domingo, 25 de setembro de 2016

O CONFLITO SÍRIO VAI AGRAVAR A RUPTURA EUA/UE?

1 -  O agravamento da crise síria, com o ataque aéreo dos Estados Unidos a uma unidade do Exército do regime de Bashar Al Assad no leste do país (Deir ez-Zor),  onde os islamistas wabadistas o procuram cercar, ataque este ocorrido, propositadamente, em pleno vigor de cessar-fogo, irá certamente ter repercussões na União Europeia.

O ataque norte-americano não foi acidental, nem produto de falta de coordenação.

Não. Teve um objectivo preciso impedir – ou, pelo menos, limitar – uma inversão de posições que o regime sírio e a Rússia, Irão e hizbolá libanês estão a empreender na parte nordeste daquele país, com uma derrota dos seus aliados *combatentes da liberdade*, que proliferam nas organizações militares financiadas e municiadas por Washington, como o Exército Islãmico, Al Qaeda/Frente al Nusra, Exército Livre Sírio, Ajnad al-Sham, Fatah al-Islam ou Ansar al-Islam.
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O que se vislumbra no conflito sírio é o progressivo e desconjuntado recuo do apoio «no terreno» das forças oposicionistas armadas à ofensiva conjunta do Exército de Damasco e as forças armadas iranianas e chiitas libanesas, - que igualmente operam juntamente com o Exército de terra do Iraque – e a supremacia aérea russa.

Ora, os EUA estão, pois, os acossados, cada vez mais enrodilhados, num conflito estratégico que os está a afundar, não só militarmente, mas, principalmente, em termos económicos.

A reacção a esta senda de recuo pode levar o complexo militar industrial financeiro norte-americano a reagir sem pés e cabeça.

E aqui a guerra será generalizada.

Mas, se apostarem nesta solução, os seus aliados europeus não se irão precipitar.

Então poder-se-á aprofundar a clivagem, já mais que evidente, entre a União Europeia e os Estados Unidos da América.

Para o sistema político-económico norte-americano, o afastamento «afectivo» da UE face aos EUA é contabilizado em primeiro lugar em termos comerciais.

Então o que está em jogo?

2 – Justamente, o mercado europeu.

A UE é, apesar da próxima saída do Reino Unido, a principal potência comercial do Mundo, e, até hoje o  principal aliado americano na luta concorrencial com as outras potências económicas e militares, nomeadamente, a Rússia e a China. Além de conter um território com perto de 500 milhões de pessoas.

A sobrevivência da Europa, como unidade política, depende, portanto, por um lado da superação da crise em que está envolvida, refazendo a cooperação, o mais harmónica possível, entre os países e nações que a compõem, por outro, a unificação da sua política externa, assente na sua própria capacidade de defesa, ou seja um Exército único, que sirva de cobertura para que o apoio à sua evolução no sector exportador.


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Este é, para mim, o seu grande desafio.


Este desafio somente irá avante se tiver a pressão constante dos movimentos sociais e dos partidos e organizações revolucionárias.

O que obriga, assim o penso, à elaboração de um programa revolucionário europeu que seja a alternativa à política capitalista que domina a Comissão Europeia, o Conselho Europeu, o Eurogrupo e o próprio Parlamento Europeu.

Esta alternativa advém do facto de o capitalismo financeiro dominante no Mundo, mas especialmente, nos seus centros mais pujantes (EUA e UE), se encontrar numa encruzilhada que o pode fazer colapsar ou avançar para formas violentas de resolver essa crise.

3 – Pode argumentar-se: certo, há uma crise internacional do capitalismo, mas os EUA ainda são a potência hegemónica económica e militar. 
São eles que determinam os destinos do Mundo.

Sim é real, os EUA ainda são uma grande potência económica, o dólar ainda é a principal moeda de troca a nível internacional, as suas Forças Armadas estendem a sua manápula por mais de 80 países.

O que se tem de analisar é o que mudou, de maneira evidente, desde os chamados atentados das Torre Gémeas, em Nova Iorque.

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A China emergiu como potência económica. A Rússia reestruturou a sua economia, depois de cerca de 10 anos de estagnação e retrocesso, no pós desagregação da URSS, e, acima de tudo, impos uma nova capacidade tecnológica e reforço da estratégias castrenses. Institucionalizaram-se os BRICS, como parceria geo-estratégica em confronto com os EUA.

O dólar já não é a moeda omnipotente nas relações comerciais e financeiras internacionais. A UE, com as suas debilidades actuais, continua a ter uma unidade monetária, o euro, que se está também a impor como referência. A China em parceria com a Rússia organiza trocas comerciais sem a interferência do dólar.

E acima de tudo, a economia norte-americana entrou em estagnação, a situação social interna regrediu. A política «proteccionista» de Donald Trump, que pode ser o próximo Presidente norte-americano, é a bússola indicativa de que irá haver uma *reestruturação* interna da actividade produtiva (com regresso de empresas deslocalizadas, apostas declaradas em novas indústrias, possivelmente até com um confronto entre o capitalismo +cristão+ em ascenso e o capitalismo +judaico+ dominante).

Esta realidade da vida societária interna tem, pois, os seus reflexos, de maneira evidente, na esfera militar.

A supremacia militar internacional norte-americana não se impõe, actualmente, nos principais focos de disputa nos diferentes pontos do globo, desde o Médio-Oriente ao Golfo Pérsico, passando pelo Mar da China ou mesmo no leste da Ucrânia. 

É, justamente, no conflito afegão-sírio-iraquiano que mais se nota as contradições e fraquezas dos EUA na sua concepção militar.

Incendiaram o norte de África e o Próximo e Médio-Orientes, procurando impor o seu «modo de vida», mas armando e financiando o sector mais retrógrado do wabadismo como +força ideológica+ para destruir +as ditaduras nacionalistas+.

Os seus «filhos», combatentes da sua liberdade, estão a roer-lhes a corda, obrigando-os caminhar, lenta, mas paulatinamente, na estratégia delineada pela Rússia.

4 – Será, pois, na UE que se vai concentrar o esforço norte-americano para não perder a suserania sobre esse enorme mercado e ao mesmo território de «contenção» com o concorrente militar russo.

Se os EUA têm na sua estratégia a derrota da reemergência mundial da Rússia como superpotência militar, através da utilização do «tampão» europeu, que poderá servir de campo de batalha, a UE parece ter despertado, finalmente, do +abraço+ económico-político-castrense de Washington, seguindo uma via de conseguir a coesão europeia.

E tal via pressupõe, portanto, o corte com a supremacia de Washington.

Neste caso, a Rússia, porque é continuidade territorial europeia, pode servir de +aliado táctico+ numa fase mais distendida.

Moscovo, igualmente, necessita da UE para impulsionar a sua tecnologia e interagir com o sistema económico europeu para receber produtos em melhores condições de mercado e exportar, particularmente, as suas principais matérias-primas.

Os indícios de um agravamento das relações EUA/EU são dados por episódios recentes:  o ataque aparentemente pessoal a Durão Barroso, ex-presidente da Comissão Europeia, por ter passado, com armas e bagagens, para os quadros dirigentes do Goldma Sachs, o banco de Wall Street, que fomentou em grande parte a crise financeira da Europa; as multas cruzadas entre Washington e Bruxelas sobre as grandes empresas multinacionais (Apple, Google, Volkswagen, Deustche Bank); a suspensão, praticamente corte, das negociações em torno do Tratado de Comércio e Investimento Transatlântico (TTIP), e, principalmente, o recomeço dos projectos de Forças Armadas e de Segurança da União.

Os próximos tempos vão ser, na minha opinião, pois, de tensão crescente nas relações EUA/EU, naturalmente, em muitos casos essa tensão andará pelos bastidores.


Vamos esperar para ver as mudanças geopolíticas que se vão dar.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

G 20: O +NOVO+ CAMINHO CAPITALISTA VAI ESTAR ENQUADRADO POR *ZONAS DE INFLUÊNCIA*?

1 –  A guerra de conquista e divisão na Síria entrou numa nova fase de violência, precisamente, quando, aparentemente, o inimigo «jurado» de todas as partes envolvidas – chamado Estado Islâmico - parecia estar a claudicar, rapidamente, nos últimos meses.

Porquê esta repentina escalada da violência quando o Exército legal sírio cerca a cidade mais populosa do país, Alepo, e se apresta para atacar Raqa, a chamada capital do EI?

A Síria – e também o Iraque – é o «cadinho» onde se está a definir uma nova geopolítica mundial, que pode determinar a queda rápida da antiga única superpotência (económica e militar), que se confronta com uma nova realidade social: a actual fase do modelo de produção capitalista está a chegar ao fim.

A Síria tem sido o palco guerreiro de experiências castrenses da mais alta tecnologia dos últimos tempos.

Talvez, comparativamente, mais do que sucedeu no Vietname e no Camboja nos anos 60/70 do século passado. 

O que transforma o território num espaço de testes militares em nível mais elevado (quem experimentava na Indochina, então, essencialmente, a alta tecnologia eram os Estados Unidos da América) é o facto das principais potências militares mundiais e as potências regionais, bem como grupos paramilitares que podem vir a ter maior intervenção futura no Médio-Oriente, como o Hezbolá libanês, actuarem, frenética e num espaço de tempo curto, em alianças e contra-alianças – e compromissos tácticos no terreno – aparentemente para buscar benefícios nacionais em eventuais divisão de despojos.

(Repare-se que neste conflito, as potências envolvidas, particularmente, as ocidentais, - EUA, França, Alemanha, e também a Turquia, estão a agir na Síria ao arrepio das chamadas normas internacionais, violando, ilegalmente, o território sírio. Em parte, com a conivência táctica da Rússia, mais interessada em ver os seus concorrentes a «chafurdar», enterrando-se, na lama do conflito).

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alianças e contra-alianças: jogo de sombras

Mas, o que surge, na realidade, é o crescendo sem freio do militarismo.

E o militarismo exacerbado é sempre prenúncio de guerra. Mas também custa muito dinheiro. 

Ainda, por cima, agravado, sem não tiver retorno +compensador+.

2 – O conflito militar na Síria esteve na agenda dos G-20. E não é por acaso.

Está ligado a nova geopolítica que se desenha no Mundo e que os líderes políticos, representantes das facções concorrenciais do grande capital financeiro pretendem analisar e apontar «caminhos» para tentar salvar a fase actual em decadência total desse capital.

A Síria, e por tabela o Iraque, são territórios nacionais, retalhados e ensaguentados pelas disputas, sem olhar a meios, das potências ocidentais, em primeiro lugar, mas também da nova potência militar mundial, a Rússia, em paridade com os EUA, e, em alianças flutuantes, por vezes desconcertantes, como a Turquia e o Irão.

(Se se analisar o campo de batalha sírio, pelo menos, desde 2015, verificamos que a entrada da Rússia no terreno do conflito, aparentemente, chamada pelo o regime de Bashar Assad, tem uma estratégia definida - o apoio castrense do Irão e, discreto, mas actuante, da China desde o início: defender a unidade territorial do país, derrotar as organizações ditas terroristas.

As restantes potências –EUA, França, Alemanha, Reino Unido, e, agora, a Turquia, - agem erraticamente, conforme as conveniências, num apoio claro ao EI, notando-se uma clara percepção de que pretendem retalhar a Síria. Se a Rússia conseguir manter Assad no poder e a unidade síria, haverá, naturalmente, uma mudança na geoestratégia mundial).

Uma chamada de atenção: tudo isto se está a passar a leste da chamada *comunidade das nações*, ou seja da ONU.

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Estreito de Ormuz: a importância do controlo

A diplomacia está a dar lugar ao confronto.
Directo: Médio-Oriente-norte e corno de África; indirecto, Mar da China, Ucrânia-Mar Negro, golfo de Omã/estreito de Ormuz.

Na realidade, já Clauzewitz o definia: a guerra é a continuação da política por outros meios.

3 – Tal como os europeus, em particular os portugueses, no início do comércio mundial no século XV, e, principalmente, no XVI, a preocupação primeira, após a chegada ao Oriente foi o controlo de rotas e estreitos de passagem de mercadorias.

A força militar está, pois, a ser utilizada para conseguir vantagens territoriais e geoestratégicas para o controlo do comércio e zonas privilegiadas de matérias-primas.

O que está, portanto, a suceder do meu ponto de vista?

A China está procurar impor, via pressão directa militar – navios, construção de aeródromos e cais de embarque/desembarque em ilhas disputadas no Mar da China -, uma posição dominante de, por um lado, controlo de rotas vitais marítimas comerciais, por outro, o acesso a matérias-primas que existem na área marítima profunda ao largo das mesmas.

A Rússia procura disputar influência no mar Mediterrâneo oriental e solidificar a posição geo-económica de campos de gás e petróleo do Médio-Oriente, em conveniência com as rotas navais e terrestres que o confinam.

Se o conseguir, em grande medida, com o controlo do Mar Negro, terá estabilizado «uma área de paz» sul para o seu projecto conjunto euro-asiático com a China.


Frota russa na Crimeia

Significa isto, que perante o *jogo de forças+ que se desenha no horizonte, Rússia e China pretendem impor, no mínimo, +zonas de influência+ no mapa planetário.

E isto, se houver, um compromisso diplomático. Porque, se houver guerra, ainda que regional, os interesses dessas potências podem ser mais ambiciosos.

Toda esta movimentação tem, no seu bojo, o essencial: a actual fase do modelo capitalista está a chegar ao fim.  

O futuro pode ser tumultuoso, até porque por detrás do regime capitalista estão as classes laboriosas, que o sustentam – ainda que dispersas e sem um programa revolucionário internacional - mas que desejam uma nova vida societária.

Os próximos tempos vão definir melhor o jogo de sombras que está na agenda dos G-20.