sábado, 26 de dezembro de 2015

PAPA FRANCISCO: «AS ATROZES ACÇÕES TERRORISTAS» DOS OUTROS

1 –  Comovente, exclamam, embevecidos os crentes de seita, sobre as declarações do papa católico Francisco inseridas na sua mensagem de Natal, dia 25, que denunciou «as atrozes acções terroristas» e «a destruição do património histórico e cultural de povos inteiros».

Escusado será dizer que este coro é ampliado pelos grandes meios de comunicação social do chamado Ocidente, incluindo os piedosos portugueses.

O mesmo Francisco que lançou, na mesma ocasião, um apelo a favor das pessoas que fogem da miséria e dos conflitos e pediu, santeiramente, «abundantes benções para todos aqueles, quer sejam cidadãos e Estados, se empenham com generosidade a socorrer e acolher os numerosos migrantes e refugiados (...), ajudando-os a se integrar».

Claro que nesta ajuda desinteressada não contempla o Estado da Santa Sé, nem o dinheiro de um poço sem fundo que mergulha no sistema financeiro controlado pelo Vaticano. 

2 – Estarrecedor é o lado negro dos negócios terrenos armamentistas do Papado romano, lado esse que os santeiros vaticanistas, embrulhados na metafísica da religião boazinha, procuram fazer esquecer nas mentes dos +pecadores+, mas não deixam de engordar, sorrateiramente, à custa das «atrozes acções terroristas».

Os aviões de guerra da Finmeccamica

Desde os finais dos anos 50 do século passado, o Vaticano é o accionista de referência do grupo Finmeccanica, um mega-empreendimento industrial do armamento italiano, que se expande por todo o mundo. (Ver Nino Lo Bello, o empório do Vaticano, 1968).

Hoje, o grupo Finmeccanica enquadra os ramos da aeronautica /Alenia Aermacchi, ATR (50%), SuperJet International (51%), Eurofighter GmbH (21%)/; helicópteros /AgustaWestland, NHIndustries (32%), HeliVert (50%), Jiangxi Changhe-Agusta Helicopter (40%), Libyan Italian Advanced Technology (25%)/; espaço / Telespazio (67%), Thales Alenia Space (33%),NGL Prime (30%)/; defesa e segurança, /DRS Technologies, Selex ES, Eurotech/; sistemas de defesa /Oto MelaraWhitehead Sistemi Subacquei, EuroTorp,MBDA (25%), Eurosam (33%), EuroSysNav (50%)/; transporte e construção/  AnsaldoBreda, Ansaldo STS (40%), BredaMenarinibus), FATA/.

A empresa tem escritórios em mais de 100 países.

É a terceira maior holding europeia de material militar, logo após a BAE Systems, do Reino Unido e Airbus, da França.


Esses interesses pela indústria do armamento atravessam o Atlântico e estão nos Estados Unidos da América, onde a estrutura accionista das empresas Boeing, Lochheed, Douglas e Curtis Wright tem uma percentagem significativa da Santa Sé (Ver Avro Manhattan, em *The Vatican Billions*).




terça-feira, 22 de dezembro de 2015

BANIF: PORQUE NÃO A NACIONALIZAÇÃO OU A FALÊNCIA?

1 – Nos últimos dias, *a salvação* do banco BANIF está na ordem do dia da comunicação social portuguesa.

O actual primeiro-ministro, António Costa, em declarações  solenes de pose, na noite de segunda-feira, afirmou mesmo, no final de uma reunião entre os seus ministros e, eventualmente, banqueiros (não sabemos com que se encontrou, pois não explicou): salvar a actividade do BANIF exigiu o avanço de mais de 2,25 mil milhões de euros, dos quais 1,76 mil milhões chegam directamente pelo Estado, o que vai elevar para 2,4 milhões de euros a factura passada aos contribuintes (DN 20 Dez).

Mas qual a pressa em *salvar* o BANIF?.

O *interesse público*, preconizado pelo actual governo?.

Balelas.

A questão é, pois, a *salvação* do capital financeiro. Não só português, mas acima de tudo europeu.

E não venham com argumentos do «mal menor» e das restrições provindas de Bruxelas.

Lá, como cá, o que se deve por em causa é o domínio do lumpen grande capital financeiro especulador. 

2 – O que este processo de «salvação» bancária veio mostrar à saciedade, ao longo destes últimos anos, é que o domínio do poder político está nas mãos de um sector específico da grande burguesia: a financeira.

E o actual governo se realmente estivesse interessado em colocar em marcha uma verdadeira política de esquerda, não submissa ao capitalismo de Bruxelas, colocaria apenas uma de duas hipóteses: ou nacionalizava o BANIF e, em seguida, o Novo Banco, ou deixava que o primeiro ficasse entregue ao seu destino, sem recapitalização, o que levaria aquele capitalismo a inverter toda a sua arrogância perante o Estado.

E colocaria os tiranetes de Bruxelas no seu devido lugar.

Certo. Mas quem emprestaria depois o dinheiro? Questionariam os habituais propagandistas do poder capitalista.

O actual governo, se quisesse comportar-se como anti-capitalista, com os próprios partidos ditos de «esquerda» que o suportam, tinham a seu favor a força dada pelo capital político que ganharam: teriam de actuar, pois, em posição de força e, se assim fizessem, obrigariam a burguesia financeira, para sobreviver no mínimo, a reforçar os bancos públicos, e deste modo, a reforçar o controlo estatal de todo o sistema bancário.

Como não vão fazer isso, terão de se submeter aos ditames do poder dominante. 

O défice publico vai aumentar, os impostos e taxas sobre os trabalhadores vão crescer.

E se tal ocorrer o sonho de um «governo de esquerda» transformar-se num pesadelo semelhante ao da Grécia actual.




sábado, 19 de dezembro de 2015

FRANÇA: A FRENTE NACIONAL É UM PARTIDO CAPITALISTA, NÃO UM ABCESSO EM DEMOCRACIA

1 – As cabeças bem pensantes da Europa ficaram sideradas com a possibilidade de o partido fascista francês Front Nationale (FN) vir a ser a formação dominante em vários governos regionais daquele país, após os resultados eleitorais do passado domingo.

Pateticamente, o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, acenou com o espantalho da guerra civil no caso de vitória do FN, como se essa ilustre personagem – e a direcção do seu partido - se fosse colocar na primeira linha de combate contra o avanço eleitoral da Front Nationale.

Os políticos instalados nos diferentes países da União Europeia sabem – e muito bem – que o incremento do fascismo, que está a medrar por via eleitoral, não é produto de um *acidente* que está a ocorrer em França, mas instalou-se no próprio aparelho de Estado dos mesmos países, com a própria cumplicidade de senhores *socialistas*, como Manuel Valls.

Meses atrás, na Polónia, um partido abertamente fascista, anti-europeista, fervorosamente fanático reaccionário católico e xenófobo, como «Lei e Justiça», do discípulo do falecido Papa João Paulo II (convém não esquecer este facto) o ex-primeiro-ministro Jarosław Kaczyński, ganhou as eleições legislativas, com maioria absoluta, sem qualquer contestações institucional de envergadura.  Nem do senhor Valls.

A liderança do Partido Lei e Justiça

Aliás, além do citado, a vida política polaca é, ainda, dominada por vários partidos reaccionários católicos capitalistas, que procuram tornar clandestina qualquer formação política que se intitule anti-capitalista.
Igualmente, na Finlândia, é um partido fascista que lidera o governo os «Verdadeiros Finlandeses», em aliança com os capitalistas conservadores.

Na Letónia, também o partido fascista «Aliança Nacional» faz parte da coligação com dois partidos conservadores «Unidade» e «União dos Verdes e dos Agricultores».

2 – A questão que se põe é esta: aparecem os partidos fascistas do nada, para serem +mauzinhos+?

Os partidos surgem da sociedade e representam interesses classistas ou de fracções de classes da mesma.

Desde que o capitalismo ganhou foros de cidadania plena, com a grande industrialização mundial depois da I Grande Guerra, que se estendeu, principalmente, para a América do Norte, as crises que o acompanha tornaram-se cada vez mais frequentes, mas também, nas últimas décadas, em tempos sempre mais curtos. E acima de tudo, elas são mais profundas.

No estertor final da I Grande Guerra, confrontado com a vitória da Revolução Soviética em Outubro de 1917, o capitalismo enfrentava um novo modelo de sociedade, que a vingar e a estender-se, à parte europeia mais industrial e produtiva, o poderia destruir rapidamente.

E agiu, rapidamente, em duas direcções:

O financiamento de uma coligação armada poderosa, que destruiu, em grande parte, a estrutura produtiva incipiente do novo país nascente, que se veio a chamar União Soviética;

o apoio financeiro classista e incitamento à formação de partidos e formações políticas abertamente reaccionárias em países, como Alemanha, França, Espanha, Itália, Portugal, Hungria e Roménia.


Partido Nacional Socialistas dos Trabalhadores Alemães em 1922

Os partidos fascistas não se apresentam perante as sociedades como formações adeptas abertas de uma intervenção violenta a favor do capitalismo.

Pelo contrário, em palavras até se dizem anti-capitalistas.

Com propostas de intervenção política diferenciada, por vezes, aparentemente incoerentes, mas assentes em objectivos precisos: impedir o ascenso do «socialismo e comunismo», formar «Estados fortes», «acabar com a luta de classes», militarizar a sociedade.

Assim sucedeu com o partido fascista de Mussolini, ou o partido nazi de Hitler, ou com a falange espanhola, que alçou Franco ao poder.

3 – Historicamente, desde as primeiras décadas do século passado, o ascenso dos partidos fascistas está ligado às profundas crises que o capitalismo atravessa.

Enquanto o desenvolvimento capitalista flue, normalmente, nas suas transações de mercado, levando a uma expansão sem sobressaltos, a sua gestão política é assegurada, com sucesso, por entidades partidárias «socialistas», «sociais democratas» ou mesmo «conservadoras democratas».

É, pois, nos períodos de estagnação capitalista, em alturas que a possibilidade de se abrir vias de mudanças políticas profundas, mesmo revolucionárias, que o capital usa as suas entidades políticas extremas para conseguir manter o seu domínio.

Não se coíbe, portanto, para tal, de fomentar a militarização da sociedade, como sucedeu com a Alemanha nazi, a Itália fascista ou o Japão monárquico-medieval de 1939.

Hoje, a situação torna-se mais grave para o sistema capitalista.

As forças produtivas que se agigantaram nas últimas décadas estão em fase de travagem pelas relações de produção existentes.

A crise financeira de 2007, iniciada nos Estados Unidos da América, veio mostrar qual profunda era a crise económica e social mundial nos dias de hoje. É problema que se alonga pela Europa, pela Rússia, China, Brasil.

Perpassa pelos diferentes continente, onde a capacidade de mercadejar está em concorrência inaudita entre potências: umas que se afundam, caso dos EUA, outras que pretendem ocupar o seu lugar, como Rússia e a China.

Ora, tudo isto sucede dentro de um quadro económico extremamente preocupante e explosivo: os índices de desemprego são astronómicos e cada vez mais permanente.

A técnica e a ciência que se desenvolvem estão a fazer-se com menos emprego, cada vez menos, e mais degradante.

As sociedades estão em crise continuada de superprodução, sem escoamento mercantil.

O capitalismo está a ter a percepção que a encruzilhada não está a desaparecer.

4 – Voltemos à Frente Nacional.

Como vai ganhando espaço político?: Afirma-se em luta contra o sistema existente, embora, como lhe convém, seja ambígua sobre a forma real de poder que pretende.

Adopta um vago «nacionalismo», explora as contradições entre trabalhadores que já trabalham e aqueles +estrangeiros+ que procuram melhoria da sua vida.



São firmemente contra o «socialismo» e o «comunismo» que procura identificar com o capitalismo de Estado da antiga era soviética russa e o da actual República chinesa.

Mas, acima de tudo, propagandeiam a necessidade de *solidariedade nacional*, a favor de impostos baixos.

A FN diz-se ainda favorável à simplificação fiscal, e, afirma mesmo defender impostos para mais ricos, entre outros itens.

Ou seja, aparentemente, se isoladas do seu contexto de poder, poderiam ser subscritas por um partido de revolução.

A questão está, pois, aqui: não existem partidos a propor um poder revolucionário, mas a defender a vacuidade de uma democracia dentro do actual sistema.




domingo, 13 de dezembro de 2015

SÍRIA: LUTA CONTRA O TERRORISMO OU PELA NOVA REPARTIÇÃO DO MÉDIO-ORIENTE?

1 – O Médio-Oriente está a ferro e fogo.
Nunca uma região fora da Europa, teve até agora uma tal concentração de poder de fogo em actividade permanente.

Fala-se em liberdade. Em luta contra o terrorismo. Em defesa do *mundo ocidental*, em jihad islâmica, em luta *contra os cruzados* cristãos.

Tudo muito retórico, muito palavroso, mas esquece-se o que, realmente, está em jogo:
As riquezas naturais, ou seja, a economia.


A partir do início deste século, com a decadência económica e política dos Estados Unidos da América, pondo em causa sua a supremacia imperial, com o surgimento de potências emergentes concorrenciais, nomeadamente a Rússia e China, exacerbaram-se contradições.

Ainda como superpotência militar única, os EUA, desprezando e aviltando os direitos e interesses dos povos, impuseram a lei da violência desabrida, desde o Iraque ao Afeganistão, passando pelo Paquistão, o Sudão e Iémen.

Desprezaram fronteiras, interesses nacionais, os aerópagos internacionais, como a ONU, transformaram a NATO, em força castrense de confronto permanente com a Rússia, desde a desagregação da antiga Jugoslávia e a integração forçada, na órbita daquela estrutura, dos antigos países do Leste, saídos do Pacto de Varsóvia, o que levou Moscovo a desencadear uma militarização desenfreada.

2 – A violência constante sobre os povos muçulmanos, a exploração continuada das riquezas dos seus países, fizeram desabrochar sentimentos nacionais, e mesmo libertadores, que não foram organizados em torno de concepções de progresso, mesmo revolucionárias.

Para tal óbice esteve o facto de uma grande parte dos sistemas políticos existentes em alguns países do Médio-Oriente se pautarem, então, por programas de poder reaccionário que diziam ser de *socialismo* pan-árabe.

Nesse sentido, a ânsia de libertação foi acolhida pelos apologistas do wahadismo, o islamismo pretensamente asceta e puro das convições dos *tempos do profeta* Maomé, que a Árabia Saudita financia e protege.

E que começou a ser posto em prática no Afeganistão com a Al-Qaeda, apoiada e enquadrada pelos EUA, que organizaram as forças militares dos enaltecidos +muajadins+, como «combatentes da liberdade», em luta contra os *infiéis ateus* dos tempos da União Soviética.

A destruição da URSS provocou uma desarticulação produtiva interna e também política (14 novos Estados separam-se) naquela antiga União estatal, com o consequente enfraquecimento da sua tecnologia militar.

Com esta situação criada, os EUA arrogaram-se em potência «líder mundial», procurado tornar-se suserano, sem contestação, da nova geopolítica.

Segundo o Comando da Frota dos EUA no Pacífico, 49 navios de superfície, seis submarinos, mais de 200 aeronaves e 25.000 tropas dos 22 países participaram do exercício neste ano.

Olharam com supremacia dominadora para os diferentes Estados, desprezaram, ainda mais, o mais tímido assomo de erguer a cabeça em torno das nacionalidades humilhadas. 

Espezinharam-na mesmo.

Dez anos depois do fim da URSS, uma nova liderança do país iniciou um processo de restauração económica e reforço da sua indústria castrense. Com uma visão, também, de restauração do antigo império.

Outros grandes Estados, como a China, fizeram uma caminhada enorme no desenvolvimento produtivo económico.

Potências regionais do Médio-Oriente fortemente hostilizados pelos Estados Unidos, caso do Irão, iniciaram, pela mesma altura, uma marcha forçada na evolução económica e militar nacional.

Depois da sangrenta invasão do Iraque, quer a Rússia, quer a China, quer o Irão, tinha a perfeita noção que os EUA iriam continuar a senda do imperialismo unilateral desesperado.

(As informações que apareciam de figuras ligadas à cúpula político-militar de Washington apontavam para isso. Caso do general Wesley Clark, um ex-comandante-chefe da NATO e director do Gabinete de Estratégia e Política, que escreveu no seu livro «Winning Modern Wars» que a Administração norte-americana, após o Iraque já tinha planos para atacar mais seis países: a Síria, o Líbano, a Líbia, o Irão, a Somália e o Sudão).


Começaram a esboçar uma parceria geoestratégica, que se iniciou pela economia e prossegue, actualmente, na esfera militar, inclusive operacional.

O aparecimento, em força, do chamado Estado Islâmico na Síria e no Iraque, com as ramificações líbias, egípcias e tunisinas, e, no presente, Afeganistão, deu-se no seguimento da estagnação diante do Estado sírio das chamadas «Primaveras Árabes».

(Curiosamente, nasceu em Alepo, uma cidade síria muito próxima da fronteira turca).

A queda de regimes ditatoriais no Magreb e em certos países do Médio-Oriente teve, pois, um objectivo estratégico que envolveu uma parceria entre uma superpotência, os EUA, e uma potência regional, Arábia Saudita, que produzia a ideologia político-religiosa pan-árabe, o wahabismo, e uma outra, a Turquia, submissas, ambas, aos ditames de Washington, mas com ambições próprias.

E desenrola-se, igualmente, numa altura em que o papel dos EUA, como entidade superpoderosa, minada por um militarismo sem freio, que lhe corrói uma economia, outrora pujante, também ela atravessada pela retracção e por uma crise profunda, não pode ser desempenhado pelos seus próprios e únicos exclusivos meios de *manu militari*.

3 – Regressamos, portanto, à Síria.

A Rússia avançou pelo meio da fraqueza norte-americana e parece estar a impor-se. Está a trazer aliados, mais consequentes ou mais fluidos.

Ao que estamos a assistir é que as diferentes potências estão a estropiar e estilhaçar todos os interesses nacionais do Estados estabelecidos.

Combater o Estado Islâmico?

Uma ova. Repartir por zonas de influência. O Estado Islâmico fica, justamente, na *fatia* dos EUA.

A questão é o petróleo e o gás e a respectiva estratégica geo-política.

O terrorismo é a arma dos vários potentados – mundiais e regionais – para servir os interesses imperialistas.

Naturalmente, a pacificação do Médio-Oriente tem de ser conquistada, em primeiro lugar, pelas populações locais, mas destruindo igualmente os tiranetes internos que enxameiam esses países.

Em segundo, com o afastamento da região – ou melhor dizendo a contenção – dos apetites imperialistas estrangeiros.

Na situação actual, todavia, o desfecho terá de passar necessariamente pelo resultado do confronto que está a envolver os que pretendem, no imediato, o seu retalhamento.


Se a estratégia da parceria Rússia, Irão, e em menor grau da China, vingar, Moscovo passará a potência dirigente não só do espaço em confronto, mas também da Europa, pois a unidade em torno da NATO está a fragmentar-se desde o conflito ucraniano.

domingo, 6 de dezembro de 2015

A CARIDADEZINHA DO SENHOR ZUCKERBERG

1 –  Na passada terça-feira, o casal norte-americano Marx Zuckerberg e Priscilla, principais accionistas da empresa multinacional Google, tornou público, ao anunciar o nascimento da sua filha, que iria constituir uma organização, com as acções da sua firma, para *promover o potencial humano* e *a igualdade*.

A comunicação social norte-americana ligada a Wall Street lançou logo uma campanha de propaganda mundial, sustentando que o casal capitalista multimilionário iria despojar-se da sua enorme fortuna para *fins de caridade*.

As fontes de ressonância jornalísticas ocidentais, incluindo as portuguesas, ampliaram a dose propagandística.

Todavia esta é a mensagem que Wall Street quis manter, apesar de alguns artigos de jornais – alguns vindos em páginas secundárias – desmistificarem o embuste do grande capital.

A realidade e, vamos apenas referir um artigo saído no jornal Público esta semana: «Ao contrário do que foi noticiado um pouco por todo o mundo na terça-feira a Chan Zuckerberg não vai distribuir dinheiro por instituições de caridade, nem é ela própria uma fundação ou organização sem fins lucrativos – foi criada como uma empresa de responsabilidade limitada, e, isso diz muito sobre as anteriores más experiências de Mark Zuckerberg no mundo da filantropia e sobre a emergência de uma nova classe de jovens multimilionários nascidos no universo das empresas de tecnologia».

Prossegue o jornal: «Ao criarem uma empresa de responsabilidade limitada, Marx e Priscilla têm muito mais margem de manobra para gerir o dinheiro ganho com as suas acções do Facebook e agora destinado à filantropia – podem investir em empresas privadas e influenciar as decisões políticas através de grupo de pressões, por exemplo, que são instrumentos fora do alcance das organizações sem fins lucrativos».

Ou seja, embolsam mais dinheiro, fugindo ao fisco e aos impostos. Tornando-se gatunos piedosos. Um embuste *generosamente* capitalista.

2 – A denúncia não é nova, todavia, mas continua a ser encoberta pelos grandes meios de comunicação social, que procuram dar a imagem *caridosa* dos bons milionários que se interessam pelo bem-estar dos explorados.

«Criticar, porquê? Eles ganham muito dinheiro, mas também destinam uma parte aos seus semelhantes», eis o tipo de argumentação usada para fazer obscurecer a verdadeira prática desses *bons samaritanos* que constituem hoje a guarda avançada do lumpen capital financeiro internacional.

Bill Gates, o senhor da Microsoft, uma das maiores empresas capitalistas multinacionais da alta tecnologia, sediada nos Estados Unidos, apareceu, nos últimos anos, endeusado como uma espécie de mecenas do *terceiro mundo*.

Aliás, dias atrás, subiu aos palcos da chamada Cimeira do Clima, onde dominam os capitalistas e os seus representantes governamentais, desde os EUA à China, passando pela UE, Rússia, China e outros, que decorre em Paris, como *estrela* de primeira grandeza como combate à poluição que está a destruir a Terra.


A realidade: Em 2007, o jornal norte-americano Los Angeles Times publicou uma reportagem considerada *explosiva*, onde sublinhava que a Fundação Gates (as fundações sem fins lucrativos !!!...) utilizava os milhões de milhões de dólares que transferia para a citada instituição de *caridade*, sem ter de pagar impostos, para investi-los em empresas, todas elas altamente poluidoras ou que semeavam doenças – com a produção de alimentos - aos camponeses do *terceiro mundo*.

Na sequência dessa reportagem, veio a saber-se por outros relatos que a fundação Gates estava a investir em multinacionais de armamento, em proliferação de prisões privadas nos EUA, e cadeias de empresas de *alimentos rápidos*, entre outros.

Em 2013, veio à luz uma denúncia, que especificava os investimentos da Fundação nas empresas petrolíferas.

Na Exxon – 662 milhões de dólares; GEO, empresa de gestão de prisões privadas 2,2 milhões de dólares.

Mas, igualmente, na Wallmart, empresa com uma desmesurada exploração de trabalho escravo –mil milhões de dólares.

Ou na multinacional agro-industrial Monsanto,que explora a produção agrícola sem freio na Etiópia, Uganda – 23 milhões.

A utilização da *caridade* para fins de engrossamento das suas contas bancárias não é exclusivo dos grandes magnates, mas também de «personalidades» do mundo do espectáculo, como o festejado cantor irlandês Bono, do grupo U-2, que regularmente aparece como apoiante das +causas populares+ em reuniões mega-capitalistas como Davos.

A sua fundação de nome ONE recebe mais de 90 por cento do dinheiro vindos de doações

3 – Mas, haverá questões que se colocarão: 
Certo é caridade. Todavia, o valor que eles destinam à saúde, à investigação à saúde em diferentes locais do planeta servem a melhoria de vida de milhares e milhares de pessoas.

A realidade é outra: a tremenda fuga aos impostos destes lumpen capitalistas ultrapassa, na realidade, os míseros valores que destinam à caridade.


A sua apropriação individual da riqueza produzida não se destina, realmente, a favorecer a luta contra a desigualdade, mas sim a semear, por caminhos cheios de mortes e destruições, mais lucros, mais exploração, mais dinheiro, que não entra nos cofres do Estado.  

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

GOVERNO PS: PODE BAIXAR A DÍVIDA PÚBLICA SEM TAXAR OS CAPITALISTAS?

1 – O processo que antecedeu a formação do novo governo português (XX executivo constitucional), formado pelo Partido Socialista (PS), teve um cenário político digno de uma ópera bufa.

A 4 de Outubro passado, realizaram-se eleições legislativas em Portugal para formar a composição da nova Assembleia da República, de cujo conjunto de deputados sai o apoio ao futuro governo, bem como ao seu programa, sendo que a indigitação do primeiro-ministro cabe ao Chefe de Estado nos termos constitucionais.

Os resultados eleitorais deram a uma coligação constituída pelo Partido Social-Democrata (PSD) e Centro Democrático Social (CDS), denominada P´ra Frente Portugal (PAF), o maior número de votos, seguida do PS, Bloco de Esquerda (BE) e a coligação CDU, que enquadra o Partido Comunista Português (PCP), e um partido satélite daquele, chamado Partido Ecologista Os Verdes, PEV.

Todavia, a coligação PAF não conseguiu a maioria absoluta de votos na Assembleia.
O PS entabulou negociações com o BE e o PCP e o PEV para estabelecer um acordo imediato de governação, sendo que esses quatro partidos assinaram documentos para o fim a que se propuseram. Tornaram-se, deste modo, a formação maioritária parlamentar constitucional.

2 – Porque, então, todo o frenesim patético, mas ameaçador, do Presidente da República, dos dois partidos afastados do poder, do patronato, dos economistas do regime, de alguns dirigentes e deputados do próprio PS, bem como um secretário-geral de uma organização que se diz sindical, a UGT, sobre um novo arranjo governamental que se realizou dentro do sistema parlamentar e dentro das suas regras constitucionais?

Com o regime saído do 25 de Novembro de 1975, e, de maneira evidente a partir da privatização da banca e dos seguros, a grande burguesia financeira iniciou um processo de restabelecimento do seu domínio.

O primeiro impulso foi dado pela submissão dos governos do PS, em coligação com o CDS e depois com o PSD, sob a liderança de Mário Soares, aos ditames dessa grande burguesia financeira.

O domínio total foi forjado pelos governos do PSD, com Cavaco Silva primeiro-ministro e alicerçado, em crescendo, com os executivos de António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates.

O governo de Passos Coelho e Paulo Portas foi o representante mais acirrado da vassalagem ao sistema financeiro de toda a estrutura produtiva do país.


Esta governação teve o condão de colocar na oposição todos os sectores da burguesia não dominante que foram totalmente marginalizados.

E que, em grande medida, engrossaram, ao longo dos quatro anos, o coro de manifestações e protestos organizados pelas classes trabalhadoras.

A grande burguesia financeira enquistou-se de tal maneira no poder político que, nestes últimos quatro anos, todos os processos de privatização foram entregues, de mão beijada, a esse capital, bem como o Estado retirou grande parte da riqueza nacional para recapitalizar os bancos (em 2012, o então ministro Gaspar anunciou os valores de 1.650 milhões para CGD, três mil milhões para BCP, 1,5 mil milhões para BPI); os *incentivos* fiscais às empresas ultrapassaram os mil milhões de euros. (Só em 2013, o executivo gastou 1,042 mil milhões. Diário Económico, 06/11/2014).

Dois bancos falidos, BPN e BPP, custaram ao Estado – logo aos portugueses trabalhadores – 2,7 mil milhões de euros (Tribunal de Contas) e 450 milhões de euros, respectivamente.

O Jornal de Negócios noticiava, em 17/09/2015 que cada português pagou cerca de 2.000 euros para *salvar os bancos*.

Ora, a nova maioria parlamentar, que sustenta o governo de António Costa, representa uma mudança na relação de forças entre um sector da grande burguesia que o PS representa e facções da média e pequena burguesia (BE e PCP), em parceria amorfa com as classes trabalhadoras, que pretendem impor pequenas reformas do sistema financeiro e fiscal que atingem ainda sem grande efeito, mas se consolidadas, uma parte da fonte da riqueza actual da grande burguesia financeira. Por exemplo, o financiamento da segurança social.

E, acima de tudo, porque esse rearranjo de governação poderá ter implicações na luta política em toda a União Europeia.

3 – Ao romper com a política dita de austeridade dos executivos submissos ao capital financeiro, o governo PS vai-se confrontar com a realidade política.

Para não ficar amarrado à austeridade que diz repudiar, com um peso crescente do défice público, o executivo de António Costa terá ir buscar dinheiro ao lado do capital.

Mas, como o poderá fazer, se, desde a sua indigitação como primeiro-ministro faz malabarismos para agradar à grande burguesia interna, e, principalmente europeia, através dos seus representantes políticos nas instituições da UE?



O equilíbrio das contas públicas passa por evitar a subida das dívidas do Estado e isso somente se pode fazer, no momento presente, pela taxação das classes ricas.

Todo o que sucedeu, ao longo destes anos, foi, exactamente, o contrário: os explorados foram taxados e mais taxados de impostos e roubados até ao tutano nos seus salários e pensões.

Ora, para restringir o endividamento crescente do Estado ter-se-á de limitar o papel da especulação bolsista, os lucros fabulosos dos bancos e das grandes empresas capitalistas, a restrição do aparelho supérfluo estatal (institutos, despesas militares e paramilitares, administrações de serviços e empresas públicos, etc).

Ora, esta orientação não poderá ser eficaz, se ficar isolada de uma idêntica perspectiva para a UE.

Significa isto que se terá de procurar aliados e estender a luta política a todo o espaço europeu. Ou seja atingir ali os interesses dominantes.


sábado, 28 de novembro de 2015

QUEM SÃO OS CRIADORES DO ESTADO ISLÂMICO?

1 – Um avião comercial russo despenhou-se, há cerca de um mês, no Sinai, Egipto, morrendo 224 pessoas, devido a um atentado, que foi reivindicado por um grupo denominado Al-Qaeda, que é o ramo local da Irmandande Muçulmana egípcia.

Na terça-feira passada, um avião militar russo foi abatido junto à fronteira turco-síria por um caça F-16 da Turquia, sob a alegação de que voou em território turco. A Turquia é governada por um partido islamista radical, identificado, tal como a Irmandade Muçulmana, com o wahbadismo proveniente da Arábia Saudita.

Mas, antes, dia 12, já houvera atentados sangrentos (43 mortos) na capital libanesa Tripoli, numa área de controlo do Hezbollá, a que se seguiram um hotel no Sinai (Egipto) e um atentado em Tunis, Tunísia, com 12 mortos, polícias da guarda presidencial. Sempre em nome do EI ou da sua cara-metade Al Qaeda.

Em plena campanha eleitoral turca, que veio a dar a maioria governamental, ao líder islamista Recip Erdogan, foi realizado um brutal atentado em Istambul, (cerca de 100 mortos), mas, estranhamente, contra os apoiantes do partido secular HDP que integra, essencialmente, a população étnica curda do país. 

Também aqui houve uma reivindicação do EI, mas quem a oficializou foi o próprio Erdogan, depois de ter procurado acusar um partido pró-curdo, ilegalizado, o PKK. 

Nihil obstat, diria o Papa católico...

A 13 de Novembro, ocorreram vários atentados em Paris, que provocaram 130 mortos e centenas de feridos, reivindicado pelo EI, sendo que os seus executantes, na sua maioria, foram cidadãos franceses e belgas, segundo fontes oficiais, acrescentando um vago: foram planeados longe.

De repente, o Chefe de Estado francês, François Hollande, considerou que o seu país estava *em guerra*, situação esta que se estendeu, em pouco tempo, à Bélgica e à Alemanha, com repercussões imediatas nos restantes países da União Europeia, que não os mais recentes de Leste, o que temos de classificar como *curiosidade*.

Não sabiam os EUA e a UE que o fluxo de homens para as fileiras e treino, bem como toda a logística, em bens e armamento, do EI, no interior da Síria somente se podia (e pode processar) através das fronteiras com a Turquia, Jordânia e Israel?

E que todo esse movimento era, tacitamente, autorizado por aquelas potências, incluindo o seu regresso aos países da UE? 

Não é do conhecimento público que os campos de treino e de retaguarda dos chamados «rebeldes» opositores do regime da Síria se situam, justamente, na Turquia, Jordânia e Israel?

E, finalmente, a Turquia atrever-se-ia a abater o avião militar russo, se não tivesse as costas quentes ou até o assentimento da parte dos Estados Unidos?

A Síria está rodeada de fronteiras de países que favorecem o EI

2 – A política de violência desenfreada do chamado Estado Islâmico não nasce, por acaso, fora do chamado *mundo ocidental*,  nem foi planeada +algures+ no Médio-Oriente, por obra e graça do espírito santo.



Senator John McCain with ISIS Chief Abu Bakr Al-Baghdadi (circled left) and terrorist Muahmmad Noor (circled right).
O senador John McCain, responsável pela Comissão dos Serviços Secretos do Senado, com líderes jihadistas. À direita, al Bahagadi, à esquerda, Mohammad Noor, ambos assinalados.

Recuemos um pouco.

A desagregação da antiga União Soviética, após a renúncia de Mikhail Gorbatchov à Presidência da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e de secretário-geral do PCUS (Partido Comunista da União Soviética) leva a um frenesim de ascenso imperialista no Mundo por parte dos Estados Unidos da América, e a cumplicidade abjecta das oligarquias políticas e económicas, ainda hoje dominantes, na União Europeia.

Esse frenesim, num julgamento apressado de que o domínio total do Mundo seria a realidade do sistema financeiro de Wall Street, levou Washington a apostar no apoio à fragmentação, explosiva e sanguenta, da Jugoslávia, por nacionalidades e grupos étnicos, um processo iniciado, de maneira difusa, em 1990.

Impulsionou então, de maneira aberta e sem qualquer rebuço ou preocupação de consultar os povos locais sobre os seus interesses nacionais, em fazer avançar a máquina militar da NATO (directa ou indirectamente), não só sobre os países do leste europeu, que se sacudiram do Pacto de Varsónia e da suserania da ex-URSS, mas igualmente como sucedeu em 1990, no Iraque, em 2001 no Afeganistão e 2003, novamente, no Iraque, e, posteriormente, na Síria, depois de se imiscuir em todo o Magreb, a pretexto das chamadas *primaveras árabes*.

Tudo isto, com a conivência total e a incapacidade dos dirigentes mais abjectos e senis, não só da UE, mas também do próprio Médio-Oriente e do Extremo-Oriente.

Incluindo, numa primeira fase, as classes dirigentes da Federação Russa e China, que, em nome do *realismo* sucumbiram às suas dificuldades económicas, políticas e militares.

Ora, toda esta situação não podia continuar, nem, mesmo, ter uma duração mais dilatada.

Em primeiro lugar, devido à deterioração crescente interna da economia norte-americana, cuja visibilidade surgiu na crise bolsista de 2001, e que provocou uma recessão enorme e o aumento exponencial do desemprego. 

A crise financeira de 2007 agravou o afundamento económico.

Aliado a estes revezes, somaram-se os custos astronómicos do militarismo desenfreado, com derrotas sucessivas no Iraque e Afeganistão, e, o impasse evidente na Síria.

O retrocesso do seu dispositivo operacional castrense reflectiu-se nas suas fraquezas geo-políticas actuais.

Em segundo lugar, o ressurgimento de *frentes* concorrenciais na hegemonia de grande potência económica e militar.

A que mais preocupou a oligarquia norte-americana, na entrada do século XX, foi a pujança comercial da UE, erigida, então, a principal potência comercial do mundo, e, acima de tudo, a capacidade que a moeda europeia começou a adquirir nas trocas internacionais, pondo em causa a hegemonia do dólar.

Daí, os ataques sistemáticos à unidade europeia -elo fraco -, forçados, abertamente, desde a crise de 2007.

Em terceiro, o renascimento, por um lado, da potência militar russa interventora, depois da crise política e económica subsequente à destruição da ex-URSS, por outro, o incremento da China, como potência económica mundial e a sua militarização acelerada em crescendo.

Este avanço de potências capitalistas concorrentes, em ascensão, em confronto directo com a potência, económica, política e militar, ainda em supremacia, mas ferida por uma decadência que se acentua, exige que se construam, cada vez mais, grandes espaços territoriais assentes em poderes estatais consolidados e livres de entraves conflituosos, que prejudicam um maior enquadramento negocial comercial internacional.

Ora, a intervenção imperial actual norte-americana, decadente e desesperada, cria desmembramentos de Estados, procura recriar novas estruturas neo-coloniais, de carácter quase feudal e de retrocesso civilizacional.

Em quarto lugar, o menosprezo pelos interesses dos povos e a sua exploração sem freio em que a auto-elogiada intervenção em nome da «segurança nacional» e o seu desígnio messiânico de imposição dos «direitos humanos» e a democracia sob a égide norte-americana, conduziu à formação de grupos e partidos, particularmente no Médio-Oriente, de inspiração nacional e libertadora.

Todos eles inspirados e organizados, sob a cobertura da ideologia religiosa, no caso em apreço, pelo sunismo wahbadista que enquadra um visão imperial de submissão política religiosa.

Aproveitando esta orientação, os Estados religiosos do Golfo de ideologia wahabadista, como Árabia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Barein, Omã, principalmente o primeiro, financiaram e impulsionaram as formações fundamentalistas da al Qaeda, Frente al Nusra e Estado Islâmico, com o controlo político e militar dos Estados Unidos.

Estes, desde a invasão do Afeganistão pela antiga US, formataram, organizaram e financiaram, em estreita ligação com a monarquia saudita, a primeira formação político-militar sunita wahbadista, a Al Qaeda, para ser a *tropa de choque* da sua estratégia geopolítica no Médio-Oriente, e, posteriormente, em África e no Magreb.

Na África do norte, o wahadismo procurou impor-se, primeiro na Argélia, sem o conseguir, apesar de uma guerra civil mortífera e prolongada, e, posteriormente, com as chamadas *primaveras árabes*, através da implantação da al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQIM), que hoje, sem preocupações, dizem «obedecer» ao Estado Islâmico.

Na África, a sul do Magreb, o wahbadismo espalhou-se pela *missionação* de organizações não governamentais sauditas, como a Liga Mundial, a Assembléia Mundial da Juventude Islâmica e a Federação de Mab, de onde foi emanados grupos, como o Boko Haram.

Os chefes das principais organizações, como o EI e a AQIM, são elementos que passaram pelas
mãos da CIA, serviços secretos norte-americanos. 

Abu Bakr al-Bagdadi, que se auto-intitula califa do EI, é um iraquiano, que esteve quatro anos num campo de internamento norte-americano e que foi *solto* após uma *reeducação* à mão dos agentes americanos. Em poucos meses, juntou a chamada al Qaeda do Iraque com a Frente al Nusra (que era chamada estrutura oposicionista «moderada» síria, apoiada pelos EUA e França), dando origem ao EI.

O responsável da AQIM e actual «governador» da região de Tripoli, da dividida Líbia, Abdelhakim Belhaj, foi detido na Malásia, em 2003, no que foi publicamente divulgado como uma "rendição" extraordinária.

Esteve, aparentemente, durante uns anos, numa prisão secreta em Banguecoque, e, foi considerado «recuperado». Apareceu, em 2011, na invasão da Líbia pelas tropas ocidentais, à frente de um grupo da al Qaeda.

3 – A parceria entre os interesses islâmicos whabadistas retrógrados, nacionalistas e imperialistas, e os norte-americanos e os seus cúmplices ocidentais, está a entrar em
em conflito à medida que os primeiros se sentem com capacidade para avançarem pela sua própria via.

Essa é a fase actual, ainda que embrionária, mas que já mostra um processo que pode ter pernas para andar, se não for combatido de forma revolucionária e progressista.

Os atentados de Paris mostram, por um lado, que existe, no interior da sociedade europeia, um descontentamento larvar entre uma comunidade de migrantes e seus descendentes, provindos de países islâmicos, que estão espezinhados no seu bem-estar e injusticiados.

Por outro, que esse grupo social, no seu combate por um melhor nível de vida, procura a organização em torno de interesses reaccionários e retrógrados da religião que dizem professar.

Espaço este não não é ocupado por formações políticas de vanguarda nos Estados europeus.

Para lutar contra o islamismo wahabadita, quer no Médio-Oriente, quer nas suas *bolsas* europeias, a via a seguir terá de se centrar, quer no desenvolvimento económico e comercial dos territórios árabes, quer na sua organização política estatal nacional estável, dando satisfação, não a processos militaristas, mas a reivindicações de liberdade, de separação entre a religião e os Estados, de destruição das estruturas monárquicas semi-feudais.

O mesmo se coloca para o islamismo xiita.

campo de treino do EI na Turquia

4 – Mas, agora, a finalizar, uma questão secundária, mas importante:

Porque será que os militantes fundamentalistas islâmicos se organizaram, com relativa facilidade, no interior dos países da União Europeia?

Ou existiu um menosprezo enorme pela segurança colectiva, ou uma cumplicidade descarada com as estruturas *jihadistas*.

Naturalmente, os dois aspectos co-existem.

Mas, o segundo aspecto é o mais grave: os jihadistas «adormecidos» fazem parte da rede de parceiros que os serviços secretos utilizam, por vezes, nas *operações sujas* contra os interesses concorrentes das potências internacionais e regionais, como a Rússia, a China ou o Irão.

Os serviços de segurança europeus podiam não ter um conhecimento total das organizações islamistas no espaço da UE, mas, certamente, estavam a par da sua movimentação constante e sem controlo entre a Turquia, a Arábia Saudita, Qatar, a Jordânia, Israel, as zonas controladas pelo al Qaeda na Líbia, Síria ou Iraque.

Não podem agora limpar as mãos como tivessem sido violados como virgens inocentes.

Não, eles são cúmplices conscientes, como os seus próprios governos.

E tem de se lhe pedir responsabilidades.