1
– O Primeiro-Ministro francês, Manuel Valls, anunciou, no passado dia 23, numa
conferência de Imprensa, dada no Palácio do Eliseu, que o Presidente da
República, François Hollande, tenciona propor legislação que revisa a
Constituição, segundo a qual será retirada a nacionalidade francesa aos
binacionais, de origem estrangeira, mesmo aos que tenham nascido em França,
condenados por «crimes contra a vida da nação».
Um binacional contra a binacionalidade
No
mesmo pacote legislativo, está a proposta de inscrever o «estado de emergência»
na mesma Constituição.
Estes
propósitos foram reafirmados por Hollande na sua mensagem de fim do ano em 31
de Dezembro.
O
estado de emergência permite aos representantes policiais e judiciais estatais efectuarem
buscas, prisões domiciliárias e dissoluções de associações sem permissão da
autoridade judicial, apenas com o pretexto de simples suspeita de ameaça para a
segurança pública.
O
que tem de grave tal legislação, quando a França está envolvida, este ano, em
graves casos de atentados mortíferos no seu território?, questionarão os
adeptos da ordem estabelecida e da segurança.
A
questão é que a França não está a ser atacada, essencialmente, do exterior, mas
sim envolvida numa profunda crise interna, económica, política e social, cujos
tentáculos se estendem à sua ambição imperialista.
Porque
não se interrogam as pessoas sobre o que, realmente, se passa em França, quando
dezenas e dezenas de seus cidadãos, nascidos, criados e com vivência da forma
de vida do país, agem, sangrentamente, contra o mesmo e contra o modelo burguês
político existente?
A
taxa de desemprego oficial em França subiu para os 10,6% em Julho de 2015, e, a
taxa de desemprego entre jovens está nos 25%, enquadramento etário este onde se
situa uma parte significativa dos cidadãos franceses «binacionais».

A
economia de França está em estagnação.
A
dívida pública atingiu os 100%, sendo que, na realidade, a grande maioria
corresponde a dívida privada, que foi incorporada naquela, por pressão do capital financeiro.
Esta
é a realidade: o actual regime político francês, representado, no presente,
pela fracção da grande burguesia que se acolita no PS gaulês, depende, sem
qualquer contestação de relevo, do grande capital financeiro especulador.
O
que está a conduzir, de maneira evidente, desde a anterior governação dos
chamados republicanos gaulistas, de Nicolas Sarkozy, a outra fracção política
da grande burguesia que alterna no poder, a um continuo empobrecimento do
Estado a favor dos bancos.
Sarkozy
injectou nos grandes bancos franceses, directa ou indirectamente, uma verba
fabulosa de 360 mil milhões de euros para «salvar» o sistema financeiro.
Apesar
desta injecção, os bancos continuam em crise, atravessados por fraudes, desvios
de dinheiro, colocação de investimentos em processos especulativos.
Esta
«ajuda» estatal reflectiu-se num enorme esbulho fiscal sobre os trabalhadores,
cujos sectores mais desprotegidos, os habitantes dos subúrbios, são os mais
afectados. Empurrados, em suma, para a marginalidade, por inexistência de uma alternativa revolucionária de poder.
2 – Do alto da pose, pretensamente, majestática de François Hollande, após os
atentados em Paris de 13 de Novembro, sustentando que iria combater o
«terrorismo», o que, para tal, iria propor a inclusão do «estado de emergência» no texto constitucional e recorrer à repressão dos «binacionais» ligados ao mesmo, está a mera
hipocrisia.
Além
de bombardear a Síria, unilateralmente, sem autorização das autoridades
legítimas do país, o chamado Estado Islâmico.
(Ironia
das ironias, uma entidade em que a França republicana actual foi uma das
*potências* ocidentais fomentadoras e financiadoras!).
Os
mesmos homens «de Estado» que, em 2012, sustentavam, através das palavras do
Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Laurent Fabius, que a Frente Al
Nusra, o ramo sírio da Al Qaeda, em parceria com o EI naquele país, estava a
fazer «um bom trabalho» oposicionista na Síria face ao regime de Assad, batem,
agora, no peito, com todo o descaramento, a sua militância guerreira contra os então
*moderados* jihadistas.
French President Francois Hollande (R) and Foreign Minister Laurent Fabius (2nd-R) meet with Saudi Defence Minister Prince Mohammed bin Salman bin Abdul Aziz al-Saud (2nd-L) at the Elysee Palace in Paris on June 24,
Quando
em Janeiro de 2015 um comando do EI atacou o jornal satírico «Charlie Hebdo» o
regime de Hollande olhou, olimpicamente, para o lado, com umas pequenas barafustes, e continuou a apoiar os «moderados» oposicionistas a Bashar
Assad, moderados estes que treinava, aliás, como seus +guerrilheiros+.
Não
conheciam a Presidência da República francesa, os seus serviços secretos, a sua
polícia, os principais integrantes desses *moderados* em França, que eles,
aliás, alimentavam e financiavam?.
Seria
possível a tais *terroristas* organizarem-se, em extensão e quase à luz do dia,
em território francês, sem que os serviços de segurança não os tenham
referenciado?.
Ora,
o «estado de emergência», legalizado na Constituição, com o beneplácito dos
*partidos da ordem* - PS, Republicanos gaullistas e Frente Nacional – será
uma arma utilizada por aqueles para reprimir os protestos reivindicativos dos
trabalhadores e explorados.
Serão
eles –os explorados - que irão por em causa o actual regime francês, que é o
suporte legal do grande capital financeiro especulador.
3 –
Quando o PS de François Hollande subiu ao poder prometeu que iria integrar os
imigrantes e fazer com que conseguissem o direito de voto pleno na sociedade
francesa.
Em
Dezembro de 2014, o empertigado Hollande afirmava, ainda com a máscara dos
palhaços ricos, na inauguração do Museu da História da Imigração em França, que
«o suceso da integração determinará o nosso destino nacional».
(Este
museu que deveria ter sido inaugurado, há oito anos, no consulado do outro
parceiro dos «partidos da ordem»Nicolas Sarkozy, foi protelado, precisamente,
quando o filhos de judeus imigrantes húngaros que ascendeu à chefia de Estado
gaulês, virou a casaca e se juntou à Frente Nacional na condenação da invasão
de *estrangeiros*).
Hollande
adiantou, na sua cara de pose imperial, vociferante: “Sempre há demagogos. Os estrangeiros têm
sido sistematicamente acusados dos mesmos males. A novidade é a penetração
dessas teses num contexto de crise interminável e de globalização”.
Este
propósito solene deixou de estar, agora, na cena política dos chamados
socialistas franceses.
Antes
de partirem para a aventura imperialista na Síria, procurando esconder os
problemas reais da vida societária francesa, os dirigentes socialistas
franceses, cúmplices integrantes da «ordem nacional» da fascista Frente
Nacional, atiram-se contra os *binacionais*, tal como o fazem há muito os
antigos republicanos gaullistas de Sarkozy e desde o seu início o partido dos
le Pen.
Precisamente,
quando são divulgados e desclassificados os documentos políticos e judiciais do
governo fascista de Vichy, curiosamente autorizados pelo primeiro-ministro
Manuel Valls, regime esse que instituiu a separação entre francês de sangue e
imigrante.
E em
que o
ministro da Justiça do governo de Vichy, Raphaël Alibert, fazia gala de declarar
que “os estrangeiros não devem esquecer que a qualidade de ser francês é um
mérito”.
Até
agora apenas a Frente Nacional ousava atacar, aberta e ferozmente, a existência
da binacionalidade. Ou a política do *puro sangue*.
Os
arautos do +socialismo democrático+ transformam a ideia fascista em realidade.
Com
a conivência da Ministra da Justiça, Christiane Taubira, uma negra nascida na
Guiana francesa, que foi militante independentista daquele país, e até dias
atrás, contrária a institucionalização do estado de emergência e da separação
de nacionalidades no interior do país.
Os
apologistas da Revolução francesa das palavras de ordem de Liberdade, Igualdade
e Fraternidade e da Declaração Universal dos Direitos do Homem bandearam-se,
perante a perspectiva de uma possível revolta popular, para os lados da
contra-revolução.
Mas
sempre com o ar solene imperial.
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