domingo, 17 de julho de 2016

EUROPA: A SOCIAL-DEMOCRACIA ESTÁ NA FALÊNCIA


1 – A França, onde se desenrola, actualmente, uma prolongada luta classista para impor legislação contra as classes trabalhadoras, é o exemplo marcante do papel da social-democracia/socialismo democrático na vida societária.

O Partido Socialista francês assume-se, em todo o seu esplendor, como representante da classe capitalista.


Este facto não é um caso isolado de uma mera radicalização extemporânea de «desesperados» que sente o poder fugir-lhe, enquadra, na realidade, neste caso, em França, com toda a transparência, como actua a social-democracia quando ascende ao poder numa situação de crise grave do capitalismo.

A história da presença política do PS actual francês no poder de Estado desde a sua recriação como tal no final dos anos 60 do século passado é a história do seu percurso como fracção representante directa e qualificada do capital financeiro no país.

Embora, formalmente, o PS tenha sido criado em 1905, como secção francesa da Internacional Operária, na realidade, o seu percurso de capitulação constante e progressiva levou-o a tornar-se irrelevante no país desde a II Grande Guerra.

É «recriado» em 1969, quando o gaullismo entra em agonia, depois da revolução política anti-capitalista de *Maio de 1968*, e esse partido «renascido» recebe então apoios financeiros vultosos da chamada Internacional Socialista e dos Estados Unidos e o impulso da maçonaria gaulesa.

Foram, aliás, promotores e organizadores apoiantes do regime de Vichy, como François Mitterrand, Charles Henu e Jean-André Faucher, entre outros, travestidos de *socialistas*.

Desde a II Grande Guerra até à renúncia do falecido general, o gaullismo, como entidade política de poder, representou o capital no seu todo, impulsionando, em grande medida, o capital industrial no pós-II Grande Guerra.

Contou, para se estabelecer, como representação política dessa burguesia, logo no fim da guerra, com a prestimosa ajuda do Partido Comunista francês (PCF).

Este, que é o maior partido político e armado da Nova República gaulesa saído da guerra, aceitou – em conivência com a liderança soviética de Josep Stálin, a entrada num governo liderado por De Gaulle, com a orientação de desarme do Exército guerrilheiro, os Francs-Tireurs et Partisans (FTP) e a submissão ao processo de gestão capitalista da economia.

Eles foram o suporte «vermelho» da recomposição capitalista em França.
Maurice Thorez, o líder do PCE, ascende a Ministro de Estado (o governo incluía mais cinco pastas daquele partido), foi o mais fiel propagandista da «batalha da produção», da «reconstrução rápida da indústria» e da criação de «um potente Exército francês».


Tal orientação dividiu o PCF, principalmente o seu secretariado, tendo Charles Tillon, o responsável pelos FTP, abandonado aquele partido, em protesto contra a dissolução do Exército guerrilheiro.

Depois do serviço prestado, o PCF e Thorez levaram um pontapé. Assim começou a decadência daquele partido.

2 - A queda de De Gaulle está ligada, por um lado, às grandes convulsões sociais, que vão desembocar na revolução de 68, por outro, ao ascenso progressivo do capital financeiro, que o isolam e que inclusive, emerge já, dentro do próprio governo de De Gaulle, com Georges Pompidou, e, mais tarde, com Valéry Giscard d'Estaing.

Com o desaparecimento do general, a representação política do capital financeiro começou a expandir-se com George Pompidou (foi um alto quadro do grupo financeiro Rotschild) e solidificou com Valery Giscard d’ Estaing (criador da bolsa de valores mobiliários), o promotor da entrada da França na estrutura militar, ficando na dependência formal da NATO.

/O Ministro do Orçamento de D´Estaing chamava-se Maurice Papon, o responsável pela deportação de judeus sob o regime de Vichy/.

A República gaullista, na realidade, sumira-se.

Mas, estava em curso desde os inícios dos anos 70 do século XX, o reerguer de uma oposição «socialista» oficial, que servisse o entrosamento do capital financeiro no país.

O gaullismo representou, em termos de poder político, um certo «cesarismo» que enquadrou o renascimento capitalista. Com a entrada, em 1971, do PS de François Mitterrand, esse mesmo «cesarismo» reenquadrou-se envolto numa pretensa bandeira vermelha, levando como atrelado o então já decadente PCF, agora liderado por George Marchais.

Quando os sucessores abastardados do gaullismo se afastam da cena política, surge então Mitterrand e o +renascido+ PS, numa *frente comum* com o PCF.

Assim, em 1981, François Mitterrand ascende a Presidente da República e o PSF, nas legislativas que sucedem, torna-se o primeiro partido do país, ultrapassando a formação política de Marchais.

Na primeira fase da sua governação, Mitterrand quis fazer crer que não iria trair as promessas de instituir um executivo «socialista». Fez algumas nacionalizações, houve aumentos de salários e pensões. Tudo em gestão capitalista.
Conseguiu, assim, o objectivo do capital financeiro: pacificar o PCF, reduzi-lo a um «apêndice» político.

Na fase seguinte, princípios dos anos 90, o PS de Mitterrande tirou a máscara e assumiu-se sem rebuços como representante único do capital financeiro: privatização sem freio a favor do domínio do capital financeiro, desprezo total dos direitos sociais em detrimento de empresas capitalistas financeiras na saúde, na educação, na própria organização do trabalho.

Toda a administração pública foi canalizada para servir o capital financeiro, desde o parlamento à justiça. Bancos, bolsas, transportes, portos, agricultura, cargos de gestão superior do Estado, tudo ficou sob a sua alçada.

Realizou aquela o seu objectivo ideológico: produzir um rebaixamento da consciência política das classes e sectores trabalhadoras.

A coligação PSF/PCF contribuiu para limitar qualquer hipótese de lançar, de imediato, um revigoramento de uma via alternativa revolucionária.

Ora, este papel estendeu-se a toda a Europa e foi justamente desempenhado pela social-democracia...até aos dias de hoje.

3 – O domínio avassalador do capital financeiro não é um exclusivo da França, ele estendeu-se por toda a Europa.

Os *plainadores* desse domínio foram, precisamente, os partidos sociais democratas, que se intitulavam, muitos anos atrás, até marxistas-leninistas, depois, apenas socialistas, decaíram para socialistas democráticos, e muitos deles apenas se chamam agora democratas.

Cito dois casos: o português e o espanhol, mas poderia enquadrar-se o alemão, o inglês, o italiano, o grego, entre outros.

O Partido socialista democrático/social-democrata português, o PS então liderado por Mário Soares foi a *cobaia*.

O partido soarista nasceu na Alemanha em 1973, sob os auspícios e financiamentos alemães (Fundação Ebert), com um programa, mais ou menos idêntico, ao do PCP, reivindicando-se do marxismo.

Aliás, a sua apresentação formal, como partido, deve-se à divulgação de um programa conjunto de governo com o PCP, um ano antes do 25 de Abril de 1974.

A queda do regime marcelista provocou a formação de um governo provisório, que reflectia, pela sua composição, um compromisso entre os partidos e novas formações que contribuíram em diferentes graus para o derrube do regime.

erupção popular que se seguiu deu-lhe um carácter revolucionário, obrigando os diferentes partidos com interesses divergentes a acolher-se, sob o chapéu militar do Conselho da Revolução, aos ditames da Revolução socialista e da sociedade sem classes.

Mas, sob esse compromisso, a representação governamental era constituída pelas diferentes estruturas classistas da burguesia. O que as levava, no ramalhate reivindicativo do socialismo »à portuguesa», a que todas empunhassem essa bandeira.

O PS foi o vencedor em eleições constituintes (1975) e legislativas (1976).



E é esse PS, com o apoio dos militares que dão o golpe de Estado em 25 de Novembro de 1975, que vai reestruturar o poder político, afastando-se rapidamente do modelo definido pela Constituição do país, aprovada em 1976.

Logo nesse fim de ano de 1975, começa a desarticulação da Reforma Agrária, com o recomeço da entrega de terras aos latifundiários. Em 1978, Mário Soares anuncia que o seu partido meteu o «socialismo na gaveta». Um ano depois, o mesmo Soares apresenta um documento «Dez anos para mudar Portugal», onde enuncia a defesa de um «modelo do socialismo democrático ou da social-democracia europeia».

Com Vítor Constâncio, como secretário-geral, o PS, em Congresso, fez eclipsar os estatutos da fundação do PS e deu-lhe o formato social-democrata. Foi a adaptação teórica à pratica política desencadeada desde Novembro de 1975 à sociedade burguesa dominada pelo capital financeiro.

Em Espanha, esse papel começou a ser estabelecido pelo PSOE de Felipe Gonzalez, a partir de 1982, mas o *percurso político* foi estabelecido muito antes da morte do general Francisco Franco.

Com a decadência do franquismo, em particular após o assassinato de presidente do governo almirante Carrero Blanco, em 1969, os «tecnocratas pragmáticos» do regime, que começavam a ter peso no governo de Franco, tinham noção que a continuidade do sistema capitalista somente se poderia conseguir com o apoio de uma *oposição* moderada.

Permitiram, assim em semi-clandestinidade, os movimentos de um «PSOE renovado», formado por um grupo de jovens onde se veio a impor Felipe Gonzalez.

Nos finais dos anos 60, iniciava-se um confronto no seio do enfraquecido , Partido Socialista Operário Espanhol, saído, praticamente, da letargia do pós II Guerra, em que os «jovens turcos» puseram em causa a direcção do exterior encabeçada pelo então secretário-geral Rodolfo Llopis.

Deu-se uma ruptura entre o PSOE Histórico de Llopis e o PSOE Renovado de cuja direcção fazia já parte Felipe Gonzalez. O lugar de secretário-geral alcança-o em 1974, e, a sua preocupação central ideológica foi transformar o PSOE em formação social-democrata, o que conseguiu em 1979.


A política prática desta mudança conseguiu-a em 13 anos de governação. O capitalismo financeiro floresceu, então, em toda a sua essência na sociedade espanhola.

4 – As sucessivas crises desde o princípio deste século foram crises do sistema financeiro capitalista e mostraram que as relações de produção e as forças produtivas atingiram um estado tal de contradição, que apresentam sintomas de ruptura não só na Europa, mas em todo o planeta, em especial nos EUA.

A social-democracia, que foi o esteio político da gestão capitalista da burguesia em riscos de implosão, atinge também um patamar de insolvência, de descrédito.

Há condições de uma iniciativa de revolução europeia, mas não existe uma alternativa programática revolucionária entre as classes trabalhadoras. Há insatisfação, mas também desânimo. As hesitações estão ligadas a um processo longo de contra-revolução que avassalou as sociedades da Europa desde Maio de 1968.

As sociedades europeias estão impregnadas de crimes praticados pelo domínio de uma aristocracia financeira que não tem pejo em espoliar os cofres estatais, ou seja o bem-estar e o progresso dos desfavorecidos.

Apesar do desânimo que se instaurou no seio das classes trabalhadoras, a espoliação e a devastação económica que a grande burguesia financeira efectuou em todo o espaço europeu nos últimos 20 anos provocou sempre movimentações e protestos populares.

Nestas duas últimas décadas, começaram a surgir grupos sociais e até pequenos partidos que ganharam certo peso político, esgrimindo um vago programa anti-capitalista capaz de ser realizado dentro da «democracia», ou seja o sistema actual.

É neste contexto que se organizam novos partidos, como o Die Linke, na Alemanha, o Partido de Esquerda, na França, o Syriza, na Grécia, o Bloco de Esquerda, em Portugal e o Podemos, em Espanha e o Grupo da Esquerda Unitária/Esquerda Verde Nórdica.

Alguns deles, são hoje o governo do país, caso da Grécia, onde aplicam os ditames da ordem burguesa.

De uma maneira ou de outra, esses partidos não colocam, como princípio basilar da sua actuação, a tarefa de transformar, de maneira revolucionária, as sociedades dos seus países, mas de agir, no seio do regime estabelecido, visando a sua adaptação a uma «melhor democracia».

Existem, é certo, debates no interior desses partidos para inflectir a orientação dominante.

Mas, no estado actual, se esta via continuar a ser prosseguida irá desembocar na continuidade do domínio do capital financeiro.











sábado, 2 de julho de 2016

EUA: OS CANDIDATOS FORA DO SISTEMA MOSTRAM QUE A RECESSÃO CONTINUA

1 – Façamos uma reflexão.

Qual a razão (ou razões), porque aparecem candidatos presidenciais nos Estados Unidos da América com larga aceitação popular, aparentemente, fora do controlo dos dois grandes partidos do regime, os democratas e os republicanos?

No seguimento da questão anterior, porque será que entre os republicanos a *elite do partido* aceita Donald Trump, um multimilionário vigarista, racista, *nacionalista*, e entre os democratas permitem que o debate de ideias se faça em torno do programa de um senador *marginal*, Bernie Sanders, que se filiou naquele partido para puder concorrer, e que preconiza, nomeadamente, o *socialismo* e a *revolução*.

E que o próprio Presidente em exercício, Barack Obama, um homem elevado ao poder por Wall Street, o receba e afirme que as suas propostas são válidas?

2 – Tem de se olhar para o estado da economia norte-americana e para a verdadeira situação social das classes trabalhadoras daquele país.

A pobreza (privação de dinheiro ou alimentos) cresceu de maneira evidente nos EUA desde a crise financeira de 2007/2008.

São as estatísticas oficiais que o confirmam: actualmente, atingem as 50 milhões de pessoas.



Em 2011, a pobreza cresceu para 46 milhões de pessoas. Um ano antes foram contabilizadas 43,6 milhões.

Em 2008, o nível de pobreza situava-se nos 39,8 milhões (13,2 %). Em 2000, essa percentagem situava-se nos 12,2 %.

Segundo o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) com referência a 2000, os EUA tinha naquela data, uma população entre os 16 e 65 anos que supera os 20% considerada anafabeta funcional (superior aos principais países ditos ocidentais), valor este que cresceu grandemente nos 15 anos seguintes.

Desde os anos de 1995-2000, o incremento dos salários – em particular entre os mais desfavorecidos, hispânicos, negros, brancos operários, decresceu, constantemente, estagnando, mesmo em períodos, como 2004, em que, oficialmente, se afirmava que a economia estava a crescer.

Esta já era a realidade norte-americana, quando o grande capital financeiro, instalado em Wall Street, lançou o país na pior crise económica que se mantém, apesar de todas as promessas e estatísticas enquadradas que pretendem mistificar.

3 – Em 2009, os senhores de Washington e Nova York, gritaram a plenos pulmões: grande recessão acabou oficialmente.

(Diziam isto à descarada, quando se contabilizava que, em 2008, nos EUA 463 bancos foram à falência!!!).

Com maior ou menor sonoridade, os grandes órgãos de comunicação social, bem como a Administração e o banco central (Reserva Federal) anunciavam ao aparente mínimo vislumbre de recuperação: o navio está a entrar nos eixos.

Depois a realidade.

Em 2016, logo, portanto, agora, o Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos cresceu 0,5%, em dados anuais, segundo divulgou a Secretaria do Comércio do país, na sua primeira estimativa.



A este respeito, estamos a falar com dados oficiais, nos três últimos meses do ano passado, o incremento era bem maior, 1,4%.

Ou seja, a estimativa oficial para 2016 era de 0,7%.  Lógico, a recessão continua.

A economia em declínio persistente é a principal «base» explicativa da luta política que decorre nos Estados Unidos.
E esta discorrência pressupõe uma clivagem ideológica, muito obscura é certo, mas existente.

Certamente, não será a finalização da campanha eleitoral e a posterior eleição que vai levar a uma pacificação da sociedade.

Vão continuar os sintomas de crise social, possivelmente, irão crescer até face ao alastramento da crise económica mundial.

Os tempos são de mudança.

4 – Os candidatos que se apresentaram como representantes defensores visíveis do sistema, o chamado *centro*, quer do lado republicano (Cruz, Rubio, Jed Bush) quer democrata, incluindo Clinton (embora ela seja a escolhida, mas sem ideias), saíram derrotados ou enfraquecidos.

As ideias dos *democratas* - Obama dixit – estavam na candidatura de Sanders.

Trump, um homem da elite financeira norte-americana, demarcou-se, cinicamente, da mesma, alegando que esta – frisou «de que fiz parte» - era a responsável pela crise duradoura que atravessa a sociedade norte-americana.

Nada mais produziu ao nível de ideias e de propostas políticas, mas sob a sua liderança formou-se uma grande facção da classe média – branca, mas também negra e hispânica  -atingida fortemente pela especulação – imobiliária, de consumo.

Sanders foi mais contundente. Apresentou um programa político mais elaborado: mudança de poder político, ataque ao poder financeiro (encostou, totalmente, Hilary Clinton a Wall Street, ao militarismo imperial), reivindicações sociais (saúde, educação, trabalho)

É, pois, a persistência de uma crise profunda que está a despertar a sociedade norte-americana. E essa crise que permite que ideias até agora ostracizadas como de revolução e socialismo sejam +sufragadas+ no próprio debate das candidaturas presidenciais.

Em certo sentido, e de certa maneira, Trump e Sanders – naturalmente, cada um sob pontos de vista ideológicos diferentes – estão a fazer a crítica ao actual capitalismo norte-americano.

Trump alardeia que deseja uma +mudança+ no regime, tornando-o mais +forte+, ou seja governar esse mesmo capitalismo sob métodos nazi-fascistas.

Sanders quer incluir o seu (ou parte) programa na candidatura de Clinton (claro que é uma infantilidade), pensando que é possível fazer a revolução dentro das instituições capitalistas.

Claro que as classes trabalhadoras irão participar de pé atrás nestas eleições, e até nelas não participar.

Há um despertar de consciências,  os próximos tempos vão indicar se a experiência da busca da «revolução» e do «socialismo» irá ter continuidade na luta social.

Poderá haver uma espécie de adormecimento, logo após o acto eleitoral, mas as indicações dadas pelas primárias, a nível de mobilização, em especial em torno de Sanders, parecem mostrar que um grupo renovado de militantes procura uma via de ruptura dentro da sociedade norte-americana.