sexta-feira, 20 de novembro de 2015

MÉDIO-ORIENTE: WASHINGTON COMEÇA A NÃO MORAR ALI

1 - O Chefe de Estado da Federação Russa, Vladimir Putin, em plena reunião cimeira do G-2, que ocorreu, domingo e segunda-feira, na Turquia, denunciou que 40 países, incluindo alguns dos participantes naquele conclave capitalista, financiavam o auto-proclamado Estado Islâmico (EI).

Os eventuais visados calaram, nem sequer protestaram perante a denúncia generalista, o que significa que consentiram.

Aqui começa o jogo da hipocrisia e dos bastidores da reunião magna capitalista.
Todavia, ficaremos presos a banalidades e denúncias gerais, se não se analisar, com racionalidade, o que realmente se desenrola no terreno e verificar quais são os objectivos estratégicos que se pretende atingir com esse EI.

2 – O EI,  a Al-Qaeda, bem como a AQI, a Frente al Nusra, que agora se verifica que estão em sintonia com os dois primeiros, nasceram do ar?

Ronald Reagan reunido com líderes talibans


Provindo de estrangeiros, criados fora da Síria, como se conseguiram estabelecer e conquistar terreno naquele país árabe?

A ideologia religiosa retrógrada do islamismo sunita, que, primeiramente, se *instituiu* em torno da Al-Qaeda, não é propriamente novidade na região do Próximo e Médio-Oriente.

Na segunda década do século XX, no rescaldo da desintegração do Império Otomano, surgiu no Egipto uma organização chamada Irmandade Muçulmana, cuja orientação político-religiosa se baseou no wahbadismo sunita (governação segundo a Sharia, Jihad na expansão externa), prevalecente na Arábia Saudita, que veio, desde então, a apoiar, financeiramente, a entidade egípcia.

Todavia, apesar de diversas tentativas no Egipto, por vezes, de tipo golpe de Estado – assassinato do Presidente Anwar Sadat -, não tiveram expressão prática.

Nos princípios dos anos 80, começou a ser forjado, com a cumplicidade de Israel, o *Movimento de Resistência Islâmica* (Hamas), como braço palestiniano da Irmandade Muçulmana, para contrabalançar e até fazer esboroar o papel, então, crescente da Organização de Libertação da Palestina (OLP) na luta nacionalista naquele território, ocupado pelo regime israelita.

Todavia, a «criatura» que teve a mão de Telavive, quando se implantou, roeu-lhe a corda e remeteu-se ,como força nacionalista, contra o usurpador judeu.

Esse Hamas inicial, que era apadrinhado pelos EUA e pela rede ocidental subserviente da Inglaterra, França e Alemanha, levou aqueles, no imediato, a considerar, depois, o mesmo se transformara numa *organização terrorista*, curiosamente o que não foi seguido pela Noruega, Brasil, Rússia e África do Sul, entre outros.

A invasão soviética do Afeganistão, em 1979, vai ser o cadinho para utilizar a ideologia wahbadista fundamentalista e os seus seguidores ao serviço da estratégia geopolítica imperial dos Estados Unidos.

Naturalmente, quando se cria algo que comporta, no seu interior, uma outra visão e projecto de conquista mundial, esse algo só serve se for, rigorosamente, controlado.
Caso do panislamismo e da guerra santa, pois ele pode fugir – ou tentar fugir – aos ditames do fomentador, protector e financiador, e tornar-se um entrave, um *monstro*, fora das barras políticas e militares que os EUA desejavam.

Ora, o fundamentalismo wahbadista que germinava na clandestinidade, saltou à luz do dia quando a potência norte-americana enquadrou – ela própria – o financiamento, o treino e a divulgação da ideologia de uma então obscura organização, formada na Arábia Saudita, chamada Al Qaeda, rotulando e dignificando os seus *milicianos* como mujahidines combatentes da liberdade.

A organização Al Qaeda, liderada por um senhor, ligado à família real saudita, chamado Ussama bin Laden, recebeu treino militar, sob a direcção da CIA e o Pentágono (EUA) e o MI6 inglês.

ISI e cia diretores em dormir camp1987 mujahideen com o Diabo: Como EUA e Arábia apoio da Al Qaeda levou a 9/11
na primeira fila, da esquerda para a direita: general Hamid Gul, director do serviços secretos do paquistão, William Webster, director da CIA, Clair George, vice-director da CIA para as operações, um coronel dos Serviços Secretos paquistaneses e Mitt Bearden, responsável operacional da CIA, num acampamento dos muhadijines junto à fronteira do Paquistão em 1987.


Esta parceria trouxe duas componentes essenciais para a implantação da Al Qaeda: financiamentos avultados e armas sofisticadas, incluindo mísseis terra-ar e um território, onde se pudesse radicar, estender e criar os seus meios de subsistência, neste caso, o Afeganistão, com a produção e distribuição de drogas.

Sabe-se já há uns anos, depois de haver acesso a audições no Congresso norte-americano que a Administração Ronald Reagan entregou a esse mujahidines cerca de dois mil milhões de dólares.

Um valor quase idêntico foi fornecido pela Arábia Saudita. Além das somas elevadas – e não contabilizadas – das monarquias dos petrodólares do Golfo.

Com uma retaguarda bem coberta: o Paquistão e os seus serviços secretos que esconderam, abertamente, bin Laden, como hóspede de Estado, enquanto lhes foi útil.

(A cobertura ocidental a Bin Laden está bem patente no facto de, em 1993, a Al Qaeda ter aberto um escritório de representação em Londres, sob um disfarce, chamado «Advice and Reformation Commitee», que, segundo a imprensa de então, teria capacidade de intervir em diferentes territórios da Europa e América).

O que está, portanto, subjacente a essa parceria entre os EUA, os seus cúmplices e o wahbadismo sunita, ou seja, neste caso, Arábia Saudita e os Estados do Golfo, é apenas isto: o controlo das fontes de matérias-primas – comum às multinacionais petrolíferas e aos magnates monárquicos daqueles estados. Não é, por acaso, que os *terroristas* os poupam!!.





Mas, também, uma frente geopolítica no exterior, que, em certa medida, é do interesse comum, embora com objectivos diferentes.

Para os EUA, a dispersão europeia, no caso da Europa; para o wahbadismo, a sua penetração na Europa e norte de África e Próximo e Médio Orientes, bem como Bósnia e Kosovo.

E ainda uma reformulação total da relação de forças no Magreb e no Oriente Médio.

É, pois, esta parceria que vai fazer *medrar* a ideologia imperial do wahbadismo (centrado na tradição árabe do século VIII).

3 – Já nos referimos ao Afeganistão – e igualmente a situação se duplicou para o Iraque –, vejamos, agora, o que sucedeu na desagregação da ex-Jugoslávia e, em particular o que servir de pontos de apoio para +o fundamentalismo islâmico+.

Em 1992, irrompeu a guerra na Bósnia.

De imediato, os EUA, através do Pentágono e a CIA, disponibilizou aviões para que milhares da *combatentes* filiados na Al Qaeda, integrassem as forças pró-ocidentais naquele território, acompanhado por tropas especiais norte-americanos, com armas e bagagens, em clara ultrapassagem dos embargos das Nações Unidas.

Um novo flanco de ataque norte-americano virado para a Europa surgiu, posteriormente, no Kosovo, e, também aqui sob o véu da religião. Nos inícios dos anos 90, começaram a multiplicar-se naquele território autónomo da ex-Jugoslávia conflitos forjados entre kosovares e sérvios em torno da dicotomia religião cristã ortodoxo e islâmica.

Verificou-se que, em pouco tempo, apareceu um Exército de Libertação do Kosovo (UÇK), liderado elementos recrutados como *muahjadines*, cujo centro era um grupo liderado por Mohamed al-Zauahiri, irmão do então número dois da Al Qaeda, Ayman al-Zauahiri.

A imprensa da época noticiou que aquele UÇK estava a ser municiado em armamento por *agentes especiais* dos EUA e do Reino Unido.
Esta acção *encoberta* foi, mais tarde, +oficializada+ pela intervenção da NATO.
Kosovo tornou-se um ninho de islamistas radicais e de redes organizadas de tráfico de droga, com ligação ao Afeganistão e Turquia, sob a supervisão da CIA norte-americana.

Hoje, naquele território existe uma base permanente da NATO.

Campo Bondsteel, Kosovo

A partir de 18 de Dezembro de 2010, surgiram, mais ou menos, espontaneamente, em vários países do Magrebe e do Próximo e Médio-Oriente, movimentações populares contra os regimes corruptos e repressivos, que foram intitulados de «Primavera Árabe».

No meio dessas convulsões sociais, inicialmente, de carácter democrático, laico, misturaram-se entidades religiosos islâmicas wahabadistas, perfeitamente organizadas e com dinheiro para distribuir, que vieram a dominar e a jugular toda e qualquer perspectiva de impor simples poderes parlamentares burgueses.

Mas, façamos um pequeno interregno para remeter o prelúdio desta chamada *Primavera*.

O descontentamento e a repressão violenta nos regimes políticos do Magreb e do Médio-Oriente foi o traço comum com a consolidação daqueles após a época colonial.

Muitos desses regimes conseguiram cimentar-se, nessa fase, porque produziram algum bem-estar em sociedades que entraram em evolução política, rompendo com o medievalismo existente e afastando a religião da actividade política. Foi, na realidade, um processo revolucionário.

Diziam-se mesmo governados em nome de um *socialismo nacionalista*, que hostilizavam o imperialismo norte-americano.

A derrota desta via (com ditaduras pró-fascistas, corrupção generalizada) trouxe um marasmo e amorfismo, situação, a partir dos anos 80, veio a ser *ocupado* por um movimento reivindicativo assente no islamismo, conservador, quase medieval, na sua prática diária (vestuário, aplicação da sharia, leituras confinadas aos escritos e prédicas de Maomé, sob a supervisão de escolas islâmicas) islamismo que, ao mesmo tempo, organizou e dirigiu estruturas de apoio e enquadramento sociais, incluindo empresas que davam emprego.

Foi financiado e fomentado por dinheiro e quadros provindos da Arábia Saudita e Estados do Golfo, em estrita ligação com os EUA, Grá-Bretanha, França e Alemanha).

O primeiro grande conflito armado entre um poder +nacionalista socialista+ e o islamismo wahbadista sucedeu na Argélia, apartir de 1991, quando o poder de Estado, gerido pela Frente de Libertação Nacional (FLN), não concordou que a Frente Islâmica de Salvação (FIS), ganhadora das eleições parlamentares, ascendesse à governação.

Mas foi o Exército que tomou o poder e afastou o Presidente da República Chadli Benvedid, colocando no cargo Chadli Benvedid, um histórico da FLN.

Foram presos dirigentes e militantes da FIS (centenas, talvez milhares), aquela reagiu pela via armada.

Um confronto generalizado no país que trouxe mais de 200 mil mortos e se prolongou, em intensidade, até 2002, com a derrota da Frente Islâmica Armada (FIA) já como actual Presidente, Abdelaziz Buteflika, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros de Ben Bella e Huari Boumediene.

Ao longo desta guerra civil, as autoridades estabelecidas acusaram, várias vezes, *a intervenção estrangeira*, nomeadamente, os chamados *afegãos*, ou seja combatentes provenientes do Afeganistão, que diziam controlados por Estados ocidentais e árabes.
De certo modo e em certo sentido, foi a própria fraqueza, aliada a um violência inaudita sobre as próprias populações que não aderiam as suas posições, que conduziu a essa derrota.

E isto porque o descontentamento social permanece, bem como um crescente repúdio da intromissão das potência imperialistas norte-americanas e europeias no assuntos internos dos países do Magreb e do Próximo e Médios-Orientes.

Estas evidências é que vão ser o motivo imediato e principal da chamada *Primavera Árabe*.

Na realidade, tal como atrás referimos, as movimentações começaram, pois, abertamente contra os corruptos e repressores governos desses países, como contra a subserviência dos mesmos para com a ingerência imperial, principalmente ocidental.

Os Estados Unidos, como apologistas verbalistas da democracia e *da igualdade de oportunidades*, não foram a lanterna dessas tentativas de revoluções. Pelo contrário, mereceram o repúdio generalizado.

Os participantes *laicos* dessas movimentações e tentativas de revoluções eram a face visível de uma alianças entre as classes assalariadas e uma parte das burguesias mais progressistas que desejam, com Estados unificados e libertos do semi-feudalismo, uma maior participação na integração dos negócios da globalização.

Mas, quer os assalariados, quer aquelas burguesias, estão reféns do seu pouco desenvolvimento e da falta de incremento da sua consciência política.

Na realidade, no retrocesso dessas movimentações para as mãos do islamismo wahabadista está na baixa consciência dos trabalhadores, não enquadrados em grandes centros produtivos, mas também da aliança entre a grande burguesia financeira especulativa e a burguesia comercial ligada aos chefes e dignitários religiosos.

Mas, o mais importante é o efeito prático dessas movimentações agora já sob a influência do islamismo: apenas se dão mudanças de regime em Estados republicanos laicos: Tunísia, Egipto e Líbia, e, travado na Síria até agora, apesar da intervenção ilegal e extraterritorial dos EUA, Inglaterra e França.

Na Tunísia, numa primeira fase o poder esteve directamente sob a influência dos salafistas wahabadistas. No entanto, precisamente, a Constituição estabelecida, após a subida dos salafistas, afirma-se laica, mas, mesmo assim, impõe que a religião do Presidente será *o Islão*.

No Egipto, a substituição do regime pró-fascista de Mubarak, ocupada, eleitoralmente, pela Irmandande Muçulmana, foi afastada, depois, em golpe de Estado pelos militares, quando os islâmitas pretendiam estabelecer uma governação assente na sharia.

Na Líbia, a desagregação do poder de Muhamar Kadhafi, republicano e laico, foi feito pela intervenção armada conjunta dos EUA, França e Inglaterra, com a entrega de territórios a diferentes grupos ligados à Al Qaeda e ao EI.

Na região de Tripoli, colocaram como governador Abdelhakim Belhadj, o chefe do Estado Islâmico, que formou campos de treino de mercenários na Líbia e tem uma delegação na Tunísia.

Nos restantes países, onde houve protestos significativos, os regimes permaneceram imutáveis, caso da Jordânia, Kuwait, Arábia Saudita, Bahrein, Djibuti e Iémen.

Este país, no entanto, este ano, está a ser sacudido por uma rebelião, que afastou o Presidente do poder, e se exilou...na Arábia Saudita.

4 – O que sucedeu, realmente, na travagem da chamada * Primavera* na Síria?

As grandes burguesias, que governam as grandes potências em reorganização como a russa, ou em ascensão como a China, ou inclusive as que se formam regionalmente, como o Irão, constataram que os EUA – e por arrasto, por impotência, a UE -, estavam a ir demasiado longe na sua pretensão de hegemonia mundial.

E essa hegemonia materializava-se no domínio absoluto das matérias primas petróleo e gás e no controlo praticamente absoluto do comércio  planetário.

Verificaram que a hegemonia expansionista norte-americana se estava a tornar mais agressiva, porque a sua economia estava em derrapagem e a sua moeda enfraquecia face ao aparecimento do euro e à entrada em força do yuan chinês.

A Síria é, para Wall Street, um centro de uma estratégia, justamente, para o domínio dos principais locais produtivos gaso-petrolíferos.

A Rússia avançou, deste modo, sustentado na sua capacidade militar e nuclear, contando com o apoio de uma política comum, por um lado, com a China, por outro com o Irão, não só numa aliança castrense, mais ou menos sólido, mas essencialmente numa aliança económica euro-asiática que enquadra todos os Estados situados entre o espaço russo-chinês.

Esta tomada de dianteira, que, igualmente, pressupôs eficácia no combate aos fundamentalismo wahabadista, instalado na Síria, mas também no Iraque, trouxe, em pouco tempo, uma inversão de forças e mesmo de alianças mundiais.

Entrou-se numa nova era geo-estratégica e geo-política.


E os ventos já não sopram de Washington. 

Sem comentários:

Enviar um comentário