quarta-feira, 7 de agosto de 2013

DETROIT: O EXEMPLO DA DECADÊNCIA DA PRODUÇÃO INTERNA


1 – O anúncio da falência de uma das cidades mais industriais dos Estados Unidos, Detroit, no Estado do Michigan, trouxe para as primeiras páginas da imprensa a questão do desenvolvimento económico norte-americano, e, em particular, a manipulação que os interesses dominantes naquele país, incluindo a sua comunicação social por eles controlada, estão a efectuar, há longos anos, sob a real situação sócio-económica norte-americana, por obscurecer a desigualdade entre as suas relações sociais e as formas económicas que orientam aquele país.

Na realidade, os EUA estão, financeiramente, na falência.

Segundo dados oficiais, relativos a 30 de Junho findo, a dívida pública norte-americana ultrapassa já os 14,3 biliões de dólares, admitindo-se um valor de 16 biliões de dólares, que o Congresso e Câmara de Representante, aliás, estabeleceram num “consenso”  alcançado em Maio passado.

O Departamento Orçamental do Congresso norte-americano (CBO) sublinhou, há dias, que o défice fiscal de 2013 vai ser superior em 330 mil milhões de dólares, se não houver “um consenso” mais alargado para evitar “um abismo fiscal”, que desde 2008 pende sobre a economia dos Estados Unidos.

E ressaltou aquele departamento: se tal suceder, o défice fiscal federal subirá – tendo como baliza os 16 biliões - em cerca de quatro biliões de dólares numa década.

Como pretendem os legisladores, em sintonia com o governo norte-americano “solucionar” este desequilíbrio orçamental?:

Arranjar uma manigância em “engenharia financeira” e manipulando os valores actuais.

Ou seja, continuar na especulação financeira, à custa de multiplicação de dólares, dando uma imagem de falsa abundância, e, abaixamento progressivo dos rendimentos do trabalho e dos pensionistas.

Gastar, em crescendo, o dinheiro dos contribuintes no sector do complexo industrial-militar, fomentando um militarismo cada vez mais agressivo e desgastante, elevando a condição, única, de sustentáculo do Estado.


2 – Em 2010, fiz uma viagem, de três semanas, em auto-caravana, com um grupo de portugueses, por vários Estados do interior dos EUA, que se iniciou em Las Vegas, no Nevada, com percursos por Utah, Colorado, Wyoming, Idaho, a parte norte do Arizona, e a parte sul de Montana.

Las Vegas, uma cidade recente, contem na sua metrópole cerca de dois milhões de habitantes.

Não possui uma grande indústria de produção nacional na sua área.

Cresceu com o turismo, o jogo, a prostituição e droga.

No sul do Estado, existe alguma indústria de alta tecnologia, que está ligada aos jogos electrónicos e telecomunicações, mas com poucos postos de trabalho, e estes, normalmente, altamente especializados.

Verifica-se uma elevada construção de casas, mas reparei, principalmente, fora do centro, que as entradas das mesmas continham as célebres tábuas de madeira com os dizeres “sold” (vende-se) e enxameavam este e outros territórios.

Os empregados de restaurantes (que evitavam falar sobre a sua situação, particularmente os hispânicos), de hotéis e motéis e mesmo grande parte das bailarinas esculturais, que dançavam nos casinos, eram estrangeiros.

(Informaram-nos, também, que 15% da população residente de Las Vegas vive abaixo do limiar da pobreza).

Numa viagem de autocarro pela zona urbana central, o guia explicou, sem qualquer rebuço, que aqueles grandes hotéis e casinos monumentais pertenciam à Máfia (como Bellagio, Luxor, Trump, Caesers, entre outros), excepto um.

Quando nos movimentámos pelos diferentes Estados, multiplicavam-se as tabuletas com a palavra “sold”, quer em habitações, quer em propriedades rurais.


Como pernoitávamos em parques nacionais, ao longo do percurso, convivíamos com auto-caravanas, em número elevado - e alguns verdadeiras residências andantes -, mas a maioria, eram caravanas vulgares, algumas  adaptadas de autocarros para habitação.

Quando falávamos com essas pessoas, constatávamos que eram as suas reais habitações permanentes.

Fomos a enormes “outlets” temáticos nos arredores de Las Vegas, porque a publicidade afirmava que os produtos de vestuário prático, “as verdadeiras calças americanas”, nos *placardes* publicitários, tais como a Lewis, Lee e Wrangler, eram baratíssimas, bem como o calçado prático, da Nike.

Ou mesmo para computadores e telemóveis e outros se enquadravam em preços comparativos por metade face aos portugueses.

Era verdade. 

Só que, quando consultamos as fitas indicativas do local de fabrico, eram todas, mas todas – desde camisas a cuecas – “made” em China, Tailândia, Malásia, India, Sri Lanka, entre outros países.

Voltamos, pois a Detroit.

O poder de uma comunidade somente se alcança com a existência de dinheiro real, palpável.

Porque o lançamento desse dinheiro "no mercado", crescente e descontrolado, através da moeda, não serve para nada, se não estiver enquadrado, engrandecido e solidificado pela produção económica nacional.

A prazo, a vida social terá de definhar.

E com ela a perda da força, que, em si, é determinada pela situação económica interna, que gere o real desenvolvimento industrial e societário.

Ora, a evolução da sociedade norte-americana está em retrocesso, justamente tal como os países da Europa, pelo decréscimo da sua produção nacional.

E, não haverá recuperação enquanto as economias, quer dos Estados Unidos, quer da União Europeia, estiveram sujeitas ao fluxo monetário e produtivo sediado e provindo do espaço externo aos seus territórios.

Arrecadam-se lucros enormes através dos “arranjos” financeiros dessas produções deslocadas, que vão para accionistas e executivos principais ou da especulação bolsista, mas a realidade é que empobrece a maioria da população desses Estados, em especial dos EUA.

Por muitas maquilhagens que as autoridades norte-americanas façam das estatísticas do trabalho (Bureau of Labor Statistics), onde através das folhas de pagamento mensais e da taxa de emprego real se verifica um declínio, ao contrário do que referem os dados “brutos” apresentados em Julho.

“Esqueceram-se” de contabilizar que um número crescente de desempregados de longa duração que deixou de estar inscrito nos centros de emprego.




Além do mais, verifica-se que existe também um crescimento de emprego de estrangeiros indocumentados, que não representam um acréscimo acentuado de consumo interno, pois os salários são inferiores e fazem descer, forçadamente, a capacidade de compra dos assalariados norte-americanos.

A prazo, sem a inclusão desses trabalhadores, na plena cidadania norte-americana, leva a que os impostos decresçam e a despesa real aumente.

A artimanha utilizada pela Administração norte-americana, em cumplicidade descarada com o sistema financeiro de Wall Street, sediado na Reserva Federal, leva ao lançamento para os consumidores de montanhas de dólares, que são geridos. propagandisticamente, para entrarem na roda dos empréstimos “fáceis”.

E que, mais tarde, se verifica não os poderem pagar face aos juros que comportam, porque os seus salários, sempre em decréscimo nas últimas décadas, não acompanham a subida dos custos.

Assim aconteceu com a habitação, cujos métodos especulativos estão a voltar com refinanciamentos bancários, que já apontam para nova “bolha” imobiliária.

Isto significa, mais ano, menos ano, que o consumo se encolherá mais, e a economia avançará para a recessão incontrolada.

Recessão que já é a da situação económica actual.

O que pode vir a suceder, em breve, - e isto porque a própria economia norte-americana já não tem o poder produtivo de superioridade face as economias concorrentes de países e grupos de países em ascensão, elas também com problemas de consumo e de contracção económica, logo sem poder aquisitivo no exterior – é que o lançamento em catadupa de dinheiro  (dólar) para a actividade societária dos EUA já não tapará os “buracos económicos” norte-americanos.

(Não estamos a escrever, procurando marcar os aspectos negativos da economia norte-americana. São dados da realidade do país).

A administração Obama lançou, a 31 de Julho, com sonoridade, acompanhada pelos comentários de pretensos especialistas e jornalistas económicos enfeudados ao sistema dominante no país, que uma “previsão” da taxa de evolução real do PIB do país para o 2º trimestre deste seria da ordem dos 1,7%.

O que significaria um avanço real do PIB. 

Mas este valor crescente é um rearranjo inserto já numa estimativa errada apresentada para o 1º trimestre de 1,8% e que foi, realmente de 1,1%.


(previsão de segundo trimestre de 2013)

Ora, tudo indica que este valor também será alterado, quando confrontado com o incremento real.

Estas estimativas escondem a verdadeira intenção da política governamental de Obama que é a de evitar a todo o custo que os novos produtos especulativos financeiros sejam atingidos e levem os grandes bancos à falência.

Ou então terá de recorrer à injecção de capitais, tirados dos salários, reformas e serviços sociais dos contribuintes

3 – Ora, a questão é o futuro próximo, quando se discutir novamente o défice das contas públicas no Orçamento do Estado federal, e se verificar que a economia está, na realidade, a contrair e o dólar a ficar mais desprotegido pela falta de confiança, logo não pode ser “ampliado” artificialmente para “estimular” o mercado financeiro.

Então, a administração Obama, para proteger o seu sistema financeiro, a sua Wall Street, que o colocou no topo do poder político como serviçal, irá adoptar uma política muito semelhante à aplicada na União Europeia: cortes brutais nos ordenados dos assalariados, rapina nas pensões, destruição do mínimo de serviço público de saúde e educação, entre outras medidas.

Que terá reflexos imediatos e perniciosos, ainda mais, na própria Europa, se esta não se afastar, radicalmente, da dependência política e económica dos EUA, optando por parceiras estratégicas com os chamados países e blocos emergentes.

Para tal terá de haver uma inversão radical da orientação política que domina a UE, mexendo, em primeiro lugar, no controlo real do seu sistema financeiro.






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