quinta-feira, 15 de novembro de 2012

XVI CONGRESSO: A CHINA DO PODER E DAS DESIGUALDADES SOCIAIS


1- Começou em Pequim, no passado dia 8, o XVII Congresso do Partido Comunista da CHina (PCCh). O conclave terminou dia 14.com a eleição dos novos corpos gerentes do Partido.

Os jornais ocidentais colocaram a ênfase num pormenor: a mudança de uma geração, e, em particular, a "rotatividade" entre os descendentes dos dirigentes que estiveram na origem da actual República chinesa.

É, assim o penso, uma análise redutora, que procura obscurecer que esta República nasceu de uma Revolução com um programa de ruptura socialista do Mundo, mas que sofreu uma derrota.

Evoluiu, muito rapidamente, para uma República capitalista, cujos desenvolvimentos a impulsionaram para um papel crescente na economia mundial. É esta entidade capitalista que está hoje em apreciação.

No citado Congresso, os seus dirigentes e principais quadros analisaram esses resultados e, principalmente, o estado da sua economia.



Os efeitos da crise financeira que começou nos Estados Unidos em 2006 e tece efeitos profundos não só naquele país, mas também na Europa, começa, agora, a repercutir-se na China.

Como potência emergente planetária, a China tornou-se uma entidade concorrencial na geo-política, na geo-economia e na geo-estratégia, em confronto, directo, com os EUA e a UE em primeiro plano, e, com a Rússia, a Índia e o próprio Brasil em diferentes planos secundários.

Este facto obrigou o Estado chinês a empolar os gastos militares e, nessa, medida, a estruturação, reformulação e preparação castrense das suas Forças Armadas dependem, acima de tudo, das condições materiais (quer da economia, quer da parte humana, da própria sofisticação da tecnologia de guerra).



Naturalmente, são estes conjuntos de assuntos que vão estar no centro da nova reformulação de poder que vai sair, ou já está delineado antecipadamente e foi agora ratificado neste Congresso.

2 - O XVII Congresso do PCCH decorreu, numa altura, em que o PIB (Produto Interno Bruto) do país decresceu - segundo dados oficiais - este ano para 7,5 %, uma descida acentuada depois dos 10,4 % de crescimento em 2010 e 9,2 % em 2011.

As previsões estatais apontam que este crescimento desça para 7 % em 2015 (segundo a Comissão do Desenvolvimento e Reforma chinesa, o crescimento económico anual caiu para 7,4% no terceiro trimestre deste ano), mas vários especialistas chineses, bem como instituições internacionais diferenciadas, admitem que, naquela data, o crescimento possa descer para um valor da ordem dos 6 %. 

O que a suceder, assinalam, significa uma barreira de retrocesso económica de tal ordem que poderá dar origem a situações de conflitos internos de certa monta.

(Em termos práticos, quer isto dizer que a crise financeira e económica que começou em 2006 nos Estados Unidos está a atingir agora a China. Em grande medida, o facto de as principais exportações chinesas decresceram, substancialmente, está relacionado com a desaceleraracão da economia nos EUA - 2% de crescimento do no terceiro trimestre deste ano, muito inferior aos 4,1 % do quarto trimestre do ano passado e à estagnação económica na UE).

A China teve um crescimento económico espectacular nas últimas três décadas, que, em grande medida, reformularam, aceleraram e fizeram evoluir toda a sua estrutura económica segundo o actual modelo capitalista moderno, centrado na ascensão desenfreada do capital financeiro especulativo. O crescimento do PIB naquele período ultrapassou os 10 %.

Este desenvolvimento trouxe progresso industrial, trouxe também movimento de dinheiro e, em maior escala, um salto enorme na evolução do mercado, especialmente do seu mercado externo.

Com este progresso, e a ascensão na China na cena política internacional, os seus dirigentes tiveram também de revolucionar a sua própria superestrutura militar, o que veio a traduzir-se, igualmente, num reforço da sua capacidade industrial castrense e no revolucionamento da sua maneira de estar no mundo, impulsionando a sua geo-política na relações internacionais, que adquiriu um peso acrescido.

A China transformou-se numa "potência atómica", com capacidade de atingir qualquer país do planeta, incluindo os EUA, tornou-se membro do Conselho de Segurança da ONU, e, as suas forças navais patrulham, actualmente, várias partes do Mundo, desde o Pacífico ao Índico.

No somatório deste desenvolvimento económico, modificaram-se certas relações entre a cidade e o campo, levando a uma cada vez mais necessária mão-de-obra abandone o sector primário e ampliando, até pelo aumento das relações de salariato, o consumo interno.

Criou, deste modo, principalmente, nas cidades, e, em particular nas cidades mais industriais um acréscimo desmesurado de assalariados, numa percentagem elevada, sem classificação profissional e muito barata, laborando, na maioria das vezes, em métodos artesanais. (São referenciados 200 milhões de migrantes do campo para a cidade, que representam cerca de 1/3 da população economicamente activa - entre os 15 e os 65 anos).

Com a abertura crescente ao capital estrangeiro e com a existência de uma mão-de-obra barata o afluxo desse capital foi enorme.  Admite-se que, entre 1982 e 2005, tivesse sido introduzidos no país mais de 1,05 biliões de dólares, como movimento estrangeiro directo.

Os capitalistas internos prosperam e dominam a própria superestrutura partidária.

Mas mesmo esse investimento está a desaparecer envolto na crise. São dados do Ministério do Comércio chinês, apresentados para o Congresso em curso: "No que diz respeito à atracção de capital estrangeiro, o número de empresas de capital estrangeiro, recentemente criadas, reduziu em 10 % nos primeiros três trimestres, a utilização de capital estrangeiro também baixou em 3,8 % em comparação com o ano de 2011".

De referir que uma parte substancial das empresas de alta tecnologia instaladas na China é pertença de capital internacional, ligadas, por mil teias, ao sistema financeiro norte-americano, e, deste modo, a Walll Street.  Por exemplo, recorrendo as estatísticas de meados da primeira década de 2000 - os dados são escassos da parte chinesa -, cerca de 33% do total das indústrias textéis era ocupado por empresas de capital estrangeiro (67 % da totalidade do comércio exportador em 2005), bem como 99,4 % da indústria de computador.

Em primeiro plano, os próximos Presidente, Xi Jinping, e primeiro-ministro,  Li Keqiang



3 - O afluxo de camponeses às cidades chinesas, principalmente nas últimas três décadas (antes este movimento já era significativo, engrossando as populações de grandes centros urbanos, como Pequim e Xangai), veio a intensificar o incremento da proletarização, e, concomitantemente, à difusão do salário. A evolução económica arrastou, necessariamente, o aumento de consumo.

Embora as entidades oficiais sustentem que os assalariados urbanos estejam a ganhar mais do que no início da grande fase exportadora, iniciada há duas décadas, o certo é que o consumo familiar tem decrescido, ainda segundo dados das próprias autoridades.

Assim, o Instituto Nacional de Estatísticas chinês, referindo-se a resultados apurados antes do Congresso, assinalou que os assalariados urbanos da China ganham, em média, dois mil yuan (mais ou menos 240 euros, mas especialistas que escreveram em alguma imprensa oficial admitem que este valor não enquadra a maioria desses trabalhadores.

Retiramos do jornal português Expresso, de onde provêem também os valores acima citados: "As estatísticas oficiais foram calculadas com base nos salários em vigor nas empresas estatais, empresas com capitais externos e grande empresas privadas, disse Liu Junsheng, investigador do Ministério dos Recursos Humanos e Segurança Social, citado pelo jornal *China Daily*.

E acrescenta: "Os trabalhadores das pequenas e médias empresas, que empregam quase 70 % da mão-de-obra não foram incluídos, salientou o especialista".

Entre a década de 90 do século passado e a primeira deste, verificou-se que o consumo das famílias chegou a descer a 36 % do PIB do país. Concretamente, entre 1983 e 2003, balizamos este período, porque se conseguiu obter uma sequência estatística que apontava uma descida contínua de 57 % para 36,7 por cento.

Os responsáveis chineses pretendem "reparar" este declínio, sustentando que estão a reorganizar a sua economia da exportação para o mercado interno, o que pressupõe aumento de salários e possivelmente deslocalizações de sectores industriais e uma aposta crescente no incremento dos sectores de serviços.

O desenvolvimento capitalista chinês tem sido protagonizado, em termos políticos, por um partido que se diz comunista, e que na sua elite dirigente se foi apropriando da mais valias criadas pelas classes laboriosas em proveito próprio. 

As figuras que dirigiam o PCCH até ao XVII Congresso, os grupos que giravam à volta de Hu Jintao (Chefe de Estado) e Wen Giaobao já eram capitalistas firmados no espaço económico da China e mesmo mundial. 

A equipa que lhe segue, aliás toda ela formada na "alta roda" do núcleo central da classe dirigente, que se formou logo após a Revolução de 1949, onde predominam Xi jinping (futuro secretário-geral, Presidente da República e Presidente do Comité Militar) e Li Kegiang, que ascenderá a Primeiro-Ministro, são, abertamente, senhores de enormes fortunas.

(Um dos mais representativos capitalistas chineses Lian Wengen, que esteve como delegado no Congresso, é senhor de uma fortuna pessoal que ronda os 5,9 mil milhões de dólares). 

A ênfase posta pela nova equipa na "luta contra corrupção" é uma confissão de uma desigualdade que cresce no país, já ensarilhado em crise económica, social e até política (esta menos visível). 

A China que, realmente, cresceu e se agigantou, está a ser percorrida também por uma crescente fase de conflitos sociais nos últimos dois/três: 300 mil contabilizam fontes internacionais, 90 mil admitem as autoridades.

Qual vai ser o seu futuro nos tempos mais próximos?  A evolução da sua situação económica interna nos próximos 10/15 será determinante.

4 - A revolução chinesa de 1949 foi, acima de tudo, uma revolução emancipadora nacional, embora tivesse sido conduzida sob um partido que se intitulava comunista e procurou, numa primeira fase, impor um programa de cariz socialista. 

Não seguiu um caminho próprio, aproximou-se do capitalismo de Estado que vigorava na antiga União Soviética.

Mas, acima de tudo, já nessa época, 1953 em diante, tendo justamente em atenção a evolução claramente reaccionária da antiga URSS, se verificava que o nível de incremento económico naquele país, e por tabela, na própria China de maneira nenhuma prenunciava a possibilidade, então, de destruição, pura e simples, da produção capitalista.

Depois da consolidação do poder após a vitória de 1949, e, principalmente depois de "se afastar" do modelo soviético stalinista, com quem entrou em ruptura, a liderança chinesa de então, com Mao Tsé Tung à cabeça, não pode, nem soube, nem conseguiu levar a efeito a revolução emancipadora, sob cujas consignas, ascendera ao poder. 

Porque o país ainda vivia de uma imensa mole camponesa, onde o operariado era essencialmente manufactureiro e artesanal, o PCCH não conseguiu desfazer o principal empecilho que impedia a sua reorganização económica: a feudalidade que dominava o mundo rural, e quando o tentou fazer utilizou a repressão mais sangrenta contra as camadas camponesas mais pobres. 

Não organizou um programa coerente, ainda que aproveitando, temporariamente, certas receitas que interessavam de um desenvolvimento burguês, para reorganizar toda a produção segundo um espírito nacional. 

Trucidou, por assim dizer, toda a iniciativa de mudança que o povo desejava. 

Alicerçado em ideias confucionistas de submissão, forçou o povo a orientar-se pelos lemas estranguladores do partido, com o usufruto nas políticas de métodos antiquados de cultivo da terra, políticas fiscais draconianas.

Nos anos 70, ainda com Mao Tse Tung no poder, a liderança começou a alimentar um programa de abertura capitalista sem freio, que anos depois a equipa de Tseng Siao Ping refinou e pôs em marcha, com as chamadas  "quatro modernizações" - privatizações, fim do monopólio do comércio externo, abandono da planificação central e lassidão no conceito de propriedade estatal, que as "gerações" que se seguiram elevaram ao desenfreado capital financeiro especulativo que hoje é reinante na China.

Naturalmente, que a situação actual é uma derrota face aos propósitos iniciais da Revolução de 1949.

Todavia, não é propriamente a destruição da Revolução que está em causa.

O que foi destruído foram os rastros ilusórios animadores de uma Revolução, mas que não tinham consistência na relações sociais e económicas as quais não estavam suficiente maduras e agudizadas, principalmente, entre as grandes massas camponesas.

E particularmente pelo retrocesso ideológico de um Partido Comunista, que conduziu, posteriormente, todas as fases de contra-revolução naquele país, o que criou um descrédito enorme ao longo de décadas para a criação de um poderoso pólo revolucionário, não só na China, como na ex-URSS, mas essencialmente no Mundo.

Mas trouxe um amadurecimento, cujos indícios de uma nova situação de progresso pode estar em marcha com novas condições.

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