domingo, 3 de janeiro de 2016

FRANÇA: QUANDO OS SOCIALISTAS SE TORNAM ARAUTOS DA ORDEM NACIONAL E DO PURO SANGUE

1 – O Primeiro-Ministro francês, Manuel Valls, anunciou, no passado dia 23, numa conferência de Imprensa, dada no Palácio do Eliseu, que o Presidente da República, François Hollande, tenciona propor legislação que revisa a Constituição, segundo a qual será retirada a nacionalidade francesa aos binacionais, de origem estrangeira, mesmo aos que tenham nascido em França, condenados por «crimes contra a vida da nação».











Um binacional contra a binacionalidade

No mesmo pacote legislativo, está a proposta de inscrever o «estado de emergência» na mesma Constituição.

Estes propósitos foram reafirmados por Hollande na sua mensagem de fim do ano em 31 de Dezembro.

O estado de emergência permite aos representantes policiais e judiciais estatais efectuarem buscas, prisões domiciliárias e dissoluções de associações sem permissão da autoridade judicial, apenas com o pretexto de simples suspeita de ameaça para a segurança pública.

O que tem de grave tal legislação, quando a França está envolvida, este ano, em graves casos de atentados mortíferos no seu território?, questionarão os adeptos da ordem estabelecida e da segurança.

A questão é que a França não está a ser atacada, essencialmente, do exterior, mas sim envolvida numa profunda crise interna, económica, política e social, cujos tentáculos se estendem à sua ambição imperialista.

Porque não se interrogam as pessoas sobre o que, realmente, se passa em França, quando dezenas e dezenas de seus cidadãos, nascidos, criados e com vivência da forma de vida do país, agem, sangrentamente, contra o mesmo e contra o modelo burguês político existente?

A taxa de desemprego oficial em França subiu para os 10,6% em Julho de 2015, e, a taxa de desemprego entre jovens está nos 25%, enquadramento etário este onde se situa uma parte significativa dos cidadãos franceses «binacionais».

A economia de França está em estagnação.

A dívida pública atingiu os 100%, sendo que, na realidade, a grande maioria corresponde a dívida privada, que foi incorporada naquela, por  pressão do capital financeiro.

Esta é a realidade: o actual regime político francês, representado, no presente, pela fracção da grande burguesia que se acolita no PS gaulês, depende, sem qualquer contestação de relevo, do grande capital financeiro especulador.

O que está a conduzir, de maneira evidente, desde a anterior governação dos chamados republicanos gaulistas, de Nicolas Sarkozy, a outra fracção política da grande burguesia que alterna no poder, a um continuo empobrecimento do Estado a favor dos bancos.

Sarkozy injectou nos grandes bancos franceses, directa ou indirectamente, uma verba fabulosa de 360 mil milhões de euros para «salvar» o sistema financeiro.

Apesar desta injecção, os bancos continuam em crise, atravessados por fraudes, desvios de dinheiro, colocação de investimentos em processos especulativos.

Esta «ajuda» estatal reflectiu-se num enorme esbulho fiscal sobre os trabalhadores, cujos sectores mais desprotegidos, os habitantes dos subúrbios, são os mais afectados. Empurrados, em suma, para a marginalidade, por inexistência de uma alternativa revolucionária de poder.

2 – Do alto da pose, pretensamente, majestática de François Hollande, após os atentados em Paris de 13 de Novembro, sustentando que iria combater o «terrorismo», o que, para tal, iria propor a inclusão do «estado de emergência» no texto constitucional e recorrer à repressão dos «binacionais» ligados ao mesmo, está a mera hipocrisia.

Além de bombardear a Síria, unilateralmente, sem autorização das autoridades legítimas do país, o chamado Estado Islâmico.

(Ironia das ironias, uma entidade em que a França republicana actual foi uma das *potências* ocidentais fomentadoras e financiadoras!).

Os mesmos homens «de Estado» que, em 2012, sustentavam, através das palavras do Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Laurent Fabius, que a Frente Al Nusra, o ramo sírio da Al Qaeda, em parceria com o EI naquele país, estava a fazer «um bom trabalho» oposicionista na Síria face ao regime de Assad, batem, agora, no peito, com todo o descaramento, a sua militância guerreira contra os então *moderados* jihadistas.

French President Francois Hollande (R) and Foreign Minister Laurent Fabius (2nd-R) meet with Saudi Defence Minister Prince Mohammed bin Salman bin Abdul Aziz al-Saud (2nd-L) at the Elysee Palace in Paris on June 24, 2015. AFP PHOTO / POOL / REMY DE LA MAUVINIERE

French President Francois Hollande (R) and Foreign Minister Laurent Fabius (2nd-R) meet with Saudi Defence Minister Prince Mohammed bin Salman bin Abdul Aziz al-Saud (2nd-L) at the Elysee Palace in Paris on June 24, 

Quando em Janeiro de 2015 um comando do EI atacou o jornal satírico «Charlie Hebdo» o regime de Hollande olhou, olimpicamente, para o lado, com umas pequenas barafustes, e continuou a apoiar os «moderados» oposicionistas a Bashar Assad, moderados estes que treinava, aliás, como seus +guerrilheiros+.

Não conheciam a Presidência da República francesa, os seus serviços secretos, a sua polícia, os principais integrantes desses *moderados* em França, que eles, aliás, alimentavam e financiavam?.

Seria possível a tais *terroristas* organizarem-se, em extensão e quase à luz do dia, em território francês, sem que os serviços de segurança não os tenham referenciado?.

Ora, o «estado de emergência», legalizado na Constituição, com o beneplácito dos *partidos da ordem* - PS, Republicanos gaullistas e Frente Nacional – será uma arma utilizada por aqueles para reprimir os protestos reivindicativos dos trabalhadores e explorados.
Serão eles –os explorados - que irão por em causa o actual regime francês, que é o suporte legal do grande capital financeiro especulador.

3 – Quando o PS de François Hollande subiu ao poder prometeu que iria integrar os imigrantes e fazer com que conseguissem o direito de voto pleno na sociedade francesa.

Em Dezembro de 2014, o empertigado Hollande afirmava, ainda com a máscara dos palhaços ricos, na inauguração do Museu da História da Imigração em França, que «o suceso da integração determinará o nosso destino nacional».

(Este museu que deveria ter sido inaugurado, há oito anos, no consulado do outro parceiro dos «partidos da ordem»Nicolas Sarkozy, foi protelado, precisamente, quando o filhos de judeus imigrantes húngaros que ascendeu à chefia de Estado gaulês, virou a casaca e se juntou à Frente Nacional na condenação da invasão de *estrangeiros*).

Hollande adiantou, na sua cara de pose imperial, vociferante:  “Sempre há demagogos. Os estrangeiros têm sido sistematicamente acusados dos mesmos males. A novidade é a penetração dessas teses num contexto de crise interminável e de globalização”.

Este propósito solene deixou de estar, agora, na cena política dos chamados socialistas franceses.

Antes de partirem para a aventura imperialista na Síria, procurando esconder os problemas reais da vida societária francesa, os dirigentes socialistas franceses, cúmplices integrantes da «ordem nacional» da fascista Frente Nacional, atiram-se contra os *binacionais*, tal como o fazem há muito os antigos republicanos gaullistas de Sarkozy e desde o seu início o partido dos le Pen.

Precisamente, quando são divulgados e desclassificados os documentos políticos e judiciais do governo fascista de Vichy, curiosamente autorizados pelo primeiro-ministro Manuel Valls, regime esse que instituiu a separação entre francês de sangue e imigrante.

E em que  o ministro da Justiça do governo de Vichy, Raphaël Alibert, fazia gala de declarar que “os estrangeiros não devem esquecer que a qualidade de ser francês é um mérito”.

Até agora apenas a Frente Nacional ousava atacar, aberta e ferozmente, a existência da binacionalidade. Ou a política do *puro sangue*.

Os arautos do +socialismo democrático+ transformam a ideia fascista em realidade.

Com a conivência da Ministra da Justiça, Christiane Taubira, uma negra nascida na Guiana francesa, que foi militante independentista daquele país, e até dias atrás, contrária a institucionalização do estado de emergência e da separação de nacionalidades no interior do país.

Os apologistas da Revolução francesa das palavras de ordem de Liberdade, Igualdade e Fraternidade e da Declaração Universal dos Direitos do Homem bandearam-se, perante a perspectiva de uma possível revolta popular, para os lados da contra-revolução.


Mas sempre com o ar solene imperial.

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