1
- O Chefe de Estado da Federação Russa, Vladimir Putin, em plena reunião
cimeira do G-2, que ocorreu, domingo e segunda-feira, na Turquia, denunciou que
40 países, incluindo alguns dos participantes naquele conclave capitalista,
financiavam o auto-proclamado Estado Islâmico (EI).
Os
eventuais visados calaram, nem sequer protestaram perante a denúncia
generalista, o que significa que consentiram.
Aqui
começa o jogo da hipocrisia e dos bastidores da reunião magna capitalista.
Todavia,
ficaremos presos a banalidades e denúncias gerais, se não se analisar, com
racionalidade, o que realmente se desenrola no terreno e verificar quais são os
objectivos estratégicos que se pretende atingir com esse EI.
2
– O EI, a Al-Qaeda, bem como a AQI, a
Frente al Nusra, que agora se verifica que estão em sintonia com os dois
primeiros, nasceram do ar?

Ronald Reagan reunido com líderes talibans
Provindo
de estrangeiros, criados fora da Síria, como se conseguiram estabelecer e
conquistar terreno naquele país árabe?
A
ideologia religiosa retrógrada do islamismo sunita, que, primeiramente, se
*instituiu* em torno da Al-Qaeda, não é propriamente novidade na região do
Próximo e Médio-Oriente.
Na
segunda década do século XX, no rescaldo da desintegração do Império Otomano,
surgiu no Egipto uma organização chamada Irmandade Muçulmana, cuja orientação
político-religiosa se baseou no wahbadismo sunita (governação segundo a Sharia,
Jihad na expansão externa), prevalecente na Arábia Saudita, que veio, desde
então, a apoiar, financeiramente, a entidade egípcia.
Todavia,
apesar de diversas tentativas no Egipto, por vezes, de tipo golpe de Estado –
assassinato do Presidente Anwar Sadat -, não tiveram expressão prática.
Nos
princípios dos anos 80, começou a ser forjado, com a cumplicidade de Israel, o
*Movimento de Resistência Islâmica* (Hamas), como braço palestiniano da
Irmandade Muçulmana, para contrabalançar e até fazer esboroar o papel, então,
crescente da Organização de Libertação da Palestina (OLP) na luta nacionalista
naquele território, ocupado pelo regime israelita.
Todavia,
a «criatura» que teve a mão de Telavive, quando se implantou, roeu-lhe a corda
e remeteu-se ,como força nacionalista, contra o usurpador judeu.
Esse
Hamas inicial, que era apadrinhado pelos EUA e pela rede ocidental subserviente
da Inglaterra, França e Alemanha, levou aqueles, no imediato, a considerar,
depois, o mesmo se transformara numa *organização terrorista*, curiosamente o
que não foi seguido pela Noruega, Brasil, Rússia e África do Sul, entre outros.
A
invasão soviética do Afeganistão, em 1979, vai ser o cadinho para utilizar a
ideologia wahbadista fundamentalista e os seus seguidores ao serviço da
estratégia geopolítica imperial dos Estados Unidos.
Naturalmente,
quando se cria algo que comporta, no seu interior, uma outra visão e projecto de
conquista mundial, esse algo só serve se for, rigorosamente, controlado.
Caso
do panislamismo e da guerra santa, pois ele pode fugir – ou tentar fugir – aos
ditames do fomentador, protector e financiador, e tornar-se um entrave, um
*monstro*, fora das barras políticas e militares que os EUA desejavam.
Ora,
o fundamentalismo wahbadista que germinava na clandestinidade, saltou à luz do
dia quando a potência norte-americana enquadrou – ela própria – o
financiamento, o treino e a divulgação da ideologia de uma então obscura
organização, formada na Arábia Saudita, chamada Al Qaeda, rotulando e
dignificando os seus *milicianos* como mujahidines combatentes da liberdade.
A
organização Al Qaeda, liderada por um senhor, ligado à família real saudita,
chamado Ussama bin Laden, recebeu treino militar, sob a direcção da CIA e o
Pentágono (EUA) e o MI6 inglês.
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na primeira fila, da esquerda para a direita: general Hamid Gul, director do serviços secretos do paquistão, William Webster, director da CIA, Clair George, vice-director da CIA para as operações, um coronel dos Serviços Secretos paquistaneses e Mitt Bearden, responsável operacional da CIA, num acampamento dos muhadijines junto à fronteira do Paquistão em 1987.
Esta
parceria trouxe duas componentes essenciais para a implantação da Al Qaeda:
financiamentos avultados e armas sofisticadas, incluindo mísseis terra-ar e um território,
onde se pudesse radicar, estender e criar os seus meios de subsistência, neste
caso, o Afeganistão, com a produção e distribuição de drogas.
Sabe-se
já há uns anos, depois de haver acesso a audições no Congresso norte-americano
que a Administração Ronald Reagan entregou a esse mujahidines cerca de dois mil
milhões de dólares.
Um
valor quase idêntico foi fornecido pela Arábia Saudita. Além das somas elevadas
– e não contabilizadas – das monarquias dos petrodólares do Golfo.
Com
uma retaguarda bem coberta: o Paquistão e os seus serviços secretos que
esconderam, abertamente, bin Laden, como hóspede de Estado, enquanto lhes foi
útil.
(A
cobertura ocidental a Bin Laden está bem patente no facto de, em 1993, a Al
Qaeda ter aberto um escritório de representação em Londres, sob um disfarce, chamado
«Advice and Reformation Commitee», que, segundo a imprensa de então, teria
capacidade de intervir em diferentes territórios da Europa e América).
O
que está, portanto, subjacente a essa parceria entre os EUA, os seus cúmplices
e o wahbadismo sunita, ou seja, neste caso, Arábia Saudita e os Estados do
Golfo, é apenas isto: o controlo das fontes de matérias-primas – comum às
multinacionais petrolíferas e aos magnates monárquicos daqueles estados. Não é,
por acaso, que os *terroristas* os poupam!!.

Mas, também, uma frente geopolítica no exterior, que, em certa medida, é do interesse comum, embora com objectivos diferentes.
Para
os EUA, a dispersão europeia, no caso da Europa; para o wahbadismo, a sua
penetração na Europa e norte de África e Próximo e Médio Orientes, bem como
Bósnia e Kosovo.
E
ainda uma reformulação total da relação de forças no Magreb e no Oriente Médio.
É,
pois, esta parceria que vai fazer *medrar* a ideologia imperial do wahbadismo
(centrado na tradição árabe do século VIII).
3 –
Já nos referimos ao Afeganistão – e igualmente a situação se duplicou para o
Iraque –, vejamos, agora, o que sucedeu na desagregação da ex-Jugoslávia e, em
particular o que servir de pontos de apoio para +o fundamentalismo islâmico+.
Em
1992, irrompeu a guerra na Bósnia.
De
imediato, os EUA, através do Pentágono e a CIA, disponibilizou aviões para que
milhares da *combatentes* filiados na Al Qaeda, integrassem as forças
pró-ocidentais naquele território, acompanhado por tropas especiais
norte-americanos, com armas e bagagens, em clara ultrapassagem dos embargos das
Nações Unidas.
Um
novo flanco de ataque norte-americano virado para a Europa surgiu,
posteriormente, no Kosovo, e, também aqui sob o véu da religião. Nos inícios
dos anos 90, começaram a multiplicar-se naquele território autónomo da
ex-Jugoslávia conflitos forjados entre kosovares e sérvios em torno da
dicotomia religião cristã ortodoxo e islâmica.
Verificou-se
que, em pouco tempo, apareceu um Exército de Libertação do Kosovo (UÇK),
liderado elementos recrutados como *muahjadines*, cujo centro era um grupo
liderado por Mohamed al-Zauahiri, irmão do então número dois da Al Qaeda, Ayman
al-Zauahiri.
A
imprensa da época noticiou que aquele UÇK estava a ser municiado em armamento
por *agentes especiais* dos EUA e do Reino Unido.
Esta
acção *encoberta* foi, mais tarde, +oficializada+ pela intervenção da NATO.
Kosovo
tornou-se um ninho de islamistas radicais e de redes organizadas de tráfico de
droga, com ligação ao Afeganistão e Turquia, sob a supervisão da CIA
norte-americana.
Hoje,
naquele território existe uma base permanente da NATO.


Campo Bondsteel, Kosovo
A partir de 18 de Dezembro de 2010, surgiram, mais ou menos, espontaneamente, em vários países do Magrebe e do Próximo e Médio-Oriente, movimentações populares contra os regimes corruptos e repressivos, que foram intitulados de «Primavera Árabe».
No
meio dessas convulsões sociais, inicialmente, de carácter democrático, laico, misturaram-se entidades religiosos
islâmicas wahabadistas, perfeitamente organizadas e com dinheiro para
distribuir, que vieram a dominar e a jugular toda e qualquer perspectiva de
impor simples poderes parlamentares burgueses.
Mas,
façamos um pequeno interregno para remeter o prelúdio desta chamada
*Primavera*.
O
descontentamento e a repressão violenta nos regimes políticos do Magreb e do
Médio-Oriente foi o traço comum com a consolidação daqueles após a
época colonial.
Muitos
desses regimes conseguiram cimentar-se, nessa fase, porque produziram algum
bem-estar em sociedades que entraram em evolução política, rompendo com o
medievalismo existente e afastando a religião da actividade política. Foi, na
realidade, um processo revolucionário.
Diziam-se
mesmo governados em nome de um *socialismo nacionalista*, que hostilizavam o
imperialismo norte-americano.
A
derrota desta via (com ditaduras pró-fascistas, corrupção generalizada) trouxe um
marasmo e amorfismo, situação, a partir dos anos 80, veio a ser *ocupado* por um
movimento reivindicativo assente no islamismo, conservador, quase medieval, na
sua prática diária (vestuário, aplicação da sharia, leituras confinadas aos
escritos e prédicas de Maomé, sob a supervisão de escolas islâmicas) islamismo que,
ao mesmo tempo, organizou e dirigiu estruturas de apoio e enquadramento
sociais, incluindo empresas que davam emprego.
Foi
financiado e fomentado por dinheiro e quadros provindos da Arábia Saudita e
Estados do Golfo, em estrita ligação com os EUA, Grá-Bretanha, França e
Alemanha).
O
primeiro grande conflito armado entre um poder +nacionalista socialista+ e o
islamismo wahbadista sucedeu na Argélia, apartir de 1991, quando o poder de
Estado, gerido pela Frente de Libertação Nacional (FLN), não concordou que a
Frente Islâmica de Salvação (FIS), ganhadora das eleições parlamentares,
ascendesse à governação.
Mas
foi o Exército que tomou o poder e afastou o Presidente da República Chadli
Benvedid, colocando no cargo Chadli Benvedid, um histórico da FLN.
Foram
presos dirigentes e militantes da FIS (centenas, talvez milhares), aquela
reagiu pela via armada.
Um
confronto generalizado no país que trouxe mais de 200 mil mortos e se
prolongou, em intensidade, até 2002, com a derrota da Frente Islâmica Armada
(FIA) já como actual Presidente, Abdelaziz
Buteflika, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros de Ben Bella e Huari
Boumediene.
Ao
longo desta guerra civil, as autoridades estabelecidas acusaram, várias vezes,
*a intervenção estrangeira*, nomeadamente, os chamados *afegãos*, ou seja
combatentes provenientes do Afeganistão, que diziam controlados por Estados
ocidentais e árabes.
De
certo modo e em certo sentido, foi a própria fraqueza, aliada a um violência
inaudita sobre as próprias populações que não aderiam as suas posições, que
conduziu a essa derrota.
E
isto porque o descontentamento social permanece, bem como um crescente repúdio
da intromissão das potência imperialistas norte-americanas e europeias no assuntos
internos dos países do Magreb e do Próximo e Médios-Orientes.
Estas evidências é que vão ser o motivo imediato e principal da chamada *Primavera
Árabe*.
Na
realidade, tal como atrás referimos, as movimentações começaram, pois,
abertamente contra os corruptos e repressores governos desses países, como
contra a subserviência dos mesmos para com a ingerência imperial,
principalmente ocidental.
Os
Estados Unidos, como apologistas verbalistas da democracia e *da igualdade de
oportunidades*, não foram a lanterna dessas tentativas de revoluções. Pelo
contrário, mereceram o repúdio generalizado.
Os
participantes *laicos* dessas movimentações e tentativas de revoluções eram a
face visível de uma alianças entre as classes assalariadas e uma parte das
burguesias mais progressistas que desejam, com Estados unificados e libertos do
semi-feudalismo, uma maior participação na integração dos negócios da
globalização.
Mas,
quer os assalariados, quer aquelas burguesias, estão reféns do seu pouco
desenvolvimento e da falta de incremento da sua consciência política.
Na
realidade, no retrocesso dessas movimentações para as mãos do islamismo
wahabadista está na baixa consciência dos trabalhadores, não enquadrados em
grandes centros produtivos, mas também da aliança entre a grande burguesia financeira
especulativa e a burguesia comercial ligada aos chefes e dignitários religiosos.
Mas,
o mais importante é o efeito prático dessas movimentações agora já sob a influência
do islamismo: apenas se dão mudanças de regime em Estados republicanos laicos:
Tunísia, Egipto e Líbia, e, travado na Síria até agora, apesar da intervenção
ilegal e extraterritorial dos EUA, Inglaterra e França.
Na
Tunísia, numa primeira fase o poder esteve directamente sob a influência dos
salafistas wahabadistas. No entanto, precisamente, a Constituição estabelecida, após a subida dos salafistas, afirma-se
laica, mas, mesmo assim, impõe que a religião do Presidente será *o Islão*.
No
Egipto, a substituição do regime pró-fascista de Mubarak, ocupada, eleitoralmente, pela
Irmandande Muçulmana, foi afastada, depois, em golpe de Estado pelos militares, quando os islâmitas pretendiam estabelecer uma governação assente na sharia.
Na
Líbia, a desagregação do poder de Muhamar Kadhafi, republicano e laico, foi
feito pela intervenção armada conjunta dos EUA, França e Inglaterra, com a
entrega de territórios a diferentes grupos ligados à Al Qaeda e ao EI.
Na
região de Tripoli, colocaram como governador Abdelhakim Belhadj, o chefe do
Estado Islâmico, que formou campos de treino de mercenários na Líbia e tem uma
delegação na Tunísia.
Nos
restantes países, onde houve protestos significativos, os regimes permaneceram
imutáveis, caso da Jordânia, Kuwait, Arábia Saudita, Bahrein, Djibuti e Iémen.
Este
país, no entanto, este ano, está a ser sacudido por uma rebelião,
que afastou o Presidente do poder, e se exilou...na Arábia Saudita.
4 –
O que sucedeu, realmente, na travagem da chamada * Primavera* na Síria?
As
grandes burguesias, que governam as grandes potências em reorganização como a
russa, ou em ascensão como a China, ou inclusive as que se formam regionalmente, como o Irão, constataram que os EUA – e por arrasto, por impotência, a UE -, estavam a ir demasiado longe na sua pretensão de hegemonia mundial.
E
essa hegemonia materializava-se no domínio absoluto das matérias primas petróleo
e gás e no controlo praticamente absoluto do comércio planetário.
Verificaram
que a hegemonia expansionista norte-americana se estava a tornar mais
agressiva, porque a sua economia estava em derrapagem e a sua moeda enfraquecia
face ao aparecimento do euro e à entrada em força do yuan chinês.
A
Síria é, para Wall Street, um centro de uma estratégia, justamente, para o domínio dos principais
locais produtivos gaso-petrolíferos.
A
Rússia avançou, deste modo, sustentado na sua capacidade militar e nuclear,
contando com o apoio de uma política comum, por um lado, com a China, por outro
com o Irão, não só numa aliança castrense, mais ou menos sólido, mas
essencialmente numa aliança económica euro-asiática que enquadra todos os
Estados situados entre o espaço russo-chinês.
Esta
tomada de dianteira, que, igualmente, pressupôs eficácia no combate aos
fundamentalismo wahabadista, instalado na Síria, mas também no Iraque, trouxe,
em pouco tempo, uma inversão de forças e mesmo de alianças mundiais.
Entrou-se
numa nova era geo-estratégica e geo-política.
E
os ventos já não sopram de Washington.
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