terça-feira, 8 de janeiro de 2013

AS REVOLUÇÕES ÁRABES E A GEOPOLÍTICA DOS RECURSOS NATURAIS






Mapa do Magrebe e Médio-Oriente - Situação da Síria (castanho, fazendo fronteira com Iraque vermelho) face a um "corredor" para o Mar Cáspio


1- Há cerca de três anos, visitei durante, cerca de dois meses, vários países do Magrebe, nomeadamente, Marrocos e Líbia e, do Médio-Oriente, Jordânia e Síria. 

Embora dois deles, fossem reinos ditatoriais, Marrocos e Jordânia, e os outros dois Repúblicas também de cariz ditatorial, Líbia e Síria, um traço comum na minha passagem, e no grupo que me acompanhava na viagem, foi a relativa segurança verificada em todos eles sem sermos importunados nos diferentes locais que percorremos no itinerário. 

(Estivemos perto dos montes Golã, viajamos até perto da fronteira do Iraque, dormimos no deserto não muito longe do Níger, fomos a Akaba, percorremos estradas com Israel ao nosso lado).

Notava-se, na sociedade desses países, uma "pressão" para "cumprimentos estritos" de preceitos religiosos muçulmanos, mas registei, em todos eles, uma tolerância significativa, claro que dentro dos parâmetros islâmicos, para com as mulheres, na sua maneira de vestir e até de presença, solitária, em locais públicos, como cafés e restaurantes.


Na Jordânia, tendo-nos deslocado ao golfo de Akaba, alugamos uma embarcação e navegamos uns quilómetros, sem colocar o pé em terra, ao longo da costa da Arábia Saudita, pois foi o único país muçulmano daqueles onde, efectivamente, pudemos ver as pessoas no seu lazer nas praias com as mulheres a nadar completamente vestidas, e de preto.

Vem isto a propósito de quê? 

Daquilo que nos interessa. 

Como se encontram, socialmente, esses países, depois do aproveitamento pelo Ocidente da chamada Primavera Árabe, que começou, praticamente, em todos os países ao mesmo tempo, a partir de um incidente nos finais de Dezembro de 2010, na Tunísia?


Foi um movimento, que trazia, no bojo, uma forte componente de insatisfação popular, que percorreu de uma penada, todo o norte de África, desde Marrocos e Mauritânia até ao Egipto, e, alastrou a, praticamente, todo o Médio-Oriente, desde o Barhein à Arábia Saudita, passando pela Síria e Iémen.

Naturalmente, havia - e continua a haver - um sentimento latente de revolta nas populações mais desfavorecidas contra o sistema instituído. 

Que irá percorrer o seu caminho para surgir noutras condições e, possivelmente, com programas políticos mais avançados.

Todavia, no rescaldo dessas movimentações que poderiam ter assumido um patamar revolucionário, verificou-se que culminaram em retrocessos políticos e mesmos civilizacionais, precisamente, porque os seus dirigentes actuantes no terreno, organizados e financiados, pertenciam às organizações político-religiosas de obediência sunita, que estavam, umbilicalmente, ligadas ao sistema religioso wahhabita que governa, de maneira absoluta, a Arábia Saudita.

Na prática, tornaram-se parceiras tácticas da aliança estratégica entre o reino saudita e os Estados Unidos da América. 

Curiosamente, em todos os Estados laicos (Tunísia, Egipto, Líbia, Iémen - não referimos, para já, a Síria, que mais adiante trataremos) houve ascensão ao poder de Estado de partidos sunitas - os dois primeiros, ou desarticulação do poder central do Estado, com a substituição de bandos armados nos principais centros, normalmente, favoráveis à Al Qaeda, no caso da Líbia e Iémen.

(O actual governador político e militar da região de Tripoli - a mais povoada do país, perto de 50 % do total de seis milhões, segundo dados de 2006 - é Abdel Hakim Belhaj, que ali foi colocado pelas tropas da NATO. 

É o líder do Grupo Islâmico Combatente da Líbia- CIGL -, pertencente à Al Qaeda, de acordo com o jornal francês *Liberation*. Este acrescentou que Belhaj foi colaborado da CIA, Afeganistão, sob ocupação soviética).

Os protestos em Marrocos, Jordânia, Arábia Saudita, Bahrein, Omã e Kuwait foram abafados em repressão, sem qualquer tomada de posição dos governos ocidentais.

De referir que a Arábia Saudita, que foi o centro criador da Al Qaeda, é uma monarquia absoluta onde não há poder legislativo, nem partidos políticos autorizados. 

Está ligada, desde há dezenas de anos, em parceria política, económica e militar preferencial com os Estados Unidos, que lhe dão cobertura castrense e utilizam, abertamente, aquele Estado para operações em outros países da região.

O Alcorão é o único documento constitucional de orientação política, educacional e de justiça (aplicação severa da Sharia). O rei é chefe de Estado e de governo e os seus familiares mais próximos - irmãos e meio-irmãos - exercem os principais cargos governativos. Existe uma polícia religiosa, a Mutawa, que regula estritamente tudo o que seja o cumprimento dos preceitos do wahhabismo, incluindo a vestimenta das mulheres.


Projetos de Oleodutos e Gasodutos em torno do Mar Cáspio e Irã
Zonas de gasodutos na região do Mar Cáspio

2 - Centremo-nos agora no conflito sírio. 

Tal como noutros países, o movimento de protesto teve a sua adesão, ainda que.em menor grau, que em outros Estados da região. 

E aqui os meios de comunicação social ocidentais têm tido uma prática que, descaradamente, mostra a falta de ética arrasadora que estão, actualmente, imbuídos. 

Não se sabe o que se passa realmente no terreno, mas são transmitidos sempre, como fonte fidedigna, os pontos de vista de um Observatório, estabelecido...em Londres e pago pelo governo britânico.

Não existem, na realidade, jornalistas no interior do território sírio profundo, que é ali que se desenrolam os principais combates. 

Quer o governo de Damasco, quer as chamadas coligações insurgentes, não dão informações fidedignas. 

E a própria ONU debita que morreram já 60 mil pessoas no conflito. Quem os contabilizou, de maneira independente?

(Fazem-me lembrar as informações de guerra nas antigas colónias portuguesas, em que tanto os guerrilheiros, como as Forças Armadas de Portugal, emitiam caricatos (para quem estava no terreno) comunicados a anunciar baixas de um lado e de outro que, na maior parte das vezes, pura e simplesmente, não existiram. Eu estava lá).

O Barhein, por exemplo, é percorrido, em permanência, desde 2010 por acções e manifestações de milhares de pessoas, que contestam, abertamente,  o poder do soberano Al Khalifa, um sultão que emergiu com a riqueza do petróleo. 

Tem havido repressões impediosas, com manifestantes mortos e encarcerados e um rearmamento descarado de Washington a uma monarquia isolada, que só existe porque está sob ocupação conjunta de norte-americanos (ali está sediada a sua V Frota Naval e sauditas (milhares de soldados, veículos militares).

Mas, regressemos à Síria. 

O regime, por métodos violentos, fez calar rapidamente os manifestantes, que se veio a verificar que eram, essencialmente, dirigidos por forças pós-islâmicas próximas ou mesmo integrantes da Irmandade Muçulmana.

Com o Presidente sírio, Bashar Assad, dominou os tumultos internos, surgiram das fronteiras turcas, libanesas e jordanas, e, em parte do próprio território curdo do Iraque, grupos fortemente armados, incluindo com mísseis terra-ar, que se implantaram em regiões fortemente povoadas, como os subúrbios de Damasco e Aleppo, e em territórios fronteiriços.

Na realidade, foi aberta, declaramente, uma guerra interna, e, o Exército regular sírio, depois de uma fase de hesitações ou de reformulação estratégica, com o apoio directo de russos e iranianos, tem resistido e reocupado terreno perdido, causticando, grandemente, os insurgentes estrangeiros, que, pelo que se verifica em certas ocasiões - não há notícias muito específicas - têm contra si as próprias populações, naturais e refugiadas, como aconteceu com os campos palestinianos, que se colocaram ao lado do regime de Bashar.

Este resiste há mais de 20 meses, e parece ganhar terreno. Não se pode prever o desfecho. Embora tudo indique, que após, uma maior consolidação castrense do Exército, haverá mudanças no governo de Damasco, com ou sem Bashar.


zona levantina de gás natural

Ora, neste conflito da Síria não está apenas em jogo a questão interna, está no bojo do conflito toda uma geoestratégia que tem por objectivo o controlo das matérias-primas, em especial, o petróleo e o gás natural.

A Síria é, actualmente, um Estado-tampão, para as ambições ocidentais, em particular, as "oito irmãs" petrolíferas, de ter o caminho aberto para as imensas reservas situadas na região do Mar Cáspio, que, estrategicamente, servem os interesses de duas potências nucleares, Rússia e China, e de uma potência regional em ascensão para o nuclear que é o Irão, na sua ambição de aumentarem a sua presença no mercado mundial.

Mas também, na própria Síria, e, paralelamente, no Líbano, que neste momento é um aliado directo do regime de Assad, estão em jogo os produtos petrolíferos e de gás natural.

Desde 2010, foi tornado publico que nas zonas económicas (mar e terra) que atingem vários países: Síria, Líbano, Israel, Palestina e a própria bacia da Líbia, numa área que ficou conhecida como bacia Levantina (de Leviatan), que havia uma (ou várias) gigantesca reserva de gás natural. 

Mas, há mais: as investigações geológicas apontam para a existência de imensas reservas de petróleo também, em que Israel quer exercer uma supremacia muito mais largada que não tem, pois se confrontam com as zonas de Gaza e Cisjordânia e os seus interesses próprios.

Estas descobertas - e o facto de haver reservas de petróleo e gás, ao longo da Grécia, Turquia e Chipre - puseram em pé de guerra as grandes companhias e as concorrências internacionais, em particular o facto de toda aquela bacia mediterrânica poder ser essencial para os Estados Unidos e a Europa, mas também do interesse estratégico da Rússia e da própria China.

Na é por acaso que a Rússia, está a enviar navios atrás de navios de guerra altamente sofisticados e meios navais de desembarque para actuarem na própria Síria.

Na realidade, com o controlo total dessa bacia, desde o Líbano, Síria, Turquia e Israel, por parte dos ocidentais, estes ficariam resguardados de eventuais interrupções do Golfo Pérsico, onde o Irão está a ter uma palavra a dizer.

A Síria, portanto, não é uma área de uma mera disputa de um regime, é uma arena maior das novas mudanças geo-económicas e geo-políticas que vão acontecer em toda a região do Próximo e Médio-Oriente.


1 comentário:

  1. É obra. Imaginemos que não tinham roubado o espaço aéreo ao Kadafi, e antes ao Sadam... Será que não resistiam ainda? Mas há uma coisa de que hoje tenho poucas dúvidas: há aí boa rapaziada, entre eles um que dá pelo nome bem português de Barroso que já deviam de ter sentado o rabiote, há um tempão, no TPI - Tribunal Pleñário Internacional, que continua a julgar terroristas mas deixa cá fora os piores deles. Basta olhar para o mundo.

    ResponderEliminar