quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

LADRÕES DE BICICLETAS




1 - Na segunda metade dos anos 80 do século passado, assisti, como jornalista profissional, ao julgamento judicial do falecido antigo ministro da Qualidade de Vida Francisco Sousa Tavares, de um governo do bloco central liderado pelo então Primeiro-Ministro Mário Soares. 

Causou-me impressão ver ali, acabrunhado e, aparentemente, destroçado, o antigo arrogante senhor do novo sistema político, acusado, precisamente, num caso que abalou o chamado "mundo político e económico" da altura, com certas semelhanças ao que agora está na berra, com o nome de "Monte Branco": a massiva fuga de capitais, branqueamento de dinheiro dos poderosos deste país. E tal como agora, em plena crise financeira e económica....


Pensei, que face às acusações provadas, que Francisco Sousa Tavares acabaria por ter uma pesada pena. 


Que a justiça, como era "cega" actuaria com mão de ferro sobre quem estava a arruinar o país, colocando em paraísos fiscais as mais valias retiradas a quem trabalha. 

Oh, "ingenuidade" minha: os juízes são seres humanos normais e pertencem as mesma confrarias.

Sousa Tavares, em Abril de 1989, teve uma condenação de 30 dias de prisão perdoados em troca do pagamento de mil escudos por dia (hoje cinco euros). 


Um mês depois, Tavares está em Macau, dizendo-se em "gozo de férias", mas, na realidade, a trabalhar como consultor jurídico do governo de Macau, presidido por Carlos Melancia, onde auferia ou iria auferir um vencimento de 150 contos mensais. (Expresso). 

Apesar desta "pesada" pena, Sousa Tavares foi apenas o "boi de piranha" (o termo é, metafórico, de origem brasileira: para cruzar, as manadas, em rios infestados de piranhas, escolhia-se um bovino velho e mais fraco, que se sangrava e lançava ao rio num local mais abaixo do trilho de passagem dos restantes animais) seleccionado para "dar uma satisfação" ao povoléu sobre as altas vigarices e ladroagens feitas ao contribuinte português no então "Caso Dopa".

Convém fazer um breve resumo do que foi, naquela altura, a maior fuga de capitais do país e ao mesmo tempo uma tremenda traficância ilegal de divisas, efectuadas, precisamente, por uma parte substancial das mais altas personalidades da política e da economia do país.

Quem era a DOPA e como seguiu a trama? 


A DOPA (Dragagens e Obras Públicas) tinha sido fundada por Joaquim Manuel Queirós de Andrada Pinto em 1977, como firma do sector da construção civil. 


O seu escritório central estava em Lisboa e começou a ser "visitado" por um número elevado de clientes. 


Parecia próspera no ramo. Prometia juros entre 10 a 14 %, atribuídos em moeda estrangeira, a quem ali depositasse dinheiro. 


Fazia-o com a chamada cobertura do segredo bancário suíço.

As transferência sigilosas efectuavam-se com o banco suíço Trade Development Bank


O primeiro caso detectado - pelo menos inscrito na acusação - ocorreu em 1983, numa altura em que o gerente do Banco Pinto & Sotto Mayor em Mira (do grupo Champallimaud) procurou depositar 200 mil contos na DOPA. 


O caso teve mais de 200 arguidos, e um só condenado, como atrás foi descrito. 


Seis anos demorou o processo. Vejam só---seis anos. 

Segundo a acusação, o caso "DOPA foi responsável "pelas maiores fugas de capital jamais verificadas em Portugal", com uma previsão anual de 1,5 milhões de contos. Isto entre 1977 e 1985, pelo menos.


Em 1993, o Supremo Tribunal de Justiça - essa entidade cheia de pergaminhos balofos de independência e de cumplicidades intrincadas em jogos de bastidores - considerou legal o tráfico de capitais. 


Numa busca à sede da DOPA, foram encontradas listas, um delas com 235 clientes que faziam a traficância de dinheiro. 


Tinham apelidos sonantes da nossa praça, como, entre outros, Vanzeller, Pinto Basto, D´Orey, Avillez, Roquette, Lumbrales, Breyner, Mendia. 

Mas também havia, segundo um dos juízes implicados na investigação, outras listas, um delas - feita desaparecer - de políticos, onde constaria, por exemplo, um homem, filiado como o número do PSD, de apelido Balsemão. 


Veio a descobrir-se, mais tarde, e o "Expresso" noticiou tal que havia escutas telefónicas que indiciavam a mãozinha do então Ministro da Justiça Mário Raposo (cujo chefe de gabinete era então um jovem advogado e magistrado do Ministério Público chamado Isaltino de Morais) na gestão "criteriosa" do processo.


Raposo negou, com a sua pretensa dignidade ferida, ele que fora até bastonário da Ordem dos Advogados.


A evidência acabou com o orgulho, mas a argumentação continuou: Ele somente estivera no caso "como advogado" para redigir o recurso para a libertação do patrão da DOPA!!!

Tal como agora, não havia dinheiro para pagar a trabalhadores, mas havia licença para exportar, ilicitamente, o dinheiro do contribuinte para paraísos fiscais.




2 - Em 2010, as manchetes dos jornais lusos apontavam que os quatro maiores bancos privados portugueses - BCP, BES, BPI e Santander Totta - lucravam, só nos três primeiros meses do ano, 391,7 milhões de euros, o que equivalia a 4,35 milhões de euros por dia.

De repente, este lucro desaparece, como por magia. 


Os banqueiros começam a gritar que estão na "miséria", que era preciso obter dinheiro para a sua capitalização, caso contrário seria o caos no país. 


Queriam dinheiro fresco, sem juros, e, começavam a exigir contenções salariais, diminuição das prestações sociais, mudanças na legislação laboral, entre outros roubos em perspectiva.


Em Dezembro de 2011, uma reportagem do jornal I, referia, com todas as letras, que "todos os dias são transferidos, em média, mais de 5,4 milhões de euros para paraísos fiscais".


E continuava: "De acordo com dados do Banco de Portugal, de Janeiro a Outubro, saíram de Portugal 1.647 milhões de euros com destino a off-shores. Este montante, apesar de em linha com valores de 2010, contribui para a forte descapitalização do país, sobretudo se somado ao investimento directo de Portugal no exterior, que aumentou 74 %, para 9.505 milhões de euros. No total, a saída de capitais eleva-se, até ao final de Outubro, a mais de 11.152 milhões de euros".


E um pouco mais à frente: "Segundo as estatísticas do Banco de Portugal, o investimento de Portugal no exterior representava em Setembro 30,6 % do PIB, enquanto o investimento de carteira ascendia a 72,9% da riqueza nacional". 


"Número de empresas e particulares a procurar regimes fiscais mais favoráveis que o português reflecte a actual conjuntura (comentário meu, a crise é provocada pela fuga de capitais). A manter-se este ano (2011) o ranking elaborado pelo Fundo Monetário Internacional em 2010, o paraíso fiscal *eleito* pelos portugueses (os graúdos, naturalmente!!!) são as Ilhas Caimão. A escolha foi confirmada, recentemente, com a notícia de que o banco estatal (CGD, vejam bem...)está a transferir as contas da zona franca da Madeira para as Ilhas Caimão. O fim da isenção de IRC para operações com não residentes, do imposto sobre juros e do imposto do selo - os principais atractivos  da zona franca da Madeira - está a levar os bancos portugueses, como CGD, BCP e BES, a procurar outras praças para gerir as relações com os clientes fora de Portugal". 


Além das Caimão, a fuga de capitais, segundo o I, tem como principal destino as IlhasVirgens Britânicas, as Antilhas Holandesas, Guernsey e Bermudas. 

Noutro local, aquele jornal, citando o economista Eugénio Rosa, que não foi desmentido, assinala que, entre 2000 e 2010 "foram transferidos para o estrangeiro mais de 147 mil milhões de euros, causando a descapitalização do país". (ou seja, em termos terra a terra, a origem da crise financeira). 

Ainda citando Rosa, daquele montante, 71 %% dos rendimentos transferidos (quase 105 mil milhões) resultaram de "investimentos de carteira e de outros investimentos" que, na sua maioria, "não criaram qualquer riqueza em Portugal, limitando-se a apropriar-se de riqueza interna criada por outros, transferindo-a depois para o estrangeiros, e muitos deles sem pagar qualquer imposto ao Estado, uma vez que estes rendimentos de não residentes estão isentos de impostos".

Quem foram os "lucradores" do dinheiro alheio?:

 "Todas estas transferências beneficiaram grandes grupos económicos e financeiros".

3 - Apontado, em Dezembro, a dedo e um *réu* confesso: Ricardo Espírito Santo Salgado. Capitalista financeiro desclassificado. Presidente do grupo BES.

O semanário Sol, de 21 de Dezembro, titulava em letras garrafais vermelhas: "Milhões lá fora".

E afirmava Ricardo Salgado teve vários milhões depositados através da Akoya, em nome pessoal (sublinhando meu), mas pagou voluntariamente os impostos e rectificou o IRS, pelo que não foi constituído arguido no processo Monte Branco. 

Fugiu com dinheiro, recebeu brutos juros lá fora, foi apanhado com as calças na mão por um crime cometido (roubou dinheiro do sistema bancário e colocou-o em seu nome), fez regressar o dinheiro sem o perder, pagou meia dúzia de milhares de euros de impostos. 

E tudo ficou com dantes, quartel general em Abrantes. 

Continua a ser banqueiro e a fazer as mesmas patifarias...

Isto só mostra uma coisa, que nunca é de mais repisar: o actual sistema político saído do golpe de Estado de 25 de Novembro de 1975, e, no caso presente, de maneira visível e miserável, o actual governo PSD/CDS, da dupla Passos Coelho/Paulo Portas está nas mãos da alta burguesia financeira.

E essa dependência, que foi efectuada quando se deu rédea solta, aos financeiros mais rapaces e desclassificados, levou aqueles a jogar com a própria fuga de capitais para sacar sempre e sempre mais dinheiro à custa do erário público. (Ulrich, despudoradamente, afirma a plena pulmões: "O país aguenta mais austeridade, pois aguenta, aguenta..."

E este erário público são os contribuintes que não podem fugir ao fisco. Os seja, todos os dependentes: classes trabalhadoras e profissões afins.



Os financeiros obrigam o Estado, através do governo a transformar a dívida privada em dívida pública, o que produz, na prática, mais endividamento do Estado, pois os banqueiros vão buscar aos Bancos Centrais, europeu, no caso da União Europeia, norte-americano, no caso dos Estados Unidos, mais dinheiro. Bancos Centrais esses, que, curiosamente, são bancos privados.

Ora, os Bancos Centrais emprestam aos bancos nacionais a custo zero ou quase, e os bancos privados especulam, depois, com empréstimos ao Estado ou a empresas descapitalizadas, e até a particulares, a juros exorbitantes.

Ou seja, a dívida pública tornou-se (e continua a tornar-se) em principal fonte de enriquecimento dos banqueiros. 

Descaradamente, sem qualquer punição. 

É um crime de lesa pátria. 

E um crime desta natureza merece uma punição exemplar, sem remissão.

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