1
- O PCP comemorou, no passado dia 10 de Novembro, o 100º aniversário do seu
falecido secretário-geral Álvaro Cunhal.
Foi
uma acção partidária a quem tem todo o direito de o fazer, já que foi o seu
dirigente principal durante um período largo da sua existência.
Álvaro
Cunhal foi uma personalidade política, que teve um certo destaque no combate ao
regime fascista português desde os anos 40 do século passado até ao 25 de Abril
de 1974.
Foi
um resistente ao fascismo.
Sofreu
fortemente a repressão violenta do governo de Salazar, que o associava a uma
actividade, sumamente, revolucionária.
Como
muitos outros, de outras formações políticas, considerados revolucionários,
que, igualmente, estiveram enclausurados em Peniche pela sua actividade
política até ao 25 de Abril de 1974, e que o regime já encimado por António de
Spínola se recusava libertar por terem sido condenados pelo governo de Salazar
por “delitos de sangue”.
Todavia,
embora Cunhal se considerasse como comunista, com um acrescento de
marxista-leninista, que nada tem a ver com o conceito inicial, e, fizesse
questão de apresentar como o “líder” dos comunistas portugueses e procurasse
ser o “representante” do comunismo internacional, particularmente, desde o XX
Congresso do PCUS, tudo isso são questões que têm de ser testadas.
É
este aspecto na sua actividade que merece a nossa crítica, pois ele nunca
abraçou os ensinamentos de Karl Marx e Frederico Engels, nem na teoria, nem na
sua “praxis”, como objecto central e estratégico de alcançar uma sociedade
comunista.
Foi
essencialmente um seguidor de Josep Stáline.
Depois
do golpe de Estado abrilista, em 1974, em Portugal, ele e o seu partido fizeram
parte, actuante, da governação em coligação entre um sector do regime fascista
derrotado, que se acolitou em torno do então general António Spínola, a
burguesia representante do capital financeiro, cujo expoente foi Francisco Sá
Carneiro, a representação burguesia liberal, onde pontificou Mário Soares e a
pequena burguesia que se apelidava marxista-leninista, como gestor acutilante
do programa democrático-burguês do Movimento das Forças Armadas (MFA),com
desprezo do internacionalismo.
Aplicou,
deste modo integralmente, o seu principal informe político de Abril de 1964,
como o título saído em livro de “Rumo à Vitória”, que descrevia um relatório do
Comité Central do seu Partido, encimado pela consigna “as tarefas do Partido na
Revolução Democrática e Nacional”.
No
fundo, um apelo à “unidade de todos os portugueses honrados” que o orientava
desde os anos 40, seguido então as práticas stalinistas da URSS.
Com
o golpe de Estado do 25 de Novembro de 1975, que lhe retirou parte – isso já
acontecera cerca de um mês antes ao participar no VI Governo provisório - da
sua participação no poder de Estado, o PCP manteve-se, no entanto,
completamente humilhado, no mesmo
governo até 1976, contribuindo com a sua cumplicidade e dupla face (até
quando lhe prendiam militantes e matavam oficiais e civis anti-fascistas) para
a recuperação e reorganização capitalistas, que atinge o auge no momento
presente.
Mais
uma vez, seguia as orientações dadas pelos dirigentes da antiga URSS sob o
“equilíbrio” de poderes entre superpotências, em detrimento dos interesses
superiores das classes trabalhadoras, em particular do proletariado e dos
interesses internacionalistas do mesmo.
2
– O papel e a actividade que desempenhou na sociedade portuguesa devem, nesse
sentido, ajuizar sobre a sua actuação histórica desenvolvida na mesma, e, em
particular, - porque é isso que nos interessa -, o desempenho de Cunhal como
principal dirigente de um Partido que se diz comunista.
O
PCP pode elevá-lo à condição de “personalidade única” (mas face a quê? Dentro
daquele partido, na sociedade portuguesa?) e intitulando-o como o “consequente
defensor das liberdades, dos direitos, das transformações democráticas
alcançadas na sociedade portuguesa com o 25 de Abril e, ainda, consagradas na
Constituição da República, e o mais consequente construtor de um futuro melhor
para o nosso povo e o nosso país”.
Claro,
ao fazer tais panegíricos tem de se sujeitar à crítica história e à “arma da
crítica política”.
E
aí, o que O PCP sustenta que ele fez ou o que ele representou, no meu ponto de
vista, não tem correspondência com a análise do materialismo histórico.
“Álvaro
Cunhal personalidade ímpar que é, sem dúvida, o mais destacado construtor do
PCP, é alguém cujo perfil e dimensão intelectual e humana são também formados
no PCP e pelo PCP, formados no grande colectivo partidário”, este naco de
prosa, tal como os extractos anteriores, de uma banalidade confrangedora, está
inserido na nota oficial daquele partido sobre o aniversário em questão.
“Personalidade
única”, “personalidade ímpar” são frases altissonantes, mas vazias, agravadas
com o facto de serem proferidas por um Partido que se diz construído no
colectivo e que são os seus membros os esteios da criação, organização e da
actividade do mesmo, e não uma figura individual, por muito intelectualmente
desenvolvida que seja.
Em
primeiro lugar, o PCP não foi criado, nem edificado sob a direcção de Álvaro
Cunhal.
É
uma falsidade histórica.
Aliás,
a criação daquele partido, como todos as formações neófitas e baseadas nas
estruturas e programas de outras já enraizadas e, além do mais, já colocadas no
poder de Estado, como é o caso em apreço, do Partido Operário Social-Democrata
da Rússia (bolchevique) (POSDR, bolchevique), que, somente se veio a chamar
Partido Comunista da União, a partir de 1925 e, em 1934, Partido Comunista da
União Soviética, tem um espaço temporal definido.
(Em
1918, quando os bolcheviques tomaram o poder transformaram o POSDR –
bolchevique em Partido Comunista de Todas as Rússias).
Na
realidade, na época, a velocidade de informação era muito lenta, e a criação do
PCP, no início, pouco, ou quase nada, tem a ver com o próprio programa
bolchevique.
E,
acima de tudo, com as ideias de Karl Marx e Frederico Engels, que lançaram as
bases programáticas, com o “Manifesto Comunista”, do que deveria ser uma
formação internacionalista, que serviu de base para a criação da I
Internacional.
A
aliança operário-camponesa que se torna a base programática central dos
Partidos da III Internacional, na parte final da vida de Lénin, e,
essencialmente, de Stáine, que lhe acrescenta uma tese de carácter anti-Marx e
anti-Engels de construção do “socialismo num só país”, são princípios
claramente contrários daqueles pensadores comunistas, em especial a tese
stalinista que é um atentado ao principio do internacionalismo, pois renegava,
na altura, a capacidade de surgirem revoluções socialistas noutros países.
O
PCP tem um pré-período de formação que remonta a Outubro de 1919, quando é
publicado o primeiro número do jornal “Bandeira Vermelha”, como “semanário
comunista”, à volta do qual é forjada a Federação Maximalista Portuguesa.
São,
essencialmente, operários anarco-sindicalistas (Manuel Ribeiro, António Peixe,
Francisco Dias, Arsénio Filipe e José da Silva Oliveira), que se afastam da sua
central sindical, a CGT, e manifestam o seu apoio à Revolução Russa, de cujos
princípios ideológicos, programáticos e sociais pouco conhecem.
As
Bases Programáticas de um futuro Partido Comunista são publicadas, cerca de
dois anos depois, a 27 de Janeiro de 1921.
A
6 de Março, surgem os organismos de direcção, depois de ter havido uma reunião
em Lisboa, antes de terem sido aprovados os seus programa e estatutos e
elegerem, em assembleia-magna, os seus dirigentes.
O
I Congresso do PCP tem lugar entre 10 e 12 de Novembro de 1923. Ali foi eleito
um Comité Central, cujo principal dirigente foi Carlos Rates.
Foi
apresentada uma tese programática, que não chegou a ser discutida por imposição
do delegado da II Internacional Jules Humbert Droz, que preconizava a venda das
colónias à Inglaterra como forma de resolver o enorme défice de Estado, obra do
capitalismo nascente.
Alíás,
Droz pouco tempo se mantem como “funcionário” da IC, pois tempos depois foi
afastado por ser um apoiante de Leon Trotsky.
(A
criação do PCP e as suas derivas iniciais, não estão isoladas das divergências
que, por um lado, se estão a dar dentro do PCUS, e, por outro, no interior da
III Internacional, fundada, em 1919, sob os auspícios de Vladmir Lénin, para
conseguir furar o isolamento que o capitalismo liberal procurava impor à
mudança de poder e conseguir a adesão dos partidos e movimentos comunistas
ocidentais à Revolução soviética, cujos pressupostos ideológico-programáticos
da revolução operário-camponesa, se opunha, principalmente, o Partido Comunista
Alemão, defensor de um programa descentralizado apoiando essencialmente nos
conselhos operários.
A
chamada reorganização posterior do PCP é efectuada quando a revolução soviética
já estava derrotada, e no interior do novo poder de Estado e do próprio PCUS se
formou uma poderosa e constante contra-revolução, disfarçada com frases e
apelos revolucionários, que mais não fizeram, infelizmente por demasiado tempo
de permanência no poder, do que desmontar e destruir tudo o que foi subversivo
em Outubro de 1917.
Este
não é o assunto central deste artigo.
Mas,
a ele nos iremos referir, no entanto, num capítulo próprio para balizar o
verdadeiro papel desempenhado, em Portugal, pelo PCP, sob a orientação de
Álvaro Cunhal).
As
primeiras orientações do novo Partido, saíram da escrita de Carlos Rates, no
jornal “O Comunista”, de 8 de Dezembro de 1923.
Aquele
dissertou sobre um projecto programático, algo anquilosado e nada tendo a ver
com a teoria de Marx e Engels.
Assim
ele defendia uma ditadura das esquerdas contra a ditadura das direitas.
Sustentava
ele que os comunistas eram partidários de uma revolução imediata, porque as
classes laboriosas e populares eram uma massa inerte e indiferente.
Para
ele, sem qualquer análise classista e histórica, quem dominar Lisboa, domina o
país.
Faz
uma previsão de que poderia ser instaurada, brevemente, uma “ditadura das
direitas” e, de imediato, no dia seguinte, a população aderirá aos vencedores,
mas que três meses depois já se voltarão contra essa ditadura.
Admite
que será uma prova que os trabalhadores, os proletários, terão se suportar.
Na
senda desse imediatismo, em 28 de Agosto de 1924, participaram numa revolta
abortada. Foram presos oito militantes comunistas.
Depois,
em 1925, sem qualquer separação política e ideológica com o programa de um
executivo, que tinha sido apoiado pela ala direita do PRP, liderado por José
Domingues dos Santos, e mais tarde, acossado pelas forças do Capital, apela
para operariado, com ataques ao sistema financeiro e algumas reformas na
agricultura, o PCP dá-lhe todo o apoio, sem exigir o prosseguimento das nacionalizações
e o desarme das forças policiais, numa frente comum com a ala esquerda do
Partido Republicano, com socialistas, CGT e Federação Nacional das
Cooperativas.
Depois
do II Congresso, que se efectuou em Lisboa entre 20 a 20 de Maio de 1926, o PCP
sofreu os efeitos do golpe de Estado militar desse ano, que impediu o término
da assembleia, e entrou numa deriva organizacional e política.
Com
a entrada do operário do Arsenal Bento Gonçalves naquele partido e a sua
ascensão em 1929 a secretário-geral, o PCP começou a adquirir, então, os traços
de uma estrutura partidária organizada em células, e uma hierarquia de
compartimentação.
No
entanto, verifica-se que não existe uma estratégia e tácticas definidas,
levando o partido, que era pequeno e pouco enraizado nos sectores operários e
populares, a actuar “no imediatismo”, como em 1932 em que procura por em
prática acções armadas com lançamento de bombas e a criação de brigadas
paramilitares contra a criação do imposto de desemprego, que sacrificava muitos
militantes e estruturas partidárias.
Em
1934, os elementos operários do PCP, juntamente com seus camaradas
anarco-sindicalistas lançam um princípio de movimento insurreccional em todo o
país, que apenas teve um momento alto na Marinha Grande, mas que foi jugulado
pelo aparelho fascista em formação.
Todo
este passado de acção revolucionária, ainda que incipiente e muito dispersa,
foi completamente menosprezada e aviltada pelo “novo” PCP, que não retira
destes actos, lições de “praxis”
revolucionária para o futuro.
Até
meados da década de 30, Álvaro Cunhal pouca ou mesmo nenhuma influência tem na
estrutura dirigente cimeira do PCP.
Apenas
em 1936, depois de Bento Gonçalves ser preso em Novembro de 1935, quando
regressava da antiga URSS, Cunhal é cooptado para membro do Comité Central,
onde se junta a Alberto Araújo, Manuel Rodrigues da Silva e Pires Jorge.
Em
1936, uma organização do PCP para a Armada (Organização Revolucionária da
Armada) organiza uma sublevação a bordo dos contratorpedeiros Afonso de Albuquerque
e Dão, que se preparavam para intervir, ao lado das forças franquistas, na
guerra civil espanhola.
Esta
acção valorosa foi, no entanto, derrotada e conduziu a um elevado números de
presos militantes do PCP e à colocação de muitos deles no campo de concentração
do Tarrafal.
Este
período que vai daquele ano até 1941 é percorrido por uma fase de
desorientação, lutas internas desordenadas e desconfianças acirradas pelas
prisões pela polícia política.
O
PCP chega a confrontar-se com dois CC (Em 1940/41, um grupo liderado por
militantes como Cansado Gonçalves, Velez Grilo e Vasco de Carvalho intitula-se
o núcleo dirigente, em contraposição à direcção Cunhal/Manuel Guedes/Pires
Jorge/Pires Jorge).
O
imbróglio fratricida entre militantes, essencialmente, intelectuais no PCP leva
a IC stalinista a cortar, em 1939, o relacionamento com aquele partido.
É
em 1943, que se realiza o III Congresso do PCP, onde Álvaro Cunhal já aparece
como o principal dirigente – curiosa e subtilmente procura-se fazer esquecer o
que anteriormente já constituía História daquele partido, intitulando-o de I
Congresso, com uma rebarba oportuna, no conclave seguinte em 1946, de o
considerar ilegal, metido, estrategicamente entre parênteses.
Cunhal
apresenta o relatório político “A Unidade da Nação na luta pelo Pão, Liberdade
e Independência”, com o pseudónimo de “Duarte”, e ainda um outro para desancar
nos seus opositores internos que apelida de “grupelho provocatório” (Cansado
Gonçalves), sendo os restantes apresentados, como apêndices- José Gregório
“Relatório sobre as greves de 1942 e 43”, Manuel Guedes – sobre problemas de
organização e Sérgio Vilarigues, sobre a Juventude.
(O
relatório político de Cunhal será analisado seguidamente, já que ele é o
documento central de toda a política cunhalista até à sua morte).
Como
se referirá a partir do parágrafo seguinte, Álvaro Cunhal irá ter pouca
influência directa na vida interna do PCP em toda a década de 50, pois é preso
em 1949 e ficará detido até 1960, ano da sua fuga, juntamente com o principal
grupo dirigente do seu partido, do forte de Peniche.
Emergirá,
nesta altura, um antigo militante e dirigente chamado Júlio Fogaça, que
aplicará diligentemente a doutrina cunhalista da III Internacional até 1957,
altura em que se efectuará o VI Congresso do PCP, e os seus militantes se
colocam, com toda a naturalidade, em sintonia com as teses saídas do XX
Congresso do PCUS, realizado em 1956, então já sob a liderança de Nikita
Krutchov, que defendeu e impôs a “doutrina de coexistência pacífica” a nível
mundial com o sistema capitalismo liberal por parte dos seguidores do
capitalismo de Estado vigente na URSS.
Depois
da saída da prisão, criticou o que apelidou de viragem à direita do seu
partido, cuja política estaria só errada
com a aplicação após o VI Congresso.
Claro
manteve, como actual, a orientação programática da “unidade de todos os
portugueses honrados”, que ele introduziu, mas ela estava, no fundo, já a ser
posta contestada, há muito tempo dentro da estrutura partidária.
(Esses
efeitos só ganharam notoriedade, com o início da guerra colonial).
Colocou-se,
então, numa “posição intermédia” para reganhar novamente o controlo partidário.
Fogaça
foi afastado do CC e do Partido.
Cunhal
esteve somente mais um ano em Portugal, saindo para o exílio na antiga União
Soviética.
A
direcção executiva do PCP ficou nas mãos de três dirigentes: Vilarigues,
Castanheira e Francisco Martins Rodrigues.
Este,
já falecido, era, na realidade, o teórico e o responsável directo do jornal
“Avante”.
Como
é do conhecimento histórico, Martins Rodrigues aprofundou as divergências
ideológicas e políticas, nascidas na própria prisão de Peniche, com Cunhal (e,
já em liberdade, com o seu braço operacional no interior Vilarigues).
Na
realidade, uma parte substancial das bases operárias do PCP, principal da
cintura industrial de Lisboa, contestava a política de “unidade antifascista”,
em que havia, na realidade uma subordinação estratégica à burguesia liberal e
ao seu conceito de poder.
Estas
divergências acentuaram-se com a eclosão da guerra colonial, em que a direcção
cunhalista dava primazia a “unidade nacional contra o fascismo” em detrimento
dos direitos dos povos colonizados à sua independência.
(O
PCP colocou no papel, no VI Congresso, 1957, o direito dos povos colonizados a
seguirem o seu próprio caminho, mas esta tese nunca passou à prática).
De
certo modo e em certo sentido, o debate de finais dos anos 50 e primeiros anos
de 60 do século XX foi o maior abalo ideológico dentro do PCP, e que teve
início, justamente, dentro da prisão de Peniche.
Dos
principais dirigentes presos críticos de então, como Francisco Miguel, recuaram
na reunião do CC, realizada em Moscovo em 1963.
Foram
colocados perante a possibilidade de serem expulsos e deixarem de ser
funcionários, e apenas Francisco Martins manteve a sua posição.
Martins
saiu, mas o PCP fez questão de o demitir, lançando-lhe um série de calúnias de
carácter pessoal.
As
cisões deram-se, mais tarde, em quadros intermédios. Os efeitos práticos do
abandono daquele partido de jovens militantes operários ocorreu, justamente,
nos pós-Abril.
Depois
de 1963, Álvaro Cunhal ficou, então, o dirigente incontestado do PCP depurado.
E idolatrado como um “santo cristão” pelos seus fiéis no pós 25 de Abril.
3
– A confissão é do próprio Álvaro Cunhal – está escrita na sua obra “O Partido
com paredes de vidro”: “É de sublinhar a
importância que, para a formação política do PCP, teve o VII Congresso (e
último) da Internacional Comunista. A linha política do PCP estava eivada de
ilusões sectárias e voluntaristas”.
Ou
seja, em termos práticos, a teoria programática do PCP foi forjada a partir do
informe político do búlgaro Georgi Dimitrov, que liderava, em nome de Josep
Stáline, a chamada III IC.
O
objectivo estratégico dos partidos filiados ou ligados a essa IC foi a “unidade
antifascista”.
O
PCP e todos os velhos partidos que se reorganizaram com a IC de Stáline tiveram
como linha ideológica estratégica fundamental até aos dias de hoje, aqueles que
ainda se intitulam comunistas seguidores da velha URSS, o lema apresentado por
Dimitrov, que vingou: “unidade a todo o preço para barrar o caminho ao
fascismo, à guerra, ao imperialismo”.
Este
novo programa estratégico está, precisamente, contido em dois relatórios políticos
apresentados por Cunhal em dois Congressos partidários diferentes, em tempo e
em condições políticas diferenciadas, o III, em 1943, (“A Unidade da Nação na
luta pelo Pão, Liberdade e Independência”), o IV, já depois da II Grande Guerra,
em 1946, que segue os ditames do primeiro e os aprofunda, no tipo de poder que
preconiza, (“Unidade da Nação para a conquista da Democracia”).
Os
informes de Álvaro Cunhal não trazem, pois, qualquer contributo ideológico e
político à teoria comunista da luta de classes. Pelo contrário, obscurecem-na.
O
enaltecimento que os actuais dirigentes escreveram para os 100 anos do
nascimento de Álvaro Cunhal não passam de palavras mandadas para o vento: “A
obra de Álvaro Cunhal é simultaneamente construção e testemunho da
independência política e ideológica do proletariado português”.
Pelo
contrário, são escritos mecanicistas e seguidistas das teses anti-comunistas
delineadas pela dupla Stáline/Dimitrov para a chamada IC.
Pode-se
começar pelos títulos dos dois informes: “Unidade da Nação…”.
Ou
seja, a admissão, por parte de pessoas que se dizem comunistas, de que
territórios coloniais ocupados e sujeitos aos maiores vexames pelo Estado
fascista que os humilha, como “unidades políticas”, fazem, para o PCP, tal como
Salazar, parte da “integridade territorial” (Avante, Janeiro de 1942), sem
contestação.
Mas,
vamos, em primeiro lugar, à questão da unidade de acção, com todos as classes e
sectores que se opunham a Salazar: republicanos burgueses colonialistas, monárquicos
profundamente conservadores e pró-capitalistas, apenas meros oponentes do
ditador, fascistas em litígio com aquele, como Rolão Preto, entre outros.
A
unidade em si não é má.
A
questão é a prática e os princípios de um Partido Comunista, aplicados a um
projecto que somente deve ser feito com sectores da burguesia democrática, mas
que não estejam enquadrados numa orientação reaccionária, como eram os casos
dos monárquicos colonialistas e os fascistas não salazaristas.
Não
se pode aceitar este projecto, apresentado como comunista, sem definição, mesmo
em compromisso, de um programa mínimo que tenha como objectivo a edificação de
uma nova sociedade.
Para
as classes trabalhadoras, Cunhal sustenta que o único caminho para “o
derrubamento do fascismo” passa, essencialmente, pela “conquista da
democracia”. Ou seja, a República parlamentar burguesa.
E,
esse é o caminho que vai continuar a ser impulsionado pelos seguidores da URSS
e pela burguesia capitalista mesmo depois do fim da II Grande Guerra - PCF em França,
com Maurice Thorez, PCI em Itália, com Palmiro Togliati.
Eles
foram o sustentáculo que deu argamassa à consolidação da grande burguesia,
abalada pela queda dos regimes nazi-fascistas, a quem estivera íntima e
umbilicalmente ligada.
Nem
uma única reivindicação revolucionária, apenas teses democrático-burguesas,
que, segundo o jornal “Avante”, de Fevereiro de 1943, deve acabar na
“instauração de um governo democrático de unidade nacional”.
E
quem cabe nessa miscelânea, todos os que se opunham ao “salazarismo” inclusive
os legionários “honrados” que o suportam.
É,
nesta perspectiva, que em 1949, o jornal “Avante” coloca, como notícia
destacada da sua primeira página um elogio de panegírico, por ocasião da sua morte
ao monárquico conservador, antigo ajudante de campo do último rei de Portugal e
adepto sem reservas da ocupação colonial Paiva Couceiro.
Com
o título, precisamente, “PAIVA COUCEIRO inimigo do fascismo”, apenas porque
aquele era um oponente a Salazar, que não sancionara a restauração da
monarquia, como prometera aos seus apologistas, que o apoiaram na ascensão ao
poder.
Mas,
é também, em 1949, que o PCP apoia sem reservas o programa político do
candidato presidencial da “oposição” general Norton de Matos, incluindo o seu
programa assumidamente colonialista.
E
isto numa altura que os “ventos da História” estão colocando em marcha
acelerada a independência das colónias europeias em África e no
Extremo-Oriente.
Foi
por iniciativa do PCP, que os seus jovens membros de origem africana, alguns
dos quais serão os futuros dirigentes dos novos Estados que se separaram, pela
luta armada, de Portugal, assinaram, através do Movimento de Unidade
Democrática (MUD) juvenil, um documento de apoio sem reservas à política
colonial de Norton de Matos.
Esta
prática não é passageira, nem desinserida de uma orientação ideológica
perfeitamente instalada e enquadrada.
Durante
todo o período de tentativa pacífica da nova República Indiana de incorporar no
seu território os resquícios coloniais de Portugal naquele continente, que
levam, primeiramente, a uma fase de mensagens verbais, e, posteriormente, à
ocupação definitiva do chamado “Estado da Índia”, o PCP, através do seu órgão
central, em lugar de defender as posições de separação, que a própria ONU já
incluíra nos direitos universais dos povos à cessão política das potências
ocupantes, sustentava uma posição “ultranacionalista”, argumentando que
“Salazar afasta Goa de Portugal” (ver jornal Avante, 1947).
Com
argumentos do *arco da velha”. Cita-se: “Pela sua política antidemocrática e de
opressão colonial, o governo salazarista está cavando um irremediável abismo
entre Portugal e os povos coloniais”.
Ou
seja, a colonização “democrática”, via “unidade de todos os portugueses
honrados”, acabava com a opressão daqueles povos….
Na
realidade, foram os dirigentes dos partidos e movimentações de libertação que
acabaram com o lema cunhalista da “unidade da nação para a conquista da
democracia”, ao romperem, a partir de Angola, que à revelia e em ruptura do
PCP, constituíram, primeiro, o Partido Comunista de Angola, com os irmãos Pinto
de Andrade e Viriato da Cruz, sem Agostinho Neto, e, posteriormente, o MPLA
(Movimento Popular de Libertação de Angola).
4
– A Revolução Soviética de 1917, porque sucedeu num país imenso que meses antes
derrubara por um levantamento popular imenso uma tirania sanguinária medieval,
trouxe um regozijo e um fascínio que ultrapassou as fronteiras da Europa e se
espraiou pelas Américas, Ásia e Oceânia.
E
mais transbordo de alegria manifestou, porque aconteceu depois de derrotas violentas
e significativas de movimentos e experiências revolucionárias e socialistas,
especialmente na França da Comuna.
O
que se estava a passar na Grande Rússia, com a sua vitória nos dois anos
seguintes, numa guerra civil enorme, contra todo o mundo capitalista mais
avançado da altura, parecia dar indícios de que uma revolução mais ampla e
generalizada poderia alastrar no planeta terra.
A
formação, em 1922, a partir da Revolução Russa, de um grande Estado federado
que ia desde a Europa ao Extremo-Oriente, sob a designação de União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas, que enquadrava o que é hoje a Ucrânia, a
Bielorrússia, a Geórgia, a Arménia, Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão,
Tadjiquistão e Turcomenistão, maior alento deu ao que se considerava ser
possível, em tempo breve, um despoletar de levantamentos revolucionários,
principalmente, noutros Estados europeus.
A
iniciativa, lançada pelo PCUS em 1919, de criar uma III Internacional, depois
do levantamento revolucionários na Hungria (de Março a Agosto de 1919) e na
Alemanha de 1918-19 (Baviera), reforçou a ideia entre os revolucionários de uma
arrancada para uma nova era de poder das classes laboriosas.
Na
realidade, a vitória revolucionária do Partido bolchevique russo, em Outubro de
1917, então sob a liderança de Vladimir Lénine, e com um programa de ruptura de
poder em torno dos princípios do Manifesto Comunista, colocou em pânico toda a
grande burguesia mundial, especialmente aquele onde dominava os países
capitalistas mais avançados, que se lançou nos braços de programas claramente
reaccionários, que se acolitavam, primeiro, em torno de partidos conservadores
reaccionários, e, na década seguinte, em formações de carácter nazi-fascista,
como Portugal, Espanha, Itália, e, posteriormente a Alemanha.
Todavia,
depois dos fracassos das revoluções na Alemanha e na Hungria, e das mudanças de
orientação programática e prática do Partido Comunista Russo, optando pela
introdução de medidas capitalistas nos campos, com a chamada NEP (Nova Política
Económica), iniciada em 1922, começava a verificar-se que o período
revolucionário em particular na Europa entrava em retrocesso, e a situação
económica e política no interior do que viria a ser a União Soviética entrava
numa fase de ambiguidade que o próprio Lénine, ainda em vida, denominava de
práticas capitalistas, disfarçadas com um verniz soviético, que intitulou mesmo
de “capitalismo de Estado”.
Quando,
em 1928, já depois da morte de Lénine, o grupo dirigente, onde começava a pontificar
Stáline, dá por finda a NEP, verifica-se que se dera uma transformação profunda
no programa socialista do PCUS, como se registava um descontentamento, com
revoltas operárias e camponesas, e um afastamento em grande escala dos sectores
revolucionários daquele partido e uma centralização brutal de um poder de
Estado nas mãos de uma minoria – desprezando as análises de Marx e Engels sobre
a destruição de Estado à medida que se evoluísse para o socialismo - que
caminhava para a colocação em prática de medidas repressivas para impor em
praticas as orientações económicas e políticas.
Quando
finda a NEP, o fosso salarial entre operários aumentara substancialmente,
igualmente se verifica uma diferenciação elevada entre funcionários superiores
do PCUS e a maioria da população, a abertura ao sector privado nos campos e no
comércio está a ser aproveitado para a formação de uma camada mais alargada de
uma nova burocracia endinheirada e de sectores intermédios de camponeses mais
beneficiados (que na iniciativa inicial
de Lénine pretendia ser apenas ao pequeno campesinato e pequeno comerciante) e
mesmo ao capital internacional, que nunca mais foi enquadrado.
Revolução
Socialista russa de 1917 tinha soçobrado e estava a ser dirigida por uma
minoria, e esta minoria que venceu as restantes facções partidárias,
aniquiladas violentamente, conseguiu
manter-se, mais tempo no poder, embora entrando claramente numa orientação
contra-revolucionária.
A
sua continuidade no poder deu-se porque manteve pretensas bandeiras revolucionárias,
com as nacionalizações bancárias e industriais e a colectivização de terras,
mas tudo em modelos de repressão forçadas, que satisfaziam, em parte o
interesse de alguns sectores proletários e populares.
Surgiam
sob uma perspectiva de radicalização de um processo revolucionário, que
atiravam o ódio dos erros e desvios para cima dos antigos dirigentes, que foram
vencidos ou acusados de actos de sabotagem as realizações do Estado que diziam
socialista.
A
realidade era outra: o nível desenvolvimento económico da Rússia saída do
czarismo no momento em que se dá a Revolução Soviética de 1917 não estava
preparada, por si só, para entrar num processo de eliminação radical do sistema
capitalista, com resquícios medievais, sem que houvesse um apoio revolucionário do
ocidente europeu, onde o poder socialista ajudasse o incremento da nova
sociedade revolucionária da União Soviética.
(Convém
referir que, em Outubro de 1917, o proletariado industrial russo representava
uma percentagem reduzida face à imensa mole de campesinato).
Colocados
perante a inexistência de desenvolvimentos subversivos e mesmo de uma crise
revolucionária nos países europeus ocidentais, depois dos primeiros anos da
década de 20 do século XX, os dirigentes da US, em 1925, adoptaram no XIV Congresso
do PCUS, como política central, a tese da Construção do “socialismo num só
pais”, sem que houvesse um revolucionamento social nos países capitalistas mais
avançados.
Esta
orientação era contrária, precisamente,
as análises desenvolvidas por Marx e Engels.
Nos
“Princípios Básicos do Comunismo”, Engels é taxativo ao afirmar que uma
revolução socialista não poderá “realizar-se apenas num único país”.
Com
o argumento; “a grande indústria, pelo facto de ter criado o mercado mundial,
levou todos os povos da terra – e, nomeadamente, os civilizados – a uma tal
ligação uns com os outros que cada povo está dependente daquilo que acontece a
outro”.
E
uma explicação, que deve ser apreciada com o devido enquadramento na época: “A
revolução comunista não será, portanto, uma revolução simplesmente nacional;
será uma revolução que se realizará simultaneamente em todos os países
civilizados, isto é, pelo menos na Inglaterra, na América, em França e na
Alemanha”.
Ou
seja, nos países onde os restos dos entraves pré-capitalistas estejam
ultrapassados.
A
Revolução Socialista Russa de 1917 foi derrotada, e a permanência, no conjunto
de países e territórios que constituíram a URSS, de uma contra-revolução por
longas décadas, com os lemas revolucionários e os seus programas pretensamente
comunistas, considerados como “faróis” em revoluções posteriores, como a
chinesa, a cubana, vietnamita e coreana (porque todas elas entroncam no
programa político de *democracia popular* saído das orientações da III IC, de
1935), trouxeram desorientação e limitaram o alcance de uma verdadeira crítica
materialista e consequentemente o desenvolvimento de um novo projecto de
transformação radical da sociedade mundial.
Toda
segunda metade do século XX, e de maneira evidente, neste princípio do século
XXI, foi um período longo de incremento e amadurecimento de desenvolvimento
económico capitalista, que contou, com o contra-ponto ideológico e económico da
falência lenta mais continuada de uma contra-revolução, que se erigia em
“farol” de progresso social, centrada na antiga União Soviética e, em
divergências secundárias, com a República Popular da China.
Todavia,
este período teve o mérito de fazer alastrar o capitalismo puro, praticamente,
a todas as partes do mundo, e, fez acabar com certas discrepâncias e foi
trucidando, ao longo destas largas dezenas de anos, os entraves secundários
(não só na indústria incipiente, mas também na reorganização da produção e
industrialização agrícola) que a evolução daquele desenvolveu na implantação do
seu caminho.
Chegámos
à época actual com uma crise económica financeira de proporções mundiais do
capitalismo como nunca foi atingida e conhecida.
Temos
também uma clarificação mais acentuada entre os interesses da burguesia e das
classes trabalhadoras, em recomposição e reestruturação.
É
sobre esta perspectiva, assim o penso, que se terá de retirar lições e
descortinar soluções de teoria e “praxis”.
Uma
revolução não tem cabimento com uma reforma dentro do actual sistema político dominante.
Não
está em causa a revolução por uma nova sociedade, que é um direito adquirido,
que não foi destroçada, nem ela própria colocada “fora de moda”, mas sim as
suas manifestações de poder que surgiram em Estados e Nações que não estavam
maduras para o fazerem, isoladas, nem contando com uma mais profundidade de uma
ruptura das relações de classe.
Será
sobre visão que, analisando os erros, as nossas ilusões, as nossas deficiências
de evolução ideológica e de crítica ao que se passava, que devemos projectar
novas instituições políticas classistas, com um programa renovado e tendo em
conta, essencialmente, que está ultrapassada a sociedade da primeira metade do
século XX.
Não
pode haver a ilusão de que é possível derrubar e instituir um poder com uma
força minoritária revolucionária.
Igualmente,
se tem de retirar da acção e do pensamento retrógrado, que ainda nos tolda a
acção política, que uma força revolucionária deve fazer o seu trabalho político
somente concentrado no seu próprio país.
Sem comentários:
Enviar um comentário