domingo, 22 de maio de 2016

BRASIL, ALÉM DO GOLPE -QUEM PERMITIU O AFASTAMENTO DE DILMA ROUSSEF?

1 – A Presidente eleita do Brasil, Dilma Roussef, foi afastada, temporariamente, do cargo que ocupa, através de um acto de destituição empreendido pelo Presidente da Câmara dos Deputados do país, entretanto afastado, Eduardo Cunha.

Roussef foi suspensa com a alegação de ter praticado «um crime de responsabilidade» na gestão do Orçamento de Estado, ou seja, concretamente, na aplicação administrativa das verbas públicas.

A acção, que começou na Câmara dos Deputados, foi levada em seguida para o Senado, o órgão eleito com capacidade jurídico-política para decidir sobre a destituição, primeiro temporária, depois definitiva. 

Entre a suspensão temporária e a eventual definitiva passam seis meses, sendo que nesse período o vice-Presidente exerce o cargo de Chefe de Estado, com um governo interino.

Então o que permitiu, em poucos meses, após a reeleição de Dilma Roussef, com amplo apoio popular, ser afastada pelos próprios órgãos parlamentares, sendo que a maioria a apoiava?

O Partido dos Trabalhadores (PT), sob cuja sigla foram eleitos Lula da Silva e Dilma Roussef,  surgiu no rescaldo da ditadura militar que governou o Brasil desde 1964. Foi fundado em 1980 e legalizado em 1982.


O PT agrupou, no seu início, uma base sindical operária aguerrida, que se formou nas grandes greves dos centros industriais a partir dos anos da década de 70 do século passado, entre os quais o próprio Lula da Silva, e, activistas ligados aos grupos de guerrilha urbana, ex-presos políticos e exilados, entre os quais Dilma Roussef, José Dirceu e José Genoino, bem como «católicos progressistas» provenientes da Teologia da Libertação e ainda intelectuais e artistas de renome no país.

O desbravar do movimento sindical classista durante a ditadura militar teve no seu bojo e cresceu como crítica prática ao sindicalismo reformista praticado pelos partidos comunistas existentes, o PCB (Partido Comunista Brasileiro) e o PC do B (Partido Comunista do Brasil), um de orientação pró-soviética, outro pró-maoista, levando à formação de uma nova central sindical, a CUT, despejada dos vícios do +entrismo+ nos sindicatos oficiais.

O nascimento do PT também se alimentou da crítica ao que classificou ser o reformismo dos velhos partidos, provindos das orientações da III Internacional, os mesmo PCB e PC do B.

Todavia, o seu programa ficou restringido a uma moldagem de *esquerda* dentro do novo regime parlamentar saído dos escombros da ditadura militar.

O PT assume-se como adepto do chamado +socialismo democrático+. Dentro da democracia.

2 – Foi com a governação do PT que se abriu caminho a alguns benefícios que favoreceram os sectores populares e as classes trabalhadoras, desde a instituição de um salário mínimo, desde a energia (Luz para Todos),  habitação social (Minha Casa, Minha Vida), cultura, ambiente, saúde, entre outros sectores.

Mas, enquanto se distribuíam umas +migalhas+ pelos mais pobres, os governos petistas entregaram, no entanto, a gestão financeira do Estado aos representantes do grande capital financeiro, que iam ocupando, paulatinamente, os bancos públicos, incluindo o Banco Central, bem como os ministérios das Finanças, Economia e Planeamento.

Pensavam que esta *cedência* apaziguasse os apetites das classes capitalistas.

Lula da Silva, como Presidente, escolheu Henriques Meyrelles, hoje Ministro das Finanças de Marcelo Temer, como Presidente do Banco Central do Brasil. 

Este, como banqueiro nas administrações de bancos nos EUA, durante 20 anos, assumiu inclusive a Presidência do Conselho de Administração do potentado Global Banking do FleetBoston Financial. (Meyrelles é, ainda, hoje presidente do Conselho de Administração da J&F, dona do Banco Original, JBS, Vigor, entre outras empresas. É também membro do Conselho de Administração da Azul Linhas Aéreas).

Lula da Silva e Dilma fizeram ascender a cargos de ministros com a responsabilidade da economia homens ligados ao sistema financeiro, como Guido Mantega (ministro da da Fazenda, Finanças, em Portugal, ministro do Planeamento, Orçamento e Gestão do Governo), Joaquim Levy (Ministro das Finanças, que esteve no FMI, Banco Interamericano de Desenvolvimento e BRADESCO) e Nelson Barbosa, também nas Finanças que sempre conviveu com os bancos (Banco do Brasil 2009-2013 e Membro do Conselho de Administração da Vale S.A. 2011-13). E ainda passou pelo Banco Central do Brasil (1994-97) e Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social.

Ou seja, eram, realmente, representantes da grande burguesia financeira que dirigiam a administração do Estado, que, além do mais controlavam, e controlam, a opinião pública, através dos grandes meios de comunicação social, e determinam a estratégia do poder judicial.

Contou essa grande burguesia, na sua ânsia de enriquecimento, com uma chusma de dirigentes do próprio PT, alguns com passado de resistência à ditadura, mas que se prostituíram e participaram nas mais repugnantes fraudes, acompanhando o poder bancário num roubo descarado da riqueza do Estado, entrando, deste modo, no círculo dos crápulas e dos mafiosos que começaram a inundar todas as esferas do governo, do parlamento e do poder judicial.

3 – O ascenso ao poder político no Brasil de um partido com uma base operária e aureolado por um estatuto de progresso democrático revolucionário não desbravou caminho para uma mudança radical do regime político.

Nem trouxe conquistas reais para a emancipação das classes trabalhadoras.

A mudança política dentro do regime brasileiro com a subida do PT ao poder há 12 anos não conduziu, portanto, a um avanço revolucionário.



Pelo contrário, a submissão ao grande capital que a aquele partido permitiu, levou a que se formasse dentro mesmo do governo, e, essencialmente, nos organismos parlamentares (Câmara dos Deputados e Senado) uma forte corrente de cariz contra-revolucionária, abençoada pelo capital financeiro, em particular o de Wall Street.

O retrocesso político no Brasil, mas não só, igualmente noutros países, como a Venezuela, foi aprofundado, precisamente, devido à recessão económica mundial, que alastra desde 2007/2008.

Ora, esta recessão foi, justamente, provocada pela grande burguesia financeira internacional, que, no entanto, não teve uma resposta classista revolucionária que a responsabilizasse e pusesse em causa o seu domínio sobre a sociedade.

Todo o amortecimento da revolta foi conseguido pela existência no poder de partidos que se intitulavam de esquerda, como o PS francês, o Partido Democrático italiano, o PSOE espanhol, o PS português, o chavismo na Venezuela, ou o petismo no Brasil.

A continuidade sob umas «cores de esquerda».

Esta é a realidade: sem uma perspectiva de uma mudança revolucionária, sem a existência de um partido com esse programa, as classes trabalhadoras aceitam entregar o poder a quem lhes aparenta uma representação de mudança.

Desde os começos deste século, sabendo-se vulnerável, essa grande burguesia financeira fez-se governar sob uma perspectiva +vermelha+, apoiou, tacitamente, a chegada ao poder desses partidos ditos de esquerda.

Constatou, desse modo, que a governação capitalista poderia prosseguir, sem que os de baixo entrassem na via revolucionária.

4 – A fase actual da evolução do poder a nível mundial passa por um período de avanço conservador contra-revolucionário, e, a grande burguesia financeira, acossada por uma crise profundíssima que coloca em causa a própria existência do regime capitalista, procura, desesperadamente, sobreviver exercendo o poder por métodos nazi-fascistas.

Os movimentos populares, que se levantam desde a  França até ao Brasil, contra a subversão reaccionária, são indícios de que os retrocessos conduzidos pelos partidos ditos de esquerda, que defendiam uma mudança radical dentro do actual sistema político, não abrandaram a chama de uma ruptura radical com o capitalismo.

A capacidade de influir nesse movimento para uma etapa mais avançada depende da capacidade dos seus líderes de se libertarem da influência programática dominante de que é possível derrotar o capitalismo dentro da democracia.

A constituição de um partido revolucionário, principalmente, a nível europeu, pode ser o caminho mais consistente para recuperar e levar as energias existentes entre as classes populares, para ultrapassar o rasto de derrotas sucessivas no seu seio desde o século XIX.


quarta-feira, 11 de maio de 2016

O PODER MILITAR DE WASHINGTON ESTÁ A SER POSTO EM CAUSA

1 – Um frenesim de exercícios militares junto das fronteiras da Rússia e das águas territoriais da China, supervisionados pelos Estados Unidos da América, tem sido mostrado ao Mundo desde meados o ano passado.

Ao mesmo tempo, impulsionaram-se, na América do Sul, movimentos que destabilizaram alguns dos principais governos de países (Brasil, Argentina e Venezuela) que, de uma maneira ou de outra, estavam a tentar fortalecer, entre si, uma parceria de comércio livre dentro das fronteiras do espaço geopolítico daquela região do Globo.

Claro que, à superfície, esses movimentos continham, em grande parte, indícios de descontentamento popular e enquadravam, tanto na Venezuela, como na Argentina, actos eleitorais legais. A questão foi (e é) que o movimento político está centrado no exterior.

Paralelamente, surge um movimento diplomático vincadamente *imperialista* do Presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, pressionando as assinaturas de *Parcerias/Tratados de Comércio e Investimento*, sob a liderança de Washington.

Essa mensagem está abertamente divulgada por Obama, num artigo que, recentemente, publicou no jornal *Washington Post*, onde ele sustenta, a propósito desses Tratados: «A América deve impôr as normas. A América deve decidir. Os outros países devem agir segundo as regras estabelecidas pela América e os seus aliados, e não ao contrário».

Mas, o porquê desse frenesim militar, dessa ameaçadora mensagem imperialista?

2 – A realização, a 9 de Julho de 2015, em Ufá, Rússia, da VII Cimeira dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), onde aqueles dirigentes deram um impulso institucional com a criação de um *Novo Banco de Desenvolvimento e do Arranjo de Reservas*, para «apoio financeiro recíproco, como um passo importante na cooperação financeira de nossos países», em concorrência directa com o FMI e o Banco Mundial.


E, principalmente, porque aqueles dirigentes deram luz verde para a utilização bilateral das suas moedas nacionais, em detrimento do padrão internacional dólar, no mercado das transações de matérias-primas.

A essa reunião dos BRICS seguiu-se uma cimeira de Chefes de Estado e de Governo dos países da União Económica Eurasiática e da Organização para Cooperação de Xangai (OCX), bem como os Chefes de Estados observadores da OCX.

Esta reunião, que enquadrava desde 2005, a China, Cazaquistão, Rússia, Tadjiquistão e Uzbequistão, decidiu alargar o grupo à Índia e ao Paquistão. E tem como observadores, entre outros, o Irão e a Bielorrússia.

Ou seja, o lançamento de uma estrutura de controlo económico e militar, fora da influência norte-americana, em toda uma região, que contem as maiores reservas de petróleo e gás, além de outras matérias-primas.

(Esses projectos tidos como estratégicos enquadram a construção de gasodutos e oleodutos, bem como uma estrutura conjunta de refinarias e complexos petroquímicos de grande complexidade).

As campainhas soaram em Washington.

Pode dizer-se, com algum menosprezo imperial, que as economias dessas regiões ainda estão em reformulação e as debilidades das suas moedas em trocas bilaterais são evidentes.

Mas, isso são nuvens propagandísticas lançadas para esconder o que germina, de novo, na geopolítica mundial.

O que é certo que é esses países já começaram a fazer trocas entre si, sem passar pela moeda intermediária, o dólar.

O Irão, logo que abrandaram as sanções, anunciou abertamente que as suas trocas de crude no mercado mundial seriam feitas por uma moeda alternativa ao dólar, neste caso o euro.

O que significa, em termos práticos, que o dólar começa a deixar de ser referência.

3 – Em política, o que parece é.

E, embora, haja sempre algo de circunstancial e imprevisto nos acontecimentos internacionais, o certo é que os dados confrontados têm um guião permanente e não surgem por acaso.

Em Março de 2015, ou seja nas vésperas no encontro de Ufá, os EUA enviaram para Riga, a capital da Letónia, forças e material militares, envolvendo-os numa missão vaga de *treino na região do Báltico*.

Estes exercícios militares, para ganharem *respeitabilidade*, são realizados, teoricamente, sob os auspícios da NATO e estendem-se à Estónia e à Lituânia.

Segundo o governo da Lituânia, a NATO irá efectuar esses treinos *em permanência*.

Entretanto, meses depois, a NATO anuncia, com a conivência do governo pró-fascista católico polaco, liderado pelo partido Lei e Justiça (PIS), supervisionado por Kaczynski, e que tem como primeira-ministra Beata Szydlolei, uma *marioneta* daquele, que serão realizados na Polónia, manobras da NATO.

Estas manobras enquadraram 40 navios de guerra, cinco mil militares, a maioria norte-americanos, de 17 países.

Os exercícios na região do Báltico continuam.

Desde finais de Março de 2015, que na região do Mar Negro, muito perto do território russo, se efectuam exercícios navais com forças da Bulgária, Roménia, Turquia, Reino Unido e França.

E estes exercícios são mais frequentes desde a anexação da Crimeia por parte da Rússia, após o golpe de Estado efectuado na Ucrânia por forças pró-ocidentais.

Exercícios militares estes que, por seu lado, também estão virados, a partir de Julho de 2015, para a intervenção da NATO na própria Ucrânia.

Desde os finais de 2015, os EUA tem tentado arregimentar a Geórgia, que faz fronteira com a Rússia, para efectuar treinos militares envolvendo forças de intervenção norte-americana naquele Estado.

Para este mês de Maio, estão programados exercícios militares conjuntos da Geórgia e dos EUA com o nome de código *Noble Partner 2016*, para terem lugar nos arredores da capital, Tbilisi.

4 – Porque será, que, de repente, na segunda metade de 2015, se multiplicaram os *confrontos legais* para substituir os dirigentes independentes de Washington na América Latina, aproveitando as eleições presidenciais e legislativas?

A par da UE, a América Latina era, no passado, o mercado tipo *quintal* norte-americano para escoar as exportações, incluindo as militares, dos EUA.

Com o surgimento de economias em concorrência feroz com Washington, a América Latina tentou (e tenta) organizar e desenvolver a sua *armadura comercial* interna, através do MERCOSUL, e, aprendendo com  a UE, pela negativa, estruturar uma componente castrense correspondente, a UNASUL, que defenda os seus interesses.



Vejamos então o que sucedeu:

A 22 de Novembro de 2015, teve lugar a segunda volta da eleição presidencial na Argentina. Venceu o candidato Maurício Macri, um milionário com negócios fraudulentos, apoiado abertamente pela administração Obama.

A campanha eleitoral já se tinha iniciado em Agosto com a escolha *criteriosa*, segundo os padrões de Washington, de Macri, que era presidente da Câmara de Buenos Aires.

Naturalmente, a anterior gestão governamental argentina, liderada por Cristina Kirchner, como representante do capitalismo nacional,  e que apoiava o *peronista* Daniel Scioli, tinha os *pés de barro*, pois permitiu todo o tipo de corrupção e nepotismo.

Todavia, não estava sintonizada com o *império* norte-americano.

O primeiro acto político de Macri foi atacar o governo venezuelano, que estava envolvido na campanha eleitoral para as legislativas do país. Governo este que, desde os tempos de Hugo Chavez, encabeçava o poder anti-imperialista burguês na América Latina.

As eleições legislativas venezuelanas ocorreram a 6 de Dezembro de 2015, e, o partido governamental, Partido Socialista Unidos da Venezuela, é derrotado por uma frente eleitoral conservadora, igualmente apoiada pelos EUA.

O primeiro acto político foi arremeter contra o Presidente da República, Nicolas Madura, procurando levá-lo à demissão.

Curiosamente, e talvez não, inicia-se a 2 de Dezembro desse ano, o processo de destituição da actual Chefe de Estado do Brasil, Dilma Rousseff.
O processo surge em torno de uma questão processual de aplicação das leis orçamentais, em torno da gestão do governo presidencial.

Todavia, o processo foi empolado e conduzido apenas por uma via política, procurando explorar um caso bem real: um eventual combate à corrupção existente no sistema político, que atinge todos os sectores desde a Câmara dos Deputados até aos Tribunais, passando pelo Senado e mesmo ministros e ex-ministros.  A sua face mais visível é a governação do Partido dos Trabalhadores.

E entre os promotores do processo de destituição, curiosamente, estão os principais deputados representados na Câmara.

Este processo é seguido, sôfrega e atenciosamente, pela administração norte-americana. Porque em causa está o papel que o Brasil está a desempenhar na instituição do MERCOSUL e da UNASUL.

4 – Este frenesim militar pode apresentar, aparentemente, poderio. 

Os Estados Unidos da América estendem o seu *braço imperial* a mais de 180 bases e quarteis castrenses espalhados pelo Mundo.

Mas, tudo isto custa dinheiro. E o dinheiro não terá suporte contínuo se não estiver estribado na produção interna industrial.

A realidade é que o crescimento produtivo nos Estados Unidos da América estagnou.

Ora, o militarismo norte-americano para se expandir necessita de novas injecções de investimento.

O erário público começa a ficar exausto.

A Secretaria de Defesa dos EUA anunciou, que, para 2017, estão já orçamentadas  despesas militares de 583 mil milhões de dólares (537 mil milhões de euros).

Um balúrdio.

Este militarismo desenfreado terá de conduzir à falência financeira.

Como, dentro do sistema norte-americano começa a existir a noção de que a concorrência poderá colocar em causa o seu *modo de vida*, este afã pela via militar torna-se perigoso.

Ou há uma contenção mundial das despesas castrenses, ou mais cedo ou mais tarde, soarão as trombetas de guerra generalizada.

Mas, também, poderão surgir sintomas de mudança radical no actual sistema político internacional.


O tempo o vai dizer.