1 - O falecido Papa Paulo VI foi beatificado, no passado dia 19, no Vaticano, numa cerimónia pública da Igreja de Roma, depois de ter merecido a aprovação do actual Papa Francisco, cinco dias depois dos principais hierarcas da estrutura - cardeais e bispos -, apelidada Congregação para a Causa dos Santos, terem considerado como válido *um milagre* atribuido à intercessão do morto.
Paulo VI foi o nome titular do cargo que o hierarca da Igreja Católica Apostólica Roma adquiriu, quando os seus pares, os cardeais com direito a voto, o escolherem para exercer aquele cargo religioso, político e até militar, em 1963.
Na realidade, ele foi registado como Giovanni Battista Enrico Maria Montini.
Pertenceu à chamada baixa nobreza italiana.
(Alguns dos títulos, normalmente os mais pomposos, que o chefe da Igreja Católica Romana utiliza foram retirados, em aproximação, essencialmente, dos titlónimos imperiais romanos: Sumo Pontífice (Pontifex Maximus), Soberano do Estado da Cidade Vaticano (Soperanus sui iuris civitatis vaticanae), embora este seja recente, pois foi criado com o Tratado de Latrão em 1929, Sucessor do Principe dos Apóstolos (Successor principis apostolorum), outros adaptados às funções enquadradas ao longos dos séculos, quando a primazia do catolicismo ganhou essencialmente um lugar proeminente na Europa medieval e renascentista como Bispo de Roma, (Episcopus Romanus), Vigário de Jesus cristo (Vicarius Jesu Christi), Primaz da Itália (Primatus Italiae), Arcebispo Metropolitano da Província Romana (Archiepiscopus metropolitanus provinciae romanae) e Servo dos Servos de Deus (servus servorum Dei). Retirados do Anuário do Vaticano de 2009.
O processo de beatificação foi iniciado em Maio de 1993, e, a demora, no interior da Cúria Papal, para chegar a esse reconhecimento deve-se, essencialmente, à controvérsia que o seu passado pró-nazi provocou entre alguns dos apologistas mores do catolicismo.
(No ritual católico oficial romano, essa beatificação é o reconhecimento que aquela instituição religiosa atribui ao Papa morto - faleceu em 1978 - como estando no paraíso, em estado de beatitude e pode interceder por aquele que lhe recorrem em oração.
É, pois, em termos mais simples, um venerável espiritual.
Ridículo, em termos de racionalidade, mas as mentalidades tradicionais são o elo fraco de qualquer avanço civilizacional.
A canonização implica, nesse ritual, o reconhecimento que a personagem se tornou *santo* e adquire este estatuto com alcance universal para os correligionários da confissão religiosa).
2 - O Papa Paulo VI, agora beatificado, foi o promotor da beatificação do seu antecessor Pio XII, este o artífice principal católico da ascensão de Hitler, primeiro dentro do regime de Weimar, depois na sua consolidação desde que assumiu o poder, em 1933, e, posteriormente, na "lavagem" política da acção nazi em toda a Europa.
Ambos estiveram, intimamente, ligados a dois delitos monstruosos mundiais:
a) a cumplicidade e apoio ao incremento do nazi-fascismo na Europa e no Mundo, bem como ao encobrimento organizado, planeado e direccionado ideologicamente da fuga de alguns dos principais responsáveis criminosos dos regimes nazis, implantados na Alemanha, Áustria, Hungria, Croácia, Roménia, Checoslováquia, e fascista, como Itália, Grécia e Albânia.
b) à criação e expansão moderna do sistema bancário do Vaticano, que institucionalizou a lavagem de dinheiro, o enquadramento do dinheiro da droga, o apoio às ditaduras fascistas que permaneceram na Europa e na América Latina.
Mas, a questão a abordar, neste caso, é o papel desempenhado pelo beatificado, Paulo VI/Montini, enquanto hierarca e Sumo Pontífice da Igreja Católica Romana.
Paulo VI, como sacerdote, bispo e arcebispo, foi o mais próximo e influente dirigente da Igreja Católica sobre a governação de Pio XII.
Os actos deles são factuais.
Os argumentos dos apologistas da Cúria Papal para justificar o injustificável são imensos, e, principalmente para denegrir investigações, mesmo de homens seguidores da Igreja Católica, mas que descobrem a sinistra actividade da Santa Sé.
Uma realidade indesmentível: relação continuada e em plena sintonia entre os dois grandes Estados nazi-fascistas - primeiro, Itália e, depois, a Alemanha, que fomentaram o caminho de implantação daqueles regimes capitalistas assassinos e a Cúria papal romana, prosseguindo, exactamente, os mesmo objectivos a acumulação de Capital e a sua disseminação pelo planeta. Desde os Estados Unidos à Rússia, passando pela China de hoje.
Os regimes fascistas e nazis, respectivamente, italiano monárquico mussoliano e alemão hitleriano - mesmo os que não entraram, directamente, na guerra, como os europeus Portugal de Salazar e Espanha, primeiro de Primo de Rivera, depois Franco, ou americanos, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, entre outros - não o conseguiram, mas o Vaticano ocupou, em termos económicos, o seu *espaço*.
Eugénio Pacelli e Giovanni Montini estiveram, directamente, implicados nesses crimes, que foram a consolidação e alastramento de regimes mais desclassificados, monstruosos, a troco de dinheiro roubado aos contribuintes, em nome da religião e da sua expansão como mercadores lumpen-capitalistas do pior que existe. Ate hoje.
A Igreja Católica somente teve poder quando se interligou com o poder ditatorial, recebendo os os grossos dividendos monetários e patrimoniais, ao longo da sua existência desde o Império romano, nos seus inícios, até aos tempos actuais, na sua "parceria estratégica" com a Wall Street nova-iorquina e a City londrina.
O Papado romano ficou de tanga, no século XIX, com a perda dos Estados Papais e a unificação italiana.
Sem dinheiro para viver nos luxos e na agiotagem, a Igreja Católica viu a sua tábua de salvação no apoio aos Estados nazi-fascistas contra os regimes republicanos nascentes que surgiam na Europa, e lhe era adversos, que lhes limitavam a capacidade manter o estatuto de religião de Estado, com todas as benesses e regalias em valor e poderio, real, económico, político e social.
Desde 1922, altura em que o partido fascista de Benito Mussolini ascendeu ao poder político em Itália, com a conivência do rei, Vítor Emanuel II, começou "um namoro" correspondido com a Igreja Católica, cujo Sumo Pontífice se acantonara num edifício chamado Castel Gandolfo.
Recebia, então, já ajuda económica do Estado fascista de Roma.
A Cúria papal apoiava, claro, sempre, com o seu encobrimento aterrador, mas melífluo, sinuoso como as cobras.
As relações políticas e ideológicas aproximavam, rapidamente, as elites dirigentes do Estado e da Igreja de Roma.
Entabularam-se negociações, prolongadas.
Mussolini conseguiu que o Papado mandasse dissolver o Partido Popular (Católico), dirigido, directamente, por um hierarca daquela confissão religiosa, monsenhor Luigi Sturzo, que aceitou de bom grado.
Três anos de reuniões e muitos rascunhos de um tratado, foi finalmente assinado, em 1929, o "Patti Lateranensi", uma concordata que transforma o catolicismo em religião de Estado.
O regime fascista controlou toda a estrutura política e social da Igreja Católica em Itália, em troca da constituição de uma Cidade-Estado para o Vaticano, que, por seu lado, aceitava o reino e a sua acção, organizado por Mussolini, encimado por um soberano Vítor Emanuel II.
Mas o Vaticano conseguiu o essencial: uma imensa fortuna e a imunidade política e económica para a sua corte.
O Papado recebeu uma fortuna, entregue de bandeja como indemnização, de 92 milhões de dólares, que devem constituir hoje mais de mil milhões de dólares, e, um número elevado de edifícios por toda a capital italiana.
O Papa era Pio XI, mas o seu "guia" chamava-se Eugénio Pacelli, secretário de Estado, cujo negociador principal com Mussolini se chamava Francesco Pacelli, e era seu irmão.
Um dos homens mais importantes dessa Secretaria de Estado chamava-se Giovanni Montini, que ali se instalara desde 1922 até 1954.
Pio XI apelida Mussolini de o *homem enviado pela Divina providência", e, em 1932, condecora o monstro assassino com o mais alto galardão do Vaticano a "Ordem da Espora de Ouro".
Os assinantes do Tratado de Latrão
Giovanni Montini ainda vai estar mais activo, com o regime nazi hitleriano, nas negociações, encobrimentos, cumplicidades e trapaças, em que o dinheiro e o ouro roubados aos martirizados pelo poder nacional-socialista, foi parar, em parte, aos cofres da Santa Sé.
O Partido de Hitler ascende ao poder em 1933, pelas mãos do falecido Presidente Hindeburgo, e com o aconselhamento de um antigo chanceler, von Papen, um dos mentores do partido católico Zentrum (Zentrumpartei), liderado pelo padre Ludwig Kaas, e que será vice-chanceler e embaixador do *fuhrer* do III Reich.
Hitler e von Papen
O processo de tomada do poder de Hitler passa, na sua fase inicial, pela via formal de cumprimento das leis da República de Weimar, ou seja, o parlamento institucional.
Claro que, ao mesmo tempo, actuava, na sombra, com todo o gangsterismo capitalista internacional. Queima o Reichstag (o parlamento) e culpa os comunistas.
Leva Hindenburg a decretar o "estado de sítio".
Prende os deputados comunistas, e, em seguida os sociais democratas.
Depois uma purga sangrenta de judeus remediados e pobres, pois os ricaços capitalistas pagaram e bem a *sua* liberdade, incluindo subornando Adolf Eichmann.
Lança os campos de concentração, executa os adversários, primeiro, políticos, depois inclusive, religiosos e, barbaridade das barbaridades, por motivos pseudo-raciais.
O Papado esteve sempre a par.
Deu-lhe cobertura. Estimulou-os, apoiando o regime nazi instalado.
Mas, façamos referência aos passos, concretos, reais, dessa cumplicidade e conivência e mesmo benção.
Para passar do *estado de sítio* e conseguir os *plenos poderes* (Ermächtigungsgesetz), Hitler necessitava de dois terços dos votos parlamentares - com os comunistas, excluídos, e os sociais democratas a votar contra -, eles vieram do Zentrunpartie, - friso, o líder daquele partido era um hierarca católico monsenhor Ludwig Kass -, e, finalmente a assinatura do Presidente Paul von Hindenburg, um velho marechal no final da vida.
Com este último acto constitucional, o partido nazi começou a governar, abolindo as liberdades ditas democráticas e desarticulando o Parlamento.
Transferindo, simultaneamente, para o governo do Reich toda a máquina de poder.
Foi, deste modo, constitucionalmente, que a Igreja Católica deu, com toda a naturalidade, a liberdade de instaurar a ditadura.
Na realidade, teria de haver recompensa dentro da parceria: O papado aceita a dissolução do Zentrumpartei, a 5 de Julho de 1933, e a institucionalização estatal ditatorial, mas as duas partes, a Santa Sé e o NSDAP, negociam uma Concordata, à semelhança do partido fascista italiano.
Do lado alemão, a assinatura formal fica encarregue do vice-chanceler Van Pappen e de monsenhor Ludwig Kass, pelo Vaticano, o selo é firmado pelo cardeal Eugénio Pacelli, secretário de Estado de Pio XI, que inclui ainda assinatura do bispo Montini, então adjunto na mesma secretaria de Estado, entre outros.
Ambos serão papas.
A fotografia regista o momento:
3 - Giovanni Montini não era um qualquer responsável da Cúria Papal, tornara-se confidente do cardeal Pacelli, que vai ser Papa Pio XII, em 1939, e já em plena guerra, secretário de Estado adjunto, responsável pelos assuntos extraordinários da Santa Sé.
Mas significava mais: era um negociador, quase plenipotenciário, representante do Sumo Pontífice, entre os nazis e os Estados ocidentais, nomeadamente com os EUA e a América Latina pró-fascista.
Foi, além disso, um responsável e reorganizador dos Serviços Secretos do Vaticano, a Santa Aliança, que, após a guerra supervisionou uma fuga maciça de criminosos de guerra - alemães, italianos, croatas, húngaros, austríacos, romenos, búlgaros, letões, estónios, ucranianos e lituanos, para as Américas e mesmo para o Médio-Oriente, nomeadamente, o Egipto e a Síria.
Pacelli com o ditador fascista brasileiro Getúlio Vargas
Os apologistas e defensores da Santa Sé utilizam argumentos venais e usados: a Igreja Católica teria agido, tal como a Cruz Vermelha, completamente submersa pelos fluxos massivos de refugiados, sobre os quais não teria podido efectuar senão inquéritos sumários, habilmente torneados pelos antigos dignitários nazis.
Velhos remendos de cúmplices metidos na lama até ao pescoço.
A Santa Sé estava a par de todo o fluxo de criminosos nazis e fascistas que fugiram à justiça, para Portugal, Espanha, EUA, Médio-Oriente, Austrália, e, principalmente América Latina, com a sua organização, ajuda e a colocação de meios.
Um dos colaboradores mais próximos nessa missão de Montini era o bispo croata nazi Alois Hudal.
Alois Hudal |
Josep Mengele
Adolf Eichmann
Estes dois "desconhecidos" nazis foram levadas para a América Latina pela *caridosa* acção da Igreja Católica
A descrição factual e largamente expandida pode ser procurada nos livros que cito mais abaixo.
O Papa era Pio XII e o seu braço direito Giovanni Montini.
O Estado Papal deu a sua benção à construição e reorganização da Alemanha Ocidental, onde foi colocado, como primeiro chanceler, em 1949, um antigo dirigente do zentrumpartei, aparentemente menos conotado com a cumplicidade hitleriana, de nome Konrad Adenauer, mas sabia que o seu braço direito o ideólogo nazi Hans Globke, se transformou no chefe de gabinete e conselheiro de segurança nacional da chancelaria germânica.
Mudou, estrategicamente, o nome do partido, cúmplice do nazismo, para CDU, Partido Cristão Democrata, com um ramo bávaro pró-nazi, chamado CSU (União Social-Cristã da Baviera).
Como sabia que o criador dos Serviços Secretos (BND) da nova Alemanha Ocidental era um general hitleriano chamado Reinhart Gehlen.
4 - O então arcebispo católico de Milão Giovanni Montini (nomeado para aquele cargo pelo Papa Pio XII, em 1954) está intimamente ligado à transformação do Banco Ambrosiano, com sede naquela cidade, e superintência do hierarca máximo daquela arquidiocese, numa das principais instituições bancárias privadas de Itália.
Desde 1960, o banco expande-se internacionalmente. Na sua estrutura de direcção já está Robert Calvi, um homem de confiança de Giovanni Montini.
Em 1963, ano que Montini, já cardeal, se torna Paulo VI, eleito pelos seus pares, o Ambrosiano monta uma holding no Luxemburgo.
Ao leme do Ambrosiano, nesta altura está um "montiniano" chamado Carlo Canesi, seu Presidente efectivo em 1965.
Paulo VI já está instalado no Vaticano e o Istituto per la Opere de la Religione (IOR) era parceiro privilegiado e maioritário accionista na actividade do Ambrosiano.
Paulo VI sauda Calvi
Em 1971, o irmão maçon da Loja Propaganda Due (P-2) assume a Presidência do grande banco católico de Milão, o papa Paulo VI nomeia um mafioso da Cosa Nostra e *investidor* do Papa nos negócios nebulosos e tenebrosos dos Estados Unidos, de nome Michele Sindona, como conselheiro financeiro do Vaticano e membro do Conselho de Administração do IOR.
Calvi cria uma rede tentacular, com o apoio do nazi Licio Gelli, grão-mestre da P-2, de companhias-fantasmas, movimentadas através de off-shores, onde se fazem lavagens de dinheiro, especulações bolsistas, financiamento de guerras, comércio de armas.
No IOR, já pontifica um arcebispo norte-americano, de nome Paul Marcinkus, que se tornara um braço direito e guarda-costas do Papa Montini.
Em 1978, ano da morte de Giovanni Montini, o Banco de Itália elabora um relatório a admitir profundas irregulares no funcionamento do Ambrosiano - e por tabela no próprio IOR.
Iniciam-se investigações judiciais e policiais que vão desembocar, em 1981, na invasão por parte da polícia da sede da P-2 e da prisão de Licio Gelli.
Começam a tornar-se públicos os desvios de dinheiros, a associação directa entre a Máfia e o Ambrosiano e o IOR, os financiamentos ilegais ao principais partidos italianos, incluindo a Democracia Cristã (DC), o Partido Socialista (PSI), e o Partido Comunista (PCI).
Em 1982, é divulgado que o Ambrosiano está na bancarrota e é declarado a sua falência.
O IOR assume os prejuízos e Robert Calvi é assassinado em Londres, numa encenação em que aparece enforcado na ponte Blackfriars.
Para consultar:
- Manhattan, Avro, The Vatican Holocaust
- Manhattan Avro, The Vatican in Worl Politics, 1949 (em inglês e castelhano)
- Goñi, Uki, La auténtica Odessa. La fuga nazi a la Argentina de Perón, Paidós, Barcelona, 2002.
- Aarons, Mark e Loftus, John, Ratlines, William Heinemann, Londres, 1991
- Frattinni, Erc - A Santa Aliança (edição portuguesa)
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