domingo, 25 de setembro de 2016

O CONFLITO SÍRIO VAI AGRAVAR A RUPTURA EUA/UE?

1 -  O agravamento da crise síria, com o ataque aéreo dos Estados Unidos a uma unidade do Exército do regime de Bashar Al Assad no leste do país (Deir ez-Zor),  onde os islamistas wabadistas o procuram cercar, ataque este ocorrido, propositadamente, em pleno vigor de cessar-fogo, irá certamente ter repercussões na União Europeia.

O ataque norte-americano não foi acidental, nem produto de falta de coordenação.

Não. Teve um objectivo preciso impedir – ou, pelo menos, limitar – uma inversão de posições que o regime sírio e a Rússia, Irão e hizbolá libanês estão a empreender na parte nordeste daquele país, com uma derrota dos seus aliados *combatentes da liberdade*, que proliferam nas organizações militares financiadas e municiadas por Washington, como o Exército Islãmico, Al Qaeda/Frente al Nusra, Exército Livre Sírio, Ajnad al-Sham, Fatah al-Islam ou Ansar al-Islam.
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O que se vislumbra no conflito sírio é o progressivo e desconjuntado recuo do apoio «no terreno» das forças oposicionistas armadas à ofensiva conjunta do Exército de Damasco e as forças armadas iranianas e chiitas libanesas, - que igualmente operam juntamente com o Exército de terra do Iraque – e a supremacia aérea russa.

Ora, os EUA estão, pois, os acossados, cada vez mais enrodilhados, num conflito estratégico que os está a afundar, não só militarmente, mas, principalmente, em termos económicos.

A reacção a esta senda de recuo pode levar o complexo militar industrial financeiro norte-americano a reagir sem pés e cabeça.

E aqui a guerra será generalizada.

Mas, se apostarem nesta solução, os seus aliados europeus não se irão precipitar.

Então poder-se-á aprofundar a clivagem, já mais que evidente, entre a União Europeia e os Estados Unidos da América.

Para o sistema político-económico norte-americano, o afastamento «afectivo» da UE face aos EUA é contabilizado em primeiro lugar em termos comerciais.

Então o que está em jogo?

2 – Justamente, o mercado europeu.

A UE é, apesar da próxima saída do Reino Unido, a principal potência comercial do Mundo, e, até hoje o  principal aliado americano na luta concorrencial com as outras potências económicas e militares, nomeadamente, a Rússia e a China. Além de conter um território com perto de 500 milhões de pessoas.

A sobrevivência da Europa, como unidade política, depende, portanto, por um lado da superação da crise em que está envolvida, refazendo a cooperação, o mais harmónica possível, entre os países e nações que a compõem, por outro, a unificação da sua política externa, assente na sua própria capacidade de defesa, ou seja um Exército único, que sirva de cobertura para que o apoio à sua evolução no sector exportador.


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Este é, para mim, o seu grande desafio.


Este desafio somente irá avante se tiver a pressão constante dos movimentos sociais e dos partidos e organizações revolucionárias.

O que obriga, assim o penso, à elaboração de um programa revolucionário europeu que seja a alternativa à política capitalista que domina a Comissão Europeia, o Conselho Europeu, o Eurogrupo e o próprio Parlamento Europeu.

Esta alternativa advém do facto de o capitalismo financeiro dominante no Mundo, mas especialmente, nos seus centros mais pujantes (EUA e UE), se encontrar numa encruzilhada que o pode fazer colapsar ou avançar para formas violentas de resolver essa crise.

3 – Pode argumentar-se: certo, há uma crise internacional do capitalismo, mas os EUA ainda são a potência hegemónica económica e militar. 
São eles que determinam os destinos do Mundo.

Sim é real, os EUA ainda são uma grande potência económica, o dólar ainda é a principal moeda de troca a nível internacional, as suas Forças Armadas estendem a sua manápula por mais de 80 países.

O que se tem de analisar é o que mudou, de maneira evidente, desde os chamados atentados das Torre Gémeas, em Nova Iorque.

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A China emergiu como potência económica. A Rússia reestruturou a sua economia, depois de cerca de 10 anos de estagnação e retrocesso, no pós desagregação da URSS, e, acima de tudo, impos uma nova capacidade tecnológica e reforço da estratégias castrenses. Institucionalizaram-se os BRICS, como parceria geo-estratégica em confronto com os EUA.

O dólar já não é a moeda omnipotente nas relações comerciais e financeiras internacionais. A UE, com as suas debilidades actuais, continua a ter uma unidade monetária, o euro, que se está também a impor como referência. A China em parceria com a Rússia organiza trocas comerciais sem a interferência do dólar.

E acima de tudo, a economia norte-americana entrou em estagnação, a situação social interna regrediu. A política «proteccionista» de Donald Trump, que pode ser o próximo Presidente norte-americano, é a bússola indicativa de que irá haver uma *reestruturação* interna da actividade produtiva (com regresso de empresas deslocalizadas, apostas declaradas em novas indústrias, possivelmente até com um confronto entre o capitalismo +cristão+ em ascenso e o capitalismo +judaico+ dominante).

Esta realidade da vida societária interna tem, pois, os seus reflexos, de maneira evidente, na esfera militar.

A supremacia militar internacional norte-americana não se impõe, actualmente, nos principais focos de disputa nos diferentes pontos do globo, desde o Médio-Oriente ao Golfo Pérsico, passando pelo Mar da China ou mesmo no leste da Ucrânia. 

É, justamente, no conflito afegão-sírio-iraquiano que mais se nota as contradições e fraquezas dos EUA na sua concepção militar.

Incendiaram o norte de África e o Próximo e Médio-Orientes, procurando impor o seu «modo de vida», mas armando e financiando o sector mais retrógrado do wabadismo como +força ideológica+ para destruir +as ditaduras nacionalistas+.

Os seus «filhos», combatentes da sua liberdade, estão a roer-lhes a corda, obrigando-os caminhar, lenta, mas paulatinamente, na estratégia delineada pela Rússia.

4 – Será, pois, na UE que se vai concentrar o esforço norte-americano para não perder a suserania sobre esse enorme mercado e ao mesmo território de «contenção» com o concorrente militar russo.

Se os EUA têm na sua estratégia a derrota da reemergência mundial da Rússia como superpotência militar, através da utilização do «tampão» europeu, que poderá servir de campo de batalha, a UE parece ter despertado, finalmente, do +abraço+ económico-político-castrense de Washington, seguindo uma via de conseguir a coesão europeia.

E tal via pressupõe, portanto, o corte com a supremacia de Washington.

Neste caso, a Rússia, porque é continuidade territorial europeia, pode servir de +aliado táctico+ numa fase mais distendida.

Moscovo, igualmente, necessita da UE para impulsionar a sua tecnologia e interagir com o sistema económico europeu para receber produtos em melhores condições de mercado e exportar, particularmente, as suas principais matérias-primas.

Os indícios de um agravamento das relações EUA/EU são dados por episódios recentes:  o ataque aparentemente pessoal a Durão Barroso, ex-presidente da Comissão Europeia, por ter passado, com armas e bagagens, para os quadros dirigentes do Goldma Sachs, o banco de Wall Street, que fomentou em grande parte a crise financeira da Europa; as multas cruzadas entre Washington e Bruxelas sobre as grandes empresas multinacionais (Apple, Google, Volkswagen, Deustche Bank); a suspensão, praticamente corte, das negociações em torno do Tratado de Comércio e Investimento Transatlântico (TTIP), e, principalmente, o recomeço dos projectos de Forças Armadas e de Segurança da União.

Os próximos tempos vão ser, na minha opinião, pois, de tensão crescente nas relações EUA/EU, naturalmente, em muitos casos essa tensão andará pelos bastidores.


Vamos esperar para ver as mudanças geopolíticas que se vão dar.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

G 20: O +NOVO+ CAMINHO CAPITALISTA VAI ESTAR ENQUADRADO POR *ZONAS DE INFLUÊNCIA*?

1 –  A guerra de conquista e divisão na Síria entrou numa nova fase de violência, precisamente, quando, aparentemente, o inimigo «jurado» de todas as partes envolvidas – chamado Estado Islâmico - parecia estar a claudicar, rapidamente, nos últimos meses.

Porquê esta repentina escalada da violência quando o Exército legal sírio cerca a cidade mais populosa do país, Alepo, e se apresta para atacar Raqa, a chamada capital do EI?

A Síria – e também o Iraque – é o «cadinho» onde se está a definir uma nova geopolítica mundial, que pode determinar a queda rápida da antiga única superpotência (económica e militar), que se confronta com uma nova realidade social: a actual fase do modelo de produção capitalista está a chegar ao fim.

A Síria tem sido o palco guerreiro de experiências castrenses da mais alta tecnologia dos últimos tempos.

Talvez, comparativamente, mais do que sucedeu no Vietname e no Camboja nos anos 60/70 do século passado. 

O que transforma o território num espaço de testes militares em nível mais elevado (quem experimentava na Indochina, então, essencialmente, a alta tecnologia eram os Estados Unidos da América) é o facto das principais potências militares mundiais e as potências regionais, bem como grupos paramilitares que podem vir a ter maior intervenção futura no Médio-Oriente, como o Hezbolá libanês, actuarem, frenética e num espaço de tempo curto, em alianças e contra-alianças – e compromissos tácticos no terreno – aparentemente para buscar benefícios nacionais em eventuais divisão de despojos.

(Repare-se que neste conflito, as potências envolvidas, particularmente, as ocidentais, - EUA, França, Alemanha, e também a Turquia, estão a agir na Síria ao arrepio das chamadas normas internacionais, violando, ilegalmente, o território sírio. Em parte, com a conivência táctica da Rússia, mais interessada em ver os seus concorrentes a «chafurdar», enterrando-se, na lama do conflito).

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alianças e contra-alianças: jogo de sombras

Mas, o que surge, na realidade, é o crescendo sem freio do militarismo.

E o militarismo exacerbado é sempre prenúncio de guerra. Mas também custa muito dinheiro. 

Ainda, por cima, agravado, sem não tiver retorno +compensador+.

2 – O conflito militar na Síria esteve na agenda dos G-20. E não é por acaso.

Está ligado a nova geopolítica que se desenha no Mundo e que os líderes políticos, representantes das facções concorrenciais do grande capital financeiro pretendem analisar e apontar «caminhos» para tentar salvar a fase actual em decadência total desse capital.

A Síria, e por tabela o Iraque, são territórios nacionais, retalhados e ensaguentados pelas disputas, sem olhar a meios, das potências ocidentais, em primeiro lugar, mas também da nova potência militar mundial, a Rússia, em paridade com os EUA, e, em alianças flutuantes, por vezes desconcertantes, como a Turquia e o Irão.

(Se se analisar o campo de batalha sírio, pelo menos, desde 2015, verificamos que a entrada da Rússia no terreno do conflito, aparentemente, chamada pelo o regime de Bashar Assad, tem uma estratégia definida - o apoio castrense do Irão e, discreto, mas actuante, da China desde o início: defender a unidade territorial do país, derrotar as organizações ditas terroristas.

As restantes potências –EUA, França, Alemanha, Reino Unido, e, agora, a Turquia, - agem erraticamente, conforme as conveniências, num apoio claro ao EI, notando-se uma clara percepção de que pretendem retalhar a Síria. Se a Rússia conseguir manter Assad no poder e a unidade síria, haverá, naturalmente, uma mudança na geoestratégia mundial).

Uma chamada de atenção: tudo isto se está a passar a leste da chamada *comunidade das nações*, ou seja da ONU.

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Estreito de Ormuz: a importância do controlo

A diplomacia está a dar lugar ao confronto.
Directo: Médio-Oriente-norte e corno de África; indirecto, Mar da China, Ucrânia-Mar Negro, golfo de Omã/estreito de Ormuz.

Na realidade, já Clauzewitz o definia: a guerra é a continuação da política por outros meios.

3 – Tal como os europeus, em particular os portugueses, no início do comércio mundial no século XV, e, principalmente, no XVI, a preocupação primeira, após a chegada ao Oriente foi o controlo de rotas e estreitos de passagem de mercadorias.

A força militar está, pois, a ser utilizada para conseguir vantagens territoriais e geoestratégicas para o controlo do comércio e zonas privilegiadas de matérias-primas.

O que está, portanto, a suceder do meu ponto de vista?

A China está procurar impor, via pressão directa militar – navios, construção de aeródromos e cais de embarque/desembarque em ilhas disputadas no Mar da China -, uma posição dominante de, por um lado, controlo de rotas vitais marítimas comerciais, por outro, o acesso a matérias-primas que existem na área marítima profunda ao largo das mesmas.

A Rússia procura disputar influência no mar Mediterrâneo oriental e solidificar a posição geo-económica de campos de gás e petróleo do Médio-Oriente, em conveniência com as rotas navais e terrestres que o confinam.

Se o conseguir, em grande medida, com o controlo do Mar Negro, terá estabilizado «uma área de paz» sul para o seu projecto conjunto euro-asiático com a China.


Frota russa na Crimeia

Significa isto, que perante o *jogo de forças+ que se desenha no horizonte, Rússia e China pretendem impor, no mínimo, +zonas de influência+ no mapa planetário.

E isto, se houver, um compromisso diplomático. Porque, se houver guerra, ainda que regional, os interesses dessas potências podem ser mais ambiciosos.

Toda esta movimentação tem, no seu bojo, o essencial: a actual fase do modelo capitalista está a chegar ao fim.  

O futuro pode ser tumultuoso, até porque por detrás do regime capitalista estão as classes laboriosas, que o sustentam – ainda que dispersas e sem um programa revolucionário internacional - mas que desejam uma nova vida societária.

Os próximos tempos vão definir melhor o jogo de sombras que está na agenda dos G-20.


quinta-feira, 25 de agosto de 2016

A QUESTÃO RELIGIOSA E O VESTUÁRIO ISLÂMICO

1 – Estamos a perder tempo em polémicas estéreis em torno de suprimir véus, burquinis islâmicos nos locais públicos ocidentais.

Pode dizer-se que esta utilização de véus e burquinis e burcas tem uma forçada conotação ideológica-religiosa.

Certo, como tem a mesma conotação quando o Presidente da República portuguesa realiza a sua primeira visita oficial de Estado para beijar a mão ao Papa, numa submissão propositada e forçada de um cargo público a uma religião, neste caso, a Católica Romana.

A questão que tem de ser equacionada é esta, a meu ver: porque o regresso da religião ao domínio do Estado?

A ideologia dominante no Ocidente faz crer que os Estados teocráticos são um exclusivo das ditaduras islâmicas actuais. Não é verdade.

Embora formalmente, sejam democracias, países como o Reino Unidos, Suécia, Noruega, Dinamarca, os seus chefes de Estados são ao mesmo tempo chefes das Igrejas cristãs dos mesmos.

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Outros, como Portugal, Espanha ou Itália, têm a primazia da religião católica contratualizada em leis extra-territoriais (concordatas), cujo mentor (ideológico e material pelas benesses recebidas) está no Vaticano. É quem determina a política prática face ao contrato estabelecido (que é essencialmente económico).

E as chamadas religiões civilizacionais ocidentais (catolicismo, protestantismo, evangélicos, manás, mormons, judaísmo) estão, cada vez mais, implantadas no aparelho de Estado, através de partidos políticos e eleições legislativas.

Na recentes primárias norte-americanas para a escolha do candidato presidencial republicano, os dirigentes do partido optaram, para a candidatura à vice-presidência, pelo governador do Estado do Estado de Indiana, Mike Pence, pela sua ligação à ultra-conversadora igreja evangélica norte-americana.

Igualmente, a tertúlia do poder democrata escolheu o senador pela Virgínia, Tim Kaine, para idêntico papel naquele partido, justamente, por ser um fervoroso católico e falar castelhano.

Por exemplo, o Brasil actual. Dados da Câmara dos Deputados: a Frente Parlamentar Evangélica – que inclui católicos, protestantes e pentecostais - conta hoje com a participação de 199 membros (39% do total) e quatro senadores. Determinantes para a orientação governamental.

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2 – As ditas religiões ocidentais (catolicismo, protestantismo nas suas diferentes matizes, judaísmo) estão perfeitamente integradas na sociedade capitalista.

Caminharam em toda a sua conveniência, adaptando-se, com toda a naturalidade, em harmonia prática aos ditames da grande burguesia.

Para aquela, o seu deus tornou-se o dinheiro. 

Assim, o dinheiro erigiu-se na preocupação central dessas religiões.

O Vaticano é, na actualidade, um dos principais centros capitalistas financeiros do Mundo, a par de Wall Street, feudo do judaísmo, mas ambos, juntamente com a Igreja de Inglaterra, são a «bússola ideológica», via civilização ocidental, do expansionismo imperialista capitalista liberal.

O catolicismo, bem como o protestantismo, alçou-se, com eficácia, aos princípios judeus. O seu deus é agora comum e universal.

Os Estados ocidentais são, desde a segunda metade do século XX, a face violenta do imperialismo, dominante, e fazem-no dizendo defender a «civilização ocidental». Que significa, nada mais, nada menos, a civilização «cristã» burguesa.

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E, deste modo, a ideologia judaico-cristã pode  «obscurecer-se, ficar na sombra» sob o manto diáfano da não-violência.

O expansionismo religioso islamista surge, como concorrencial mais violento, porque é o ponta de lança político-ideológico militante de um sistema económico poderoso, em matérias-primas, mas com um desenvolvimento social pré-capitalista.

Esse expansionismo ganhou espaço e mesmo força militar, devido ao facto de ter sido um aliado operacional do imperialismo ocidental, nos últimos 20 anos, na concorrência geo-política e geo-estratégica com as potências emergentes, em especial Rússia e China.

3 –  A separação da religião da esfera do Estado, levando-a para o domínio do privado, exige, na situação actual, uma revolução política.

E isto, porque a religião cristã está, intimamente, conectada e formatada com o regime capitalista dominante.

Sem a separação económica e política da sociedade em geral do emaranhado religioso, ou seja sem pôr em causa a especulação financeira, e o sistema de usura inerente àquele, continuarem, permanentemente, com a questão religiosa na ordem do dia. A religião no domínio do Estado é um entrave ao avanço ideológico societário.

Se retirarmos à religião o seu poder económico, naturalmente, estará aberto o caminho para conduzir o seu domínio público actual para a esfera privada, onde dever ficar restrita.


terça-feira, 16 de agosto de 2016

90 ANOS DE FIDEL: DO REVOLUCIONÁRIO SÓ RESTA O MITO

1 – O antigo Presidente do Estado cubano Fidel Castro fez, sábado, 90 anos.

O ainda líder político de Cuba, já que dirige o partido que governa o país, formalmente retirado dos negócios correntes do Estado, apresenta-se, ainda agora, como revolucionário e comunista, alicerçado no facto de ter encabeçado os partidários que derrubaram o regime ditatorial capitalista pró-americano cubano do sargento Fulgêncio Batista, na noite da passagem do ano de 1958.

O regime castrista efectuou-lhe homenagens laudatórias, procurando fazer crer que Castro representa o mesmo ideário dos primórdios da Revolução anti-imperialista cubana.

Mas, continua Castro a ser o revolucionário que liderou a revolução nacional anti-imperialista de 1958?


2 – O papel desempenhado por Fidel Castro, nestas quase seis décadas, não se analisa pelas suas declarações a favor de uma ideologia ou de um estado de espírito, mas sim pelo protagonismo que desempenhou e desempenha no interior da sociedade cubana.

Em 1958, o grupo guerrilheiro de Fidel Castro – Movimento 26 de Julho - tomou Havana, após cerca de dois anos de combates contra o regime de Fulgêncio Batista, um protectorado dos Estados Unidos da América.

Ganhou a governação contra o poder de Estado existente, mas também contra a orientação política do então maior partido oposicionista, o pró-soviético Partido Comunista de Cuba.

A mudança de regime em Havana deu-se com uma revolução nacional anti-imperialista, numa conjugação de forças que incluíam a burguesia liberal, cujo representante era Manuel Urrutia Lleó, que foi o primeiro Chefe de Estado em 1959.

O novo poder político mereceu, de imediato, a hostilidade da administração norte-americana, o que levou Fidel Castro a procurar uma aliança com a então União Soviética.

Em poucos meses, o novo regime assume-se como socialista. Desfaz o velho PCC e funda um novo, a imagem e semelhança do novo poder, liderado por Fidel Castro.

Preconiza medidas de aparente socialização da sociedade, como a apropriação dos meios de produção.

Decreta e vai formalizando medidas económicas e sociais, que são do agrado de uma maioria do povo: tais como a diminuição do fosso salarial, ensino e saúde para todos.

A sociedade cubana era na altura do derrube do regime de Fulgência Batista uma sociedade de latifúndio, com um fraco desenvolvimento industrial. O proletariado era muito minoritário e sem real expressão no desenvolvimento societário.

Em termos económicos, o poder nascente adquiriu o modelo de capitalismo de Estado, com uma minoria a organizar a instituição estatal em torno dos interesses específicos que se vão tornar dominantes.

À medida que a sociedade cubana se tornava dependente das exportações para a ex-União Soviética e seus países +satélites+, dentro do regime cubano começam a verificar-se clivagens, que não surgem, aparentemente, à luz do dia, mas tem a sua expressão com a saída de Che Guevara do governo e de todas as funções políticas em Cuba e a saída para procurar «focos» guerrilheiros no exterior.

Guevara tinha criticado publicamente a antiga URSS no decorrer de um périplo ao estrangeiro, a chamada «declaração de Argel».

Ernesto Che Guevara foi-se tornando, progressivamente, crítico do «modelo socialista» implantado na ex-URSS.

Hoje, conhecem-se os seus escritos políticos sobre a situação nos chamados países socialistas.

Num carta de 1965, dirigida ao então ministro da Cultura cubano Armando Hardt, ele manifesta-se contra «o continuísmo ideológico» do regime face à política soviética.

Mais tarde, numas «notas críticas» sobre o Manual de Economia Política da Academia de Ciências da URSS, elaboradas entre 1965 e 1966, Guevara já assinala mesmo que os chamados países socialistas tinham entrado abertamente na via capitalista.

3 –  Embora o regime castrista não tivesse apoiado a via de desagregação do sistema soviético de capitalismo de Estado, e, continuasse com proclamações sonoras no apoio ao socialismo, o certo é que o Estado cubano era (e é) dominado pelo Capital.

(Guevara pode considerar-se como uma ténue via radical que não teve consistência económica e ideológica para subverter a situação).

A sua apropriação «colectiva» dos meios de produção ficou nas mãos dessa minoria que se auto-intitula revolucionária e que instituiu o novo Estado aos seus interesses.

A diferença formal entre o poder político castrista e o poder do capitalismo liberal de Wall Street assenta «numa maneira frugal» como beneficia da apropriação do produto dos meios produtivos.

O impulso da revolução cubana de 1958 para a via socialista exigiu um desenvolvimento económico que não estava ao alcance da sociedade, nem teve o apoio de revoluções socialistas noutras partes do mundo, que não existiram ou não conseguiram vingar.


Fidel Castro é um protagonista contraditório produto dos acontecimentos que sucederam no Mundo, ao longo de décadas, mas que não se sedimentaram.


O revolucionário Castro desapareceu com o ascenso contra-revolucionário que alastrou pelo planeta desde segunda década do século XX. 
Embora a sua auréola se mantenha em certos sectores sociais mundiais.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

TRUMP: PROTECCIONISMO SIGNIFICARÁ GUERRA

1 – Os Estados Unidos da América, que, desde a II Grande Guerra, andam por todo o Mundo a expandir, pelo poder das armas, a sua visão de império «democrático», confronta-se agora com a candidatura presidencial do Partido Republicano, representada pelo especulador capitalista Donal Trump, que anuncia que, se for vitoriosa, haverá uma retracção do seu dispositivo expansionista castrense, bem como um corte com os tratados comerciais internacionais.

Na realidade, nestes 60 anos, os EUA semearam pelo mundo pequenas e médias guerras, desprezando e trucidando os direitos nacionais de Nações, países e povos.

Eis os principais, para que conste:
Indochina (1946–1954), Coreia (1950–1953), Laos (1953–1975), Líbano (1958), Vietname (1959–1975), Baía dos Porcos (1961), República Dominicana (1965–1966), Camboja (1967–1975), Chile (1973), Brasil (1964), Argentina (1976), Bolívia (governos militares – 1964/82), Venezuela, Perú, Equador, Uruguai, conflito cambojano-vietnamita (1977–1991), Líbano (1982-1984), Granada (1983),  Panamá ocupado pelos Estados Unidos em 1989, Golfo (1990–1991),  Iraque ( desde 1991), Somália (desde 1992), Haiti (1994), Bósnia, 1994, Jugoslávia, Kosovo (1998–1999), Afeganistão (desde 2001), Noroeste do Paquistão (desde 2004), Iémen (desde 2010), Líbia (desde 2011, Síria (desde 2011).

Neste período, a classe dirigente norte-americana construiu ao redor do planeta um sistema colonial gigantesco de bases militares, na realidade, fortes comerciais de rapina de matérias-primas.

Segundo o Pentágono, dados de 2005, existiam 865 bases nos mais diferentes locais, desde a Europa à América do Sul.

Não estavam contabilizadas as que vieram, entretanto, a surgir pelo Médio-Oriente (Afeganistão, Paquistão, Iraque, Kuwait, Qatar, Kosovo, entre outros).



O militarismo expansionista custa dinheiro.

Pelos dados recolhidos, em diferentes órgãos de imprensa, os EUA gastam anualmente entre 100 mil e 120 mil milhões de dólares com toda a logística das suas bases no exterior. (Não contabilizando as disseminadas pelo Iraque, Afeganistão e Paquistão).

Aparentemente, deveria ser o preço *controlado* da manutenção imperial, como vinha sucedendo.

Então porque as ameaças contra os aliados da NATO, em especial os europeus, de os deixar «ao deus dará»?

Então, porque a ameaça de saída da Organização Mundial do Comércio (OMC), criada sob a liderança e pressão do capital financeiro norte-americano para penetrar nos mercados internacionais?

Então, porque a ameaça de não subscrever os acordos de livre troca comercial, como o Tratado Transpacífico (TPP), justamente elaborados para relançar o poder das multinacionais norte-americanas em supremacia face aos Estados?

2- O desmoronamento da antiga União Soviética colocou os Estados Unidos da América no lugar da potência dirigente do Mundo, e, especial da Europa, que estava dividida, desde a II Grande Guerra, na vassalagem por dois blocos: a NATO e o Pacto de Varsóvia.

Essa desagregação lançou, na altura, para a agenda mediática um analfabeto, vira-casacas e informador policial chamado Ronald Reagan, que foi colocado no poder presidencial pelo capital financeiro.

(Claro que tal facto, para a História, já, agora, é, apenas, uma notícia de rodapé em letras pequenas).

Mas, na altura, Reagan transformou-se um ídolo da grande burguesia financeira, +deificado+ pela chamada «ideologia neocons», através dos orgãos de informação de Wall Street (ABC, Fox, CNN, CNBC). 

Não porque liderou a «luta» pela desagregação soviética, mas, porque elevou o sistema de império +democrático+ a modelo de dominação do mundo.

Na realidade, Reagan era o produto acabado da imagem arrivista e superficial da grande burguesia financeira.

(Como o foram os seus sucessores numa cínica *alternância democrática* entre  facções de Wall Street).

E ele foi o arauto propagandista no chamado mundo ocidental, em como, sob as bandeiras progressistas das eleições universais e dos direitos humanos, se podem constituir governos sufragados de oligarquias financeiras.

Em que a especulação bolsista, as fraudes criminosas com as transferências bancárias e as deslocalizações industriais, eram a matérias primeiras para a exploração e opressão desenfreada das classes trabalhadoras.

Tudo serviu para lançar as garras imperiais democráticas pelo Mundo.

Mas, este sucesso de uma política expansionista a todo o custo, com o pau e a cenoura, teria de bater na parede.

Progressivamente, a expansão, ocupação e exploração capitalista imperial norte-americana foi desenvolvendo um forte sentimento de reacção nacionalista e anti-imperialista , que, em certos casos, geraram mesmo revoluções, algumas caminhando, par a par, com um programa socialista entretanto degenerado.


Com o desfecho da II Grande Guerra, ao mesmo tempo que, pelo planeta, se começava a forjar um movimento anti-colonialista (Índia, Paquistão, China, Vietname, entre outros), a burguesia dos países europeus mais massacrados pela destruição violenta lançou-se num processo de industrialização comum, que enquadrou, mais tarde, um novo tipo de constituição de uma formação estatal transnacional.

E tal caminhada, embora fosse realizada em ligação profunda com o capital financeiro norte-americano, com a crise geral de 2007/08, que se prolonga até hoje, levou a União Europeia, atolada nessa mesma crise, a fazer uma decantação, ainda bastante ténue, é certo, cujo rumo geopolítico, a tem levado a um afastamento do centro financeiro da City londrina, filial de Wall Street, com o reforço do Banco Central Europeu (BCE) em Frankfurt.

O que, por seu turno, em termos militares, irá cavar, cada vez mais, uma clivagem (ainda muito subterrânea) com a NATO/EUA.

Na América do Sul, onde, ao longo dos últimos 100 anos, se deram conflitos violentos, por vezes, com cariz revolucionário, contra a suserania e ocupação norte-americanas, a burguesia *progressista* social-democrata e liberal, decalcando do modelo europeu, iniciou, ainda, nas últimas décadas do século passado, um processo de integração económica dos respectivos países, que apelidou de MERCOSUL, indo até mais longe, forjando um princípio de Exército único, com o UNASUL.

Abertamente, contra a hegemonia ianque.

Mereceu o apoio directo da UE, e a hostilidade, primeiro latente, hoje, já aberta dos EUA, através da grande burguesia *criola*, vinculada a Washington, cujos efeitos se começam a sentir.

3 – É, pois, o aparecimento de espaços geoestratégicos (que são também geoeconómicos) em concorrência com o papel hegemónico dos Estados Unidos, que está a preocupar a grande burguesia norte-americana.

A principal preocupação concorrencial de Washington, não é, propriamente, no imediato, a UE e o Mercosul, mas o espaço geoestratégico, que se está a materializar em enquadramento político, económico e militar, formado pela Organização para a Cooperação de Xangai.

Criada, formalmente, em 1996, sob a égide da China e a Rússia, que enquadra ainda, presentemente, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Uzbequistão, Índia e Paquistão, que tem, ainda, como observador o Irão.

Eles colocaram de pé já um grande banco (Novo Banco de Desenvolvimento) e está em estado avançado a substituição do dólar, como moeda referencial universal de troca.


Este conjunto de países representa mais de 60 % do território terreno e 50% da sua população, controlando uma parte substancial das matérias-primas do planeta.

O busílis da questão está no confronto concorrencial: Rússia e China têm capacidade militar capaz de fazer valer a sua diplomacia e incrementar, independentemente, a sua economia.

Estão a fazê-lo utilizando a seu favor, o livre comércio, que a OMC lhes proporcionou.

Aproveitando, justamente, as fraquezas internas da economia dos Estados Unidos.

Claro que o maior mercado comercial do Mundo, neste momento, continua a ser a UE.

E, tal facto tanto o é para os EUA, como para a Rússia e para a China.

Mas, a UE para se fortalecer e relançar o seu desenvolvimento necessita de alargar as suas exportações para fora do seu território.
A única cobertura que utilizam na sua política externa é o manto da NATO.

Ou seja, a sua diplomacia fica travada nos interstícios dos interesses primeiros dos norte-americanos. Nem têm, portanto, as suas forças armadas conjuntas.

Para que a Europa seja uma força unida política, além da sua construção interna em harmonia, sem pôr em causa os sentimentos nacionais, requer um Exército único.

Este tornou-se, na actualidade, uma necessidade económica.

Por enquanto, esta UE, a principal potência comercial do Mundo, está amputada, permanece um campo de disputa, principalmente entre os EUA e a Rússia. Os primeiros ocupam-nas. A segunda precisa dela para aumentar as suas capacidades exportadoras e de incremento económico.

Mas, para a Europa, a Rússia é um território natural e essencial para a caminhada da burguesia no sentido da sua verdadeira unidade europeia, sem fronteiras, sem entraves alfandegários e sociais, na circulação de mercadorias e força do trabalho.

A supremacia da UE, no presente, face à Rússia está na sua capacidade produtiva e desenvolvimento tecnológico.  

A Rússia deu um grande salto, nos últimos 20 anos, na sua força produtiva, incluindo a armamentista, depois da decadência constante da fase final do império soviético, e da desarticulação e marasmo que se seguiu com o período de Boris Ieltsin.

É potência militar que ombreia com os EUA. Mas a economia produtiva não acompanhou, ainda, a indústria de ponta do armamento.

É, neste contexto, que a UE se torna o território mais frágil no confronto entre duas grandes potências castrenses, armadas até aos dentes.

É +um campo de batalha+ militar preferencial, se se desorganizar, se se desunir, se não souber impor a sua verdadeira força.

A única potência dominante, essa, já não o é.

4 – A concorrência acirrada entre potências militares custa dinheiro. E cada vez que se evoluciona no domínio de conseguir armas cada vez mais sofisticadas, mas sempre mais caras, tal facto leva a um espiral de despesa pública, que somente poderia ser minimizada se a produção industrial e comercial interna acompanhar a sustentabilidade dos orçamentos militares.

Esse, hoje, é o calcanhar de Aquiles do regime norte-americano. Os EUA perderam a sua hegemonia industrial, e economia retraiu. A falência paira sobre a capacidade produtiva. 

Embora aquela seja, ainda, aparentemente, elevada.

Os Estados Unidos da América têm a maior dívida pública do mundo em crescimento, e, com o dólar a enfraquecer: 19,268 biliões  de dólares, 102% do PIB.

As receitas – valores de 2014 – atingiram os três biliões de dólares, mas as despesas atingiram os 3,5 biliões.

As exportações trouxeram ao país 1,62 biliões de dólares, mas importaram 2,35 biliões em 2014.

A pobreza aumentou. Cerca de 15 % vivem mesmo abaixo do seu limiar, segundo dados de 2013.

Embora os censos oficiais coloquem os valores do desemprego nos 5%, este valor aumenta significativamente nos antigos centros industriais. O certo é que os mesmos censos assinalam que a oferta de emprego não aumentou em valor estável desde a crise de 2007/08. Os salários estão estagnados há cerca de 10 anos.


O grande problema, para a grande burguesia norte-americana, é, portanto, o enfraquecimento da sua produção interna.

A luta de classes que está no interior da actual disputa de candidatura presidencial liga-se, justamente, ao facto de ter aumentado a crise económica e financeira na sociedade norte-americana.

Os de baixo estão a manifestar-se contra a lúmpen grande burguesia financeira. Trump e Sanders apontaram, precisamente, o dedo à sua representante mais mediaticamente comprometida com Wall Street, Hillary Clinton.

Sanders cedeu, como social-democrata que é, Trump – ele próprio um arrivista criminoso pertencente esse lumpen financeiro, critica o sistema para conseguir diluir esse descontentamento no seio da sua política, que vai ser o da repressão fascista contra os desfavorecidos, quer sejam proletários brancos, quer de minorias negras, árabes, ou hispânicas.

Sobre a propaganda sonora contra o sistema, Trump é, portanto, o representante fascista do capital financeiro (precisamente como o foram Hitler e Mussolini na Europa). Claro que o regime norte-americano não terá o carácter imediato violento do sistema nazi-fascista dos anos 30/40 no continente europeu.

5 – O programa político de Trump, que, até agora, não foi formalmente divulgado, para dar consistência aos seus slogans dispersos, terá de assentar numa via de criar algum emprego, ou seja numa base de recuperação industrial ou pós industrial, com eventual regresso de empresas que foram deslocadas para países estrangeiros.

Ou seja, em termos de economia burguesa, falar em proteccionismo. Tal aposta irá colidir com uma política de exportação, essencial para a expansão imperialista norte-americana.

Colidirá tal política com os tratados comerciais internacionais. Para os pôr em causa, uma eventual administração Trump, se for eleita, terá de desarticular os grandes espaços comerciais internacionais concorrenciais, em particular os elos mais fracos , em termos de segurança castrense, nomeadamente, a União Europeia, e o MERCOSUL.

Estará a saída do Reino Unido da UE inserida  nessa estratégia da grande burguesia norte-americana? E a tentativa de desintegração do MERCOSUL, a partir da Argentina, do Brasil e da Venezuela seguirá já essa estratégia?

Se tal suceder, o regresso do «proteccionismo» acirrará as contradições inter-imperialistas.

O que em termos práticos, a médio prazo, significará guerra.