quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

A CRISE UCRANIANA VISA DESTROÇAR A UNIÃO EUROPEIA

1 – Os que me lêem lembram-se, ainda, da queda, há cinco meses, de um avião malaio – um Boieng 777 da empresa Malausia Airlines – com cerca de 300 pessoas a bordo no leste da Ucrânia?

Se se lembrarem, talvez possam recordar o alarido que os Estados Unidos fizeram, então, apontando, de imediato, “como confirmação”, sem qualquer contestação, que o avião fora abatido por um míssil terra-ar, e, inicialmente, culpabilizaram, taxativamente, a Rússia de ser a responsável pelo abate premeditado.

O coro estendeu-se desde o regime pró-fascista, que se tinha institucionalizado na Ucrânia, depois do afastamento, por métodos golpistas, do anterior Presidente do país o oligarca Viktor Yanukovich, que se refugiou na Rússia, até à democrática Inglaterra e à republicana França, com o berreiro serviçal rastejante do Canadá e Austrália.

Curiosamente, quer a Ucrânia, quer os Estados Unidos, silenciaram-se, repentinamente, a partir do momento que a propaganda organizada em torno do abate do avião por parte de mísseis terra-ar russos, começou a ser posta em causa, particularmente, por especialistas exteriores àqueles dois países, e mesmo no interior dos serviços secretos norte-americanos.

Principalmente, os Estados Unidos nunca puseram à disposição das autoridades de investigação independentes as fotografias de satélite que efectuaram no local, no momento do abate.

Até hoje não se conhece um relatório factual, pormenorizado, do sucedido rubricado pelas instâncias que deveriam fazê-lo, nomeadamente, as autoridades holandesas e malaias e o Instituto Internacional da Aviação Civil, quiçá, mesmo a ONU, cujo secretário-geral, na altura, muito se pronunciou sobre o assunto.

Recorde-se que o avião foi autorizado pelos serviços aeroportuários da Ucrânia a seguir uma rota perigosa, a cerca de 10 mil metros de altitude, pois atravessava um espaço aéreo na região oriental de Donetsk, perto da cidade de Shaktarsk, região esta onde se confrontavam, abertamente, tropas ucranianas e milicianos que defendem a federalização do país, e são de língua e origens russas.

A parte ucraniana utilizava aviões de combate e o seu Exército estava na posse de BUK 1, que operavam na zona,  programado, aliás, para interceptar mísseis de cruzeiro, bombas inteligentes e aeronaves, que voam a grande altitude, mas que exigem, em operacionalidade, um equipamento complexo, facilmente referenciável por satélites. 

Necessitam de uma logística humana de mais de 50 homens, além de vários veículos.

A Rússia, igualmente, tem ao seu serviço tais tipos de sistema de mísseis, mas a sua utilização, descarada, seria facilmente detectada pelos sistemas de espionagem aéreo, dos dois lados, que estão em serviço na região.

(Ver foto mais à frente).

O vulgar míssil terra-ar, do tipo Strella, este a ser operado pelos separatistas-independentistas do leste ucraniano,é disparado ao ombro, com um alcance, em altitude, da ordem dos quatro mil metros, guiado por sistema de infravermelhos.


As autoridades russas declararam, dias depois, que um avião militar armado ucraniano estava a voar muito perto do avião malaio.

2 -  Sigamos, agora, a vertigem da crise ucraniana – e orientemo-nos, não pela simples pista do dinheiro, mas a actuação real societária:

O que estava a suceder, na Europa, mais concretamente, na União Europeia, antes da crise económica-financeira fomentada e implodida nos Estados Unidos da América, em 2008?

A UE tinha a sua moeda única em ascensão, e, em 2008 a paridade euro/dólar ultrapassava os 1,5. 

O euro estava a tornar-se a moeda de referência mundial, ameaçando a supremacia norte-americana, com cada vez mais países, especialmente os chamados emergentes e os Estados com grande produção petrolífera a admitirem que tencionavam optar pela moeda europeia como entidade primacial de troca comercial.

(O dólar era - e é -, na altura, a principal moeda de reserva mundial, mas, em relação aos 14 meses anteriores àquela data, verificava-se que a sua evolução regredia face aos seus principais *parceiros comerciais*, com uma desvalorização da ordem dos 7%).

Baseando-nos em dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2008, a UE era a maior potência económica do mundo, com um Produto Interno Bruto da ordem dos 18,5 biliões de dólares (o PIB dos EUA era de 15,2 biliões de dólares), sendo considerada a primeira potência comercial internacional, enquadrando 20 por cento do volume total das importações e exportações.

Esta evolução, conseguida através da unidade económica, primeiro, e, depois política tinha sido conquistada, paulatinamente, não só contra os entraves nacionalistas internos, mas, de maneira, chamemos-lhe, diplomática, contra o seu principal rival externo, os EUA.

E isso, estava a tornar-se demasiado preocupante para Washington, porque, justamente, desde a saída de Ieltsin da Chefia de Estado na Rússia, estava em marcha um processo de *parceria* em estado avançado entre Bruxelas e Moscovo, em detrimento norte-americano.

Em 2011, concretamente, em Julho, efectuara-se, em Nijni-Novgorod, cidade russa, a 27ª Cimeira UE-Rússia, onde entre outros assuntos em discussão, quase todos de carácter económico-geoestratégico, se colocou o caminho de avançar para um novo acordo entre as duas partes, *que – cito, conforme foi anunciado oficialmente no final da mesma – deverá conduzir ao estreitamento das relações bilaterais no século XXI, e substituirá o Acordo de Parceria e Cooperação que entrou em vigor em 1997*.

E rematava: *a UE é, de longe, o maior mercado para as exportações da Rússia e esta é, por seu turno, o terceiro maior parceiro comercial da EU. As relações comerciais e no sector da energia são a pedra angular deste relacionamento estratégico. O petróleo e o gás representam grande parte das exportações da Rússia para a Europa*.


Uma aproximação que, em termos objectivos, elevava a parceria para novos patamares, pois um dos aspectos discutidos foi, justamente, a concessão de vistos recíproco pessoais. 

Ou seja, os primórdios, ainda que incipientes, de uma próxima livre circulação de pessoas e, naturalmente, ainda que condicionados, bens.

3 – Ora, a unidade europeia, sendo um processo endógeno da Europa, não pode ser, pura e simplesmente, uma questão apenas da Europa dita ocidental.

Com a desintegração do COMECON (Conselho para a Assistência Económica Mútua), que, pretendia, sob a supervisão da antiga União Soviética, uma integração de unidade económica.

COMECOM esse enquadrava, também, política e militar, via Pacto de Varsóvia, com várias Nações do continente europeu, nomeadamente, a Alemanha de Leste (RDA), Checoslováquia (hoje República Checa e Eslováquia), Polónia, Bulgária, Hungria e Roménia.

Tal mudança exigia uma *reorganização* económica e política que tivesse em conta a situação anterior e se fizesse uma harmonização, procurando levar, também, a nova Federação Russa, que abandonara o capitalismo de Estado, como modelo económico, para um posicionamento que, a prazo – médio-longo, pudesse cimentar uma unidade maior, que, a meu ver, se estendia, colada a cuspo, não do ponto de vista económico harmónico, como a CEE inicial, mas a “trouxe-mouxe”, ditado pelo mero interesse político e geo-político, forçado, financiado e forjado pelos Estados Unidos.

Washington, em todo o processo de destruição do COMECON/PACTO DE VARSÓVIA, era o principal inimigo externo da UE que adquiria poder comercial e político.

E a UE, para competir com a Rússia, que ainda era uma superpotência militar, e, que nas suas estranhas burguesas de monopólio capitalista de Estado, naturalmente, mostrava *garras* de que era um império, embora carcomido por feridas profundas, quer na economia, quer nas próprias questões de nacionalidades, teria de forjar as suas próprias Forças Armadas unificadas e uma diplomacia comum. (Assunto este que continua na ordem do dia, o que implica, sem margens para dúvidas, para evitar uma guerra mundial a ruptura com a NATO).

Avanço este que os seus dirigentes, submetidos aos ditames da NATO e, acima de tudo, do capital financeiro de Wall Street nunca quiseram trilhar.



Se tal sucedesse, a UE teria feito *acalmar* os ímpetos super-imperialistas dos Estados Unidos, e, as relações geo-políticas teriam entrado noutra orientação.

4 – A tensão em torno da Ucrânia, para os 

Estados Unidos da América, não é uma 

preocupação geo-estratégica de Washington 

para destruir a Rússia, embora a propaganda 

dos manipuladores de Wall Street (os grupos 

Time Warner, Walt Disney, Viacon, Rupert

Murdoch, CBS e NBC e os domínios quase

absolutos da net pela Google, Yahoo, Microsoft 

Facebook, entre um grupo inferior ligado às 

rádios regionais e locais), faça disso bandeira, 

mas sim para desagregar a União Europeia.

Apesar da crise de 2008, e, de todos os processos tortuosos da grande burguesia capitalista ligada e dependente dos EUA, instalada no poder político, em particular na Inglaterra, e, principalmente, nos países bálticos, Polónia, Bulgária e Roménia – e sob outro ponto de vista na Alemanha, com tiques imperiais renascidos em certos sectores (políticos, económicos e militares) ligados à CDU, e à ala fascista bávara CSU, o euro manteve-se, como moeda forte no interior da UE.

Na realidade, ela é, diariamente, usada por mais de 330 milhões de europeus e, por mais 170 milhões de pessoas exteriores a esse espaço.

O que está, realmente, a revolver e a fazer turbulência dentro da UE é, justamente, o desmascaramento total do papel desempenhado pelo capitalismo financeiro e pelo lacaios políticos – desde os conservadores/populares aos ditos socialistas/sociais democratas capitalistas. 

(A política de austeridade é um ditame acintoso fomentada pelo FMI/Banco Mundial).

E é desse confronto entre os sectores conservadores/socialistas/fascistas, encriptados no poder dito democrático, nos EUA e na UE, e as novas forças que buscam uma alternativa de revolução e progresso que se vai decidir toda a nova geo-política do mundo.

E, concretamente, o chamado mundo ocidental irá sofrer uma mudança total nos próximos cinco a 10 anos.

Naturalmente, existem pretensões hegemónicas dentro da UE, submissões repugnantes face ao capital de Wall Street, mas a realidade é esta: o poder económico da Europa comunitária sobrepõem-se, na realidade, aos objectivos da burguesia imperialista germânica.

E os fomentadores de Washington têm a consciência deste facto, e, da sua fraqueza económica, política e militar.

5 – O actual ascenso da crise mundial em torno do petróleo e do gás, cujo sintomas são atirados apenas, pela propaganda, para os países produtores dominantes (Rússia, Irão, Arábia Saudita, Venezuela, e, em menor escala, Angola, Nigéria) irá, a prazo, talvez não muito longo, seis meses, colocar em cima da mesa: os valores verdadeiros da produção.

E esta guerra económica, porque, toda ela engendrada em torno de uma luta prolongada em *ver quem aguenta* irá estilhaçar alianças, pois, se a Rússia é, sumamente atingida, ela vai incrementar as trocas comerciais com a China e a Índia, e, a circulação monetária que envolverá tais negócios serão feitos fora da “zona dólar”.

Mas, em termos mais próximos, a Europa será ela própria atingida fortemente – e já agora de maneira destacada a Inglaterra, o fiel *jardineiro* de Washington, cujo *valor comercial* está, justamente, no facto de ser uma praça de off-shores e de produção de petróleo, a Noruega, que vai sofrer com o crude baixo e não está inserida no euro.

Naturalmente, com esta descida abrupta do preço do petróleo e gás, abre-se um período que vai prolongar-se por vários meses, cujo expoente deste complô se situa, justamente, nos EUA, com o chamado petróleo de xisto. 

Aparentemente, serve os objectivos norte-americanos, mas a sua depuração e enriquecimento são caros. 

E abaixo de determinado valor deixa de ser rentável.

E a questão central para os EUA vai ser a moeda.

E essencialmente, nesta fase, as reservas de ouro.

Os países produtores, aparentemente, mais atingidos começaram a vender nas suas moedas em sistema de trocas bilaterais, cujo expoente está centrado no núcleo Rússia-China-Venezuela-Irão.

O centro da questão vai estar no braço de ferro que os Estados Unidos estão a fazer com a Rússia, em torno da Ucrânia, não porque Washington queira enfrentar directa e militarmente Moscovo, mas sim porque pretende meter na fogueira a parte “fraca militar” de um intermediário que é a potência comercial chamada União Europeia.

Na realidade, nesta *comédia* encenada pelos galifões do poder financeiro internacional, que dominam o mundo ocidental, o que estão frente a frente não são propriamente *soldadinhos de chumbo*, mas duas forças tremendas de poder nuclear.

A realidade geo-política é outra: os chamados países emergentes, ainda não têm poderosos exércitos, mas já falam grosso aos ditames de Washington, já não comercializam em torno da moeda *imperial* dólar*, que está encharcada em processos de retrocesso, bem como a própria economia norte-americana, que enfrenta, internamente, uma hipótese real de uma nova *bolha* financeira, que se chama “commodities”.

Evolução da economia dos países após a quebra do Lehman Brothers (Foto: Editoria de Arte/G1)

A crise de 2008, sem inverter a tendência recessiva, veio modificar toda a política real prática de todo o mundo.

E o que é grave, porque pode fazer explodir de repente uma guerra de enormes dimensões; é que esta tensão fomentada por um império, ainda forte, mas em decadência, está a levar todos os grandes Estados emergentes, para parcerias, que fazem os orçamentos militares.

Está a entrar-se numa era de militarização, e, a sociedade pode ser empurrada para servir os interesses económicos e financeiros da grande burguesia através do recurso ao poder do exército.

Ora, o militarismo elevado a fim supremo do Estado devora o avanço civilizacional dos povos, e, a UE está no centro do furação, tornando-se apenas um lacaio dos verdadeiros senhores da guerra, que querem ficar de fora para virem buscar os despojos.

Esta é, para mim, a verdadeira lição da crise ucraniana. E os responsáveis europeus se entrarem no jogo norte-americano irão ser chamados à pedra. Espero que sejam deitados pela borda fora o mais rápido possível.

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