segunda-feira, 6 de junho de 2016

ESTÁ AÍ, NOVAMENTE, O FANTASMA DO COMUNISMO

1 – Nunca, como hoje, desde há várias décadas, se fala e escreve sobre «o regresso do comunismo».

Numa retrospectiva, retoma-se o «papão» do sovietismo, claro que não nos termos extremamente arrebatados que o sistema capitalista lançou, inclusive, recorrendo à guerra, quando vingou a Revolução soviética em 1917.

Mas porque este alarido do sistema capitalista, através dos seus agentes e intelectuais enquadrados nos grandes meios de comunicação social?

Na actualidade, as relações de produção burguesas encontram-se numa crise de tal envergadura que está a abalar, até aos alicerces, todo o sistema capitalista, ao mesmo tempo que as forças produtivas, que evoluíram dentro da mesma sociedade, fomentaram tais condições materiais que se vislumbra um caminho para a resolução desta contradição.

Desde 1917, decorreram, praticamente, 100 anos.

Este período longo, enquadrado, do ponto de vista político, por prolongadas e sangrentas contra-revolucões, mas também de lutas revolucionárias, modificou e fez evoluir, por vezes em marchas forçadas, incluindo a própria União Soviética e a China Popular, a penetração do capitalismo em todos os países e nações da Terra.

O que mais está a *marcar* os últimos 30 anos do desenvolvimento económico e social, é, justamente, o incremento das forças produtivas.

Ora, é este facto que está a preocupar a grande burguesia, em especial a financeira, pois não está em condições materiais de resolver a situação.

Aproxima-se, portanto, uma época de convulsão política, que se pode transformar em ruptura radical com o sistema político vigente.

2 – A revolução soviética de Outubro de 1917 surgiu num período de incremento do capitalismo na Europa e na América do Norte, em que se colocava a questão do poder socialista, e isto a partir da experiência jugulada, sanguentamente, da Comuna de Paris em 1871.

Esta colocou, pela primeira vez, na História, as reivindicações proletárias, instituiu formas de novo poder político, de salariato, de organização da saúde, de ensino, de relações entre o Estado e as superestruturas jurídico e religiosas.

A Comuna foi derrotada e o período seguinte de várias décadas foi de profundo retrocesso contra-revolucionário, mas a experiência, que começou a ficar entranhada na consciência do activismo político, estava marcada por um programa de Revolução social.

Assim sucedeu na própria Rússia czarista em 1917.

A Revolução de Fevereiro de 1917 trouxe o afastamento do czar e o surgimento da República. A deposição de Nicolau II produziu na sociedade duas formas de governo: o provisório, parlamentar e capitalista, imperialista na sua essência porque defendia a continuação da grande guerra de conquista, e o soviete de deputados dos trabalhadores e soldados de Petrogrado, que transportava as consignas revolucionárias da Comuna.

Esta via pelos sovietes ia buscar a experiência do passado, dentro do Império derrubado, à Revolução russa de 1905.

Ou seja, em Fevereiro de 1917, havia a perspectiva de uma mera mudança liberal dentro do mesmo regime capitalista que já imperava sob o absolutismo czarista.

Outubro exigiu uma mudança radical, profunda, da estrutura estatal.

Quem apresentava então o programa radical de mudança era o Partido Social-Democrata da Rússia (bolchevique).

A radicalização política, entre Fevereiro e Outubro, dos principais intervenientes, os operários e soldados, estes com ligações profundas ao campesinato mais pobre, entregou o poder aos sovietes e ao partido bolchevique que entretanto alcançou a maioria no interior daqueles.

O programa governamental posto na Rússia pós czarista levou à nacionalização dos meios de produção e distribuição e a perspectiva de uma mudança de vida dos povos aliciou os Estados que circundavam a Federação russa, permitindo a constituição de uma nova federação estatal em pé de igualdade, a URSS, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Esta ruptura de transformação estatal abalou de tal maneira a burguesia internacional, que, em perfeita unanimidade, não teve pejo em intervir, militarmente, dentro da própria nova União Soviética.

A emergência, a partir da década segunda do século XIX, dos partidos pró-capitalistas de ideologia fascista ou nazista está, estreitamente, relacionada com o apoio que os capitalistas, desde os Estados Unidos da América à Alemanha, à Itália e ao Japão, deram a esses mesmos partidos.

3 – Porque faliu, então, a URSS e porque se manteve, tantas décadas no poder, uma estrutura estatal que se tornou abertamente contra-revolucionária com um programa revolucionário,  modelo esse que veio a ser seguido por outros Estados que entretanto passaram da revolução à contra-revolução?

A revolução soviética produziu, no seu início, o afastamento do monarquismo czarista e da burguesia que, já naquela altura, dominava o poder económico na Federação Russa.

Esse afastamento foi realizado com o apoio declarado do operariado e de uma parte esmagadora do campesinato.

De repente, em questão de meses, uma enorme massa popular estrangulada por um regime absolutista burguês deixou de ser dominada.

Os primeiros meses de uma revolução, apesar de cercada e atacada do ferozmente do exterior, satisfizeram essa maioria popular.
Recebeu, pois, o apoio entusiástico do interior, mas não só: impulsionou os movimentos operários e revolucionários em todo o Mundo.

Todavia, a montagem de um novo poder de Estado embatia com uma União Soviética frágil, arrasada na sua produção e com um incipiente e enfraquecido desenvolvimento económico que se debatia, além do mais, com o cerco erguido pelas potências capitalistas que lhe restringiam o acesso ao comércio exterior.

O desmantelamento do Estado capitalista czarista ficou, deste modo, nas baias do capitalismo de Estado, que o próprio Lénine, o Presidente do Conselho de Comissários do Povo da União Soviética, definiu. Nunca mais ultrapassou essa fase.

Para conseguir consolidar uma via socialista, o novo Estado soviético teria de contar com o apoio de revoluções socialistas no Ocidente, que desarmassem o poder do capitalismo mais avançado e pujante que existia nessa parte do Mundo.

Tal facto não sucedeu e a revolução socialista russa estava, assim, destinada a soçobrar.

A maioria popular que derrotou o czarismo e que apoiou, energicamente, os primeiros anos do novo poder soviético, foi-se restringindo.


A minoria dirigente que se enquistou no controlo do Partido bolchevique, sob a liderança do secretário-geral Josef Stáline, que sucedeu a Vladimir Lénine, modelou o novo Estado a um desenvolvimento económico sob capitalismo de Estado, com um braço de ferro repressivo.

Claro que não se manteria no poder se não tivesse contribuído, durante um largo período de tempo, para uma melhoria da situação económico-social das massas populares.

E fê-lo sempre, mesmo quando aplicava métodos repressivos extremos, sob as consignas da velha Revolução soviética.

Essa minoria no poder conseguiu fazer crer, já com o apoio passivo dessas classes trabalhadoras, que geria o novo poder de Estado como seu representante, e com a bandeira do comunismo.

A longevidade do modelo soviético de capitalismo de Estado, com as bandeiras comunistas - um embuste com dezenas e dezenas de anos – explica-se, também, em parte, porque foi praticado noutros grandes Estados, em particular, na China, também ela, em 1949, uma instituição estatal de pré-capitalismo que, no processo revolucionário, que se seguiu, evoluiu para o capitalismo de Estado ainda vigente no país, embora já numa fase de consolidação do capitalismo financeiro desenfreado que predomina no Ocidente. 

3 – A Revolução soviética de 1917 rebentou, precisamente numa altura, em que a Europa e os Estados Unidos da América, e, em grau menor a Rússia czarista e parte da própria Europa de Leste, eram percorridos por uma revolução industrial monumental. E esta última revolução trouxe para a agenda política as relações classistas extremadas.

Era, precisamente, na Rússia imperial que, com o início do incremento industrial, se começava a desenvolver uma burguesia e despontava um proletariado, surgido, em grande parte, da destruição do sistema produtivo artesanal. A grande guerra de 1914 exacerbou um mal-estar social já existente.

O turbilhão da revolução soviética entra no bojo de uma contradição que não conseguiu resolver, porque, como atrás referimos, para o fazer era essencial e determinante que houvesse o apoio de revoluções ocidentais.

Desde a segunda metade do século XIX, o desenvolvimento económico capitalista estava em crescimento.

Ou seja, as relações de produção capitalistas ocidentais estavam em expansão, montadas nesse desenvolvimento económico e na prosperidade industrial.

Além do mais, embora já não houvesse uma grande dispersão de programas revolucionários socialistas, e, apesar de se ter lançado ainda no século XIX, uma estrutura programática partidária mundial, a I Internacional Comunista, para dirigir o combate político classista das classes trabalhadoras, o que é certo é que, na primeira década do século seguinte, eram incipientes ou mesmo inexistentes os partidos com programas comunistas.

Os partidos que vieram a intitular-se comunistas na Europa ocidental e EUA mais industrializados na altura nasceram todos depois da Revolução soviética e sob a supervisão programática do Partido Comunista da União Soviética.

(Os Partidos Comunistas da Alemanha em 1918, dos EUA em 1919, de França e Espanha, em 1920 e Italiano em 1921).

Ora, estes partidos comunistas ocidentais foram moldados pelo programa da III Internacional, organizada a partir de Moscovo, o que implicou a submissão à chamada ideologia marxista-leninista e aos ditames da aliança operária-camponesa, que levava uma distorção evidente dos ensinamentos de Karl Marx e Frederico Engels sobre o papel classista do proletariado face ao campesinato.

Havia, pois, uma diferença evidente de desenvolvimento social entre a nascente União Soviética e a Alemanha, a França e a Inglaterra, onde já, nestes Estados ocidentais, *reinavam*, por um lado, uma burguesia industrial implantada e em crescendo e, por outro, um proletariado, produto de uma grande indústria.

Ou seja, enquanto a Rússia continha em 1917, um proletariado pouco desenvolvido – não haveriam mais de 10 milhões em toda a enorme extensão do novel país – e uma imensa mole humana camponesa, no Ocidente industrializado o campesinato estava em regressão e a indústria (e com ela a sua burguesia) dava cartas de alforria e de poder há quase um século.

As derrotas contínuas das revoluções de modelo soviético no mundo entre 1917 e 1958 (a última foi a experiência cubana) trouxeram desorientação e dispersão sobre o programa que deve ser alçado para atingir o objectivo de alcançar um novo poder socialista.

Embora com certa frustração, o certo é que as classes laboriosas sempre lutaram, apesar dos condicionalismos pela transformação societária. 

Muito sangue tem sido derramado nestas batalhas.

A experiência acumulada dos fracassos tem ditado que uma revolução, como a socialista soviética, que foi alcançada, praticamente, como um ataque de golpe de mão popular, não deverá ser possível na actualidade.

Hoje, o amadurecimento das condições objectivas é muito maior do que há 100 anos, mas as condições subjectivas exigem um progresso organizado multinacional.

Não se podem encerrar os processos de luta no âmbito de um Estado e unicamente na *defesa dos interesses nacionais dos trabalhadores*.

Tal como a burguesia capitalista procura alargar o seu espaço de poder, ultrapassando as fronteiras nacionais e continentais, através de tratados legais de *livre comércio*, também as classes trabalhadoras têm de forjar a sua liberdade de organização em todo um grande espaço sem fronteiras.

E essencialmente forjar um programa revolucionário, através de uma crítica elaborada e fundamentada ao modelo marxista-leninista.


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