1 – Desde 2002, 11 anos depois, tem seguido a “via sacra” da
chamada Justiça portuguesa um processo chamado da Casa Pia, simples, na sua
essência, que é a existência de uma rede organizada de recolha de crianças,
menores, essencialmente infantis, para actos predatórios sexuais, crime odiento,
perpetrado pela alta burguesia civil e religiosa depravada do país, e do
estrangeiro, com a cumplicidade e a
correspondente ganância de
dinheiro de intermediários, que iam desde os serviçais da média burguesia até
aos meros funcionários assalariados.
Quer a Polícia Judiciária, quer os governantes da altura,
quer os Presidentes da República, pelo menos, desde o general Ramalho Eanes,
quer do próprios jornalistas que acompanharam, ao longo dos anos, a evolução do
caso e das muitas maningâncias que se desenrolaram, com a cumplicidade directa
do poder de Estado (magistratura, deputados, membros do governo e da Chefia do
Estado) e de diferentes seitas religiosas, a começar pela Igreja Católica, sabem da
existência deste crime, que não teve ainda consequência, justamente, porque
todos, mas todos, os órgãos desse poder de Estado chafurdam na lama criminosa.
E o que é mais grave é que a rede se recompôs e continua, se calhar impunenmente, a actuar e a cometer, exactamente, os mesmos crimes, claro com outro modus operandi.
Sem condenação, mas para uma parte da população também sem
esquecimento.
Porque se as condições políticas se modificarem, eles serão,
rigorosa e duramente, punidos e, naturalmente, toda a reia de cumplicidade.
2 – Segundo dados do próprio Ministério da Justiça, desde
2002, as condenações individuais de pedofilia – a conotação jurídica real
deveria ser pederastia , porque é esta palavra, que define, exactamente, o
relacionamento sexual entre um adulto e uma criança, normalmente por via
homossexual, masculina ou feminina - tem aumentado.
Citamos do jornal
“Diário de Notíciais!: “Segundo números oficiais, das 492 queixas apresentadas
em 2002, a Polícia Judiciária, logo no ano seguinte, registou 716 situações de
abuso de menores. E de 2003 até 2011 foram apresentadas quase seis mil
participações”.
Mas, a realidade é que a teia que envolve, por um lado a
Casa Pia, por outro, todas as instituições de apoio às crianças, onde se
produziram casos idênticos de abusos sexuais infantis, como a Casa do Gaiato, a
Ordem Hospitaleira de S.João de Deus, ou nos diferentes seminários católicos ou
de outras confissões (todas as casas de tipo deveriam estar super-vigiadas pela
Polícia, pela Magistratura competente, pois são antros de podridão de abusos
sobre menores), continua na impune leveza dos recursos judiciais permitidos ou
arquivos sem qualquer investigação decente, ou pura e simplesmente posto de
lado, porque em causa está a “vida secreta criminosa” da classe dirigente
portuguesa.
Os criminosos julgados em Tribunal do Processo Casa Pia já
estão quase ilibados, os outros praticamente não saíram das gavetas, quer da
Polícia Judiciária, quer do Departamento Central de Combate ao Crimes (DCIAP).

O caso Casa Pia foi, formalmente, despoletado durante uma
visita àquela instituição pelo então Presidente da República general Ramalho
Eanes: soube, da boca dos jovens acusadores, do que se passou.
A secretária de Estado, que o acompanhava, Costa Macedo
recebeu um dossiê, teve documentos comprometedores nas suas mãos, incluindo
fotografias.
Ela disse-o a vários jornalistas.
Falou mesmo na existência da rede e na sua participação de
“altas figuras” do Estado, da economia, da Igreja Católica.
Os investigadores da altura sabiam quem eram.
Os miúdos e as miúdas
– depois já adolescentes e outros respeitáveis figuras – afirmaram e
contaram que estavam na posse da casa dos fulanos e sicranos fotografias comprometedoras, principalmente
daqueles que viviam em Cascais.
Repito: dele sabiam
os Chefes de Estado desde Eanes, depois seguiu-se Mário Soares, um passo em
frente Jorge Sampaio e agora Cavaco Silva.
Passaram como Primeiros-Ministros Mário Soares, Nobre da
Costa, Mota Pinto, Maria de Lurdes Pintasilgo, Sá Carneiro, Pinto Balsemão,
Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates e
Passos Coelho.
O rol dos Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça desde
1980 até agora é enorme: Oliveira Carvalho, Rodrigues Bastos, Dias Garcia,
Vitor Coelho, Jorge de Carvalho, Sousa Macedo, Cardona Ferreira, Aragão seia,
Nunes da Cruz e Noronha do Nascimento.
Desde que se tornou conhecido, com
Eanes, os abusos na Casa Pia, já passaram pela Procurador-Geral da República
Arala Chaves, Cunha Rodrigues, Souto Moura, Pinto Monteiro e Joana Marques
Vidal.
Nos primeiros tempos, declamava-se alto
e bom som que tudo seria investigado, depois surgiram nomes e nomes, começou a
suavidade do encobrimento, do deslize para o esquecimento.
Eu, como cidadão, digo: todas estas
entidades estão metidas no crime.
Seja qual for o argumento.
São cúmplices, directos ou indirectos.
Não interessa.
3 – Convém recordar que quando o caso
saltou para a opinião pública, pela primeira vez, em 1978, nele já era citado
Carlos Cruz.
Correu no Tribunal de Cascais. O
processo desapareceu.
Um magistrado do Ministério Público,
que conheceu, posteriormente, o caso, disse-me que houve uma nítida lavagem de
todo o processo, propositadamente, e com conivência de altos responsáveis...
O caso, que anos depois, em 23 de
Setembro de 2002, veio divulgado no Jornal Expresso, já fora abafado
anteriormente.
Os principais responsáveis desses abusos eram figuras e
personalidades públicas (civis e religiosas).
O jornal citou algumas, mas por falta imediata de provas omitiu
outras que lhe foram relatadas.
Saiu para a rua o nome de um ex-funcionário da Casa Pia,
Carlos Silvino, mais conhecido como Bibi.
A Polícia Judiciária apontou, na altura, que mais de 100
rapazes e raparigas, menores, alguns com seis anos, dos mais de 4500
alunos inscritos na Casa Pia poderão ter
sido abusados e molestados sexualmente.
Transcrevo da imprensa: “Embora alguns relatos de abuso datem
de antes da Revolução dos Cravos em 1974, só em 1981 a Polícia Judiciária
acusou um funcionário da Casa Pia de violar dezenas de crianças durante um
período de 30 anos, e de fornecer crianças para vários homens de nacionalidade
portuguesa e estrangeira, incluindo algumas personalidades proeminentes de Portugal”.
O caso voltou à ribalta quando antigos ex-casapianos (nome dado às jovens crianças
que foram acolhidas na Casa Pia) decidiram tornar públicos os abusos cometidos.
Porque a rede se multiplicara com a substituição do fascismo pela democracia.
Muitos dos novos dirigentes “democratas” entraram na (s)
rede (s) já organizadas, ampliando-os e, de certo modo, *encobrindo-as* com as
suas entradas.
Aos jornalistas, quer a secretária de Estado, quer os
investigadores, quer antigos casapianos, perfeitamente instalados, e
conhecedores do que se passara com os seus companheiros de camaratas, relataram
nomes de pessoas que fizeram barbaridades, repito, barbaridades, aos menores.
Foram citados vários políticos, desde o topo da hierarquia
até simples deputados, diplomatas, magistrados, jornalistas e celebridades da
imprensa cor-de-rosa.
O primeiro veículo denunciador surgiu, em Setembro de 2002, quando
a mãe de uma das vítimas, conhecida como Joel, foi taxativa a indicador o abuso
de um funcionário da Casa Pia.
A revista Visão relatou que um diplomata português, Jorge
Ritto, foi demitido do seu posto (cônsul) em Estugarda (1969-1971) depois de
autoridades alemãs se queixarem a Lisboa sobre o seu envolvimento com um rapaz
de menor num local público.
(Mas foi sempre apoiado dentro do Ministério dos Negócios
Estrangeiros, já depois do 25 de Abril de 1974. Jaime Gama, por exemplo,
deu-lhe cobertura).
A 29 de Dezembro de
2003, então Procurador-Geral da
República, Souto Moura, pronunciou,
oficialmente, várias personalidade de abusos sexuais a menores:
Carlos Silvino,
funcionário da Casa Pia e antigo aluno da instituição.
Herman José e Carlos
Cruz, duas das principais estrelas da televisão portuguesa.
(As denúncias contra Herman José foram arquivadas, porque
consideraram os magistrados que a sua violação já teria acontecido quando a
vítima já teria 14 anos).
O arqueólogo
Francisco Alves e o antigo médico da Casa Pia, Ferreira Diniz foram outros dos
visados.
O ex-Ministro da
Segurança Social do governo de António Guterres e actual deputado do Partido
Socialista, Paulo Pedroso estava na lista e foi reconhecido por vários dos
jovens.
O embaixador Jorge
Ritto fornecia a casa para as orgias e os miúdos andavam inclusive com as
chaves da sua habitação em Cascais e chegavam a transaccionar pertences daquele
diplomata.
Sem que Ritto objectasse sobre esse roubos.
Paulo Pedroso, que foi ministro, responsável governamental pela Casa
Pia, foi suspeito de 15 casos de violência sexual contra menores, alegadamente
corridos entre 1999 e 2000.
O seu caso foi posteriormente arquivado, no caso
rocambolesco em que se pressionou, politica e através de sociedades secretas, a
justiça.
O então líder do Partido Socialista Ferro Rodrigues, que era
um amigo pessoal de Paulo Pedroso, ofereceu-se para submeter-se a
interrogatório pela polícia após "ter sabido de planos para o implicar no
escândalo".
O semanário Expresso publicou um relatório a 25 de Maio de
2003 de quatro crianças que diziam ter visto Ferro Rodrigues em locais onde o
abuso sexual estava a ter lugar.
O jornal disse que não havia evidências que Ferro Rodrigues
estaria envolvido pessoalmente, mas o Procurador-Geral insistiu que ele não era
suspeito.
Retiro da imprensa: Ferro Rodrigues colocou uma queixa em
tribunal por difamação contra duas das testemunhas que o implicaram, mas o
tribunal e instâncias superiores a quem foi pedido recurso, não pronunciaram as
duas testemunhas por "por falta de provas" e porque "não estavam
preenchidos os elementos do tipo de crime que fundamenta a queixa [de difamação".
A jornalista (pelo menos tinha uma carteira profissional)
Inês Serra Lopes, filha de Serra Lopes, advogado de Carlos Cruz, viu-se
envolvida no caso devido ao seu papel no caso do sósia do Carlos Cruz[.
Pelo seu envolvimento, a portadora da carteira profissional –
não sei se a tem - foi condenada pelo Tribunal da Relação de Lisboa a um ano de
prisão pelo crime de favorecimento pessoal na forma tentada.
Foi também avançado que João Braga Gonçalves, detido no
âmbito do processo da Universidade Moderna, também participou na tentativa de manipulação
de provas.
No meio da chafurdice, Bagão Félix, então ministro
da Segurança Social de Durão Barroso, mudou a provedoria, colocando uma antiga
directora de uma das escolas da Casa
Pia, Catalina Pestana, como provedora.
Esta avisou que continuavam a existir pedófilos em torno do
sistema ligado à Casa Pia.
Tudo foi preparado, política, judicial e como investigação
judicial para que o processo ficasse apenas confinado àqueles arguidos, mais o
advogado Hugo Marçal, o provedor adjunto Manuel Abrantes e o médico Ferreira
Dinis por "fortes indícios" da prática dos crimes de abuso sexual de
menores e lenocínio (incentivo à prostituição).
Pelas notícias de interrogatórios, saídas na imprensa, a 14
de Julho de 2003, a partir do depoimento de Orlando Romano, o então director da
Direcção Central de Combate ao Banditismo da Polícia Judiciária, concluiu-se
que António Costa, então ministro da Administração Interna, sabia uma semana
antes da detenção de Paulo Pedroso por alegados actos de pedofilia que este e
Ferro Rodrigues se encontravam referenciados pelas autoridades.
O julgamento teve o
seu início prático em Novembro de 2004: sete eram apenas os arguidos: Carlos
Silvino, Carlos Cruz, Jorge Ritto, Ferreira Diniz, Manuel Abrantes, Hugo Marçal
e Gertrudes Nunes.
Praticamente até hoje.
Embora tivesse em 2010, havido condenações formais:
Carlos Silvino : 18
anos de Prisão Efectiva;
Carlos Cruz: 7 anos
de Prisão;
Manuel Abrantes: 5
anos e 9 meses de prisão;
Jorge Ritto: 6 anos e
8 meses de prisão;
Ferreira Diniz: 7
Anos de Prisão;
Hugo Marçal: 6 anos e
2 meses de prisão;
Gertrudes Nunes:
Absolvida.
Ultimamnente, após recurso após recurso, veio o colectivo
de Juizes, liderado por uma senhora chamada Ana Peres, a absolver Hugo
Marçal e Gertudes Nunes.
A juíza Ana Peres
admitiu que o tribunal não conseguiu perceber "para lá da dúvida
razoável" o que se terá passado lá, mas acrescentou que realmente houve
abusos.
Como vai este país…
4 – Na fase de investigação, foram indicados perto de três
centenas de pessoas que alegadamente poderiam ter sido abusadores dos menores
ligados à Casa Pia de Lisboa.
Não se sabe, qual foi a razão porque se ficou somente por meia
dúzia de arguidos formais.
Dos processos, que surgiram na imprensa, foram citados,
entre outros, Luís Filipe Pereira, Jaime Gama, Eurico de Melo, Jorge Sampaio,
Marcelo Rebelo de Sousa, Jaime Gama, Ferro Rodrigues, Narana Coissoró, Paulo
Portas, Chalana, Joaquim
Monchique, Medina Carreira, Carlos Monjardino, Vítor de Sousa, Adelino Salvado,
Bagão Félix e Valente de Oliveira, bem como altos responsáveis da Igreja
Católica.


A jornalista Felícia Cabrita entregou ainda à PJ um papel que
lhe foi dado ou teria sido pela antiga secretária de Estado Teresa Costa
Macedo, onde apontava o antigo - já falecido - secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros
Paulo Lowdes Marques, o ex-ministro André Gonçalves Pereira, os embaixadores
António Monteiro e Brito e Cunha, entre outros, como estavam na lista
denunciada pelos jovens.
Isabel Raposo, que será meia-irmã de Carlos Silvino, também
escreveu uma carta ao Ministério Público, que consta do processo, onde
denuncia Pedro Roseta e o irmão, Valente de Oliveira, Martins da Cruz, Narana
Coissoró, Paulo Portas, Bagão Félix e Adelino Salvado, entre outros.
As testemunhas que terão sido abusadas em Elvas indicaram,
então taxativamente à investigação policial as violações praticadas sobre menores,
nomeadamente por outros funcionários da Casa Pia, por alunos mais velhos e pelo
antigo provedor Luís Rebelo, que foi demitido.
Mas nunca foi ouvido….
Curioso, foi o facto do antigo assessor de Carlos Cruz, de
nome Carlos Mota, que teria praticado abusos em Elvas, sair do
país, tendo dado entrevistas a jornalistas, mas as autoridades judiciais e
policiais nunca o encontram…
Vários antigos alunos, com quem tive conversas informais,
frisaram-me que o médico Ferreira Diniz apresentava sinais evidentes de riqueza,
que não proviria de tratamento pediátrico aos menores da Casa Pia.
Eles disseram-me que tinha consultório no Restelo, e era
pediatra “reputado” entre a classe abastada da zona.
Nunca foi pesquisada esta “pista”.
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