1
– O processo que antecedeu a formação do novo governo
português (XX executivo constitucional), formado pelo Partido Socialista (PS),
teve um cenário político digno de uma ópera bufa.
A
4 de Outubro passado, realizaram-se eleições legislativas em Portugal para
formar a composição da nova Assembleia da República, de cujo conjunto de
deputados sai o apoio ao futuro governo, bem como ao seu programa, sendo que a
indigitação do primeiro-ministro cabe ao Chefe de Estado nos termos
constitucionais.
Os
resultados eleitorais deram a uma coligação constituída pelo Partido
Social-Democrata (PSD) e Centro Democrático Social (CDS), denominada P´ra
Frente Portugal (PAF), o maior número de votos, seguida do PS, Bloco de
Esquerda (BE) e a coligação CDU, que enquadra o Partido Comunista Português
(PCP), e um partido satélite daquele, chamado Partido Ecologista Os Verdes,
PEV.
Todavia,
a coligação PAF não conseguiu a maioria absoluta de votos na Assembleia.
O
PS entabulou negociações com o BE e o PCP e o PEV para estabelecer um acordo
imediato de governação, sendo que esses quatro partidos assinaram documentos para
o fim a que se propuseram. Tornaram-se, deste modo, a formação maioritária
parlamentar constitucional.

2 –
Porque, então, todo o frenesim patético, mas ameaçador, do Presidente da
República, dos dois partidos afastados do poder, do patronato, dos economistas
do regime, de alguns dirigentes e deputados do próprio PS, bem como um
secretário-geral de uma organização que se diz sindical, a UGT, sobre um novo
arranjo governamental que se realizou dentro do sistema parlamentar e dentro
das suas regras constitucionais?
Com
o regime saído do 25 de Novembro de 1975, e, de maneira evidente a partir da
privatização da banca e dos seguros, a grande burguesia financeira iniciou um
processo de restabelecimento do seu domínio.
O
primeiro impulso foi dado pela submissão dos governos do PS, em coligação com o
CDS e depois com o PSD, sob a liderança de Mário Soares, aos ditames dessa
grande burguesia financeira.
O
domínio total foi forjado pelos governos do PSD, com Cavaco Silva
primeiro-ministro e alicerçado, em crescendo, com os executivos de António
Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates.
O
governo de Passos Coelho e Paulo Portas foi o representante mais acirrado da vassalagem ao sistema financeiro de toda a estrutura produtiva do país.

Esta
governação teve o condão de colocar na oposição todos os sectores da burguesia
não dominante que foram totalmente marginalizados.
E
que, em grande medida, engrossaram, ao longo dos quatro anos, o coro de
manifestações e protestos organizados pelas classes trabalhadoras.
A
grande burguesia financeira enquistou-se de tal maneira no poder político que,
nestes últimos quatro anos, todos os processos de privatização foram entregues,
de mão beijada, a esse capital, bem como o Estado retirou grande parte da
riqueza nacional para recapitalizar os bancos (em 2012, o então ministro Gaspar
anunciou os valores de 1.650 milhões para CGD, três mil milhões para BCP, 1,5
mil milhões para BPI); os *incentivos* fiscais às empresas ultrapassaram os mil
milhões de euros. (Só em 2013, o executivo gastou 1,042 mil milhões. Diário
Económico, 06/11/2014).
Dois
bancos falidos, BPN e BPP, custaram ao Estado – logo aos portugueses
trabalhadores – 2,7 mil milhões de euros (Tribunal de Contas) e 450 milhões de
euros, respectivamente.
O
Jornal de Negócios noticiava, em 17/09/2015 que cada português pagou cerca de
2.000 euros para *salvar os bancos*.
Ora,
a nova maioria parlamentar, que sustenta o governo de António Costa, representa
uma mudança na relação de forças entre um sector da grande burguesia que o PS
representa e facções da média e pequena burguesia (BE e PCP), em parceria amorfa com as
classes trabalhadoras, que pretendem impor pequenas reformas do sistema
financeiro e fiscal que atingem ainda sem grande efeito, mas se consolidadas,
uma parte da fonte da riqueza actual da grande burguesia financeira. Por exemplo,
o financiamento da segurança social.
E,
acima de tudo, porque esse rearranjo de governação poderá ter implicações na
luta política em toda a União Europeia.
3 –
Ao romper com a política dita de austeridade dos executivos submissos ao
capital financeiro, o governo PS vai-se confrontar com a realidade política.
Para
não ficar amarrado à austeridade que diz repudiar, com um peso crescente do
défice público, o executivo de António Costa terá ir buscar dinheiro ao lado do
capital.
Mas,
como o poderá fazer, se, desde a sua indigitação como primeiro-ministro faz
malabarismos para agradar à grande burguesia interna, e, principalmente
europeia, através dos seus representantes políticos nas instituições da UE?
O
equilíbrio das contas públicas passa por evitar a subida das dívidas do Estado
e isso somente se pode fazer, no momento presente, pela taxação das classes
ricas.
Todo
o que sucedeu, ao longo destes anos, foi, exactamente, o contrário: os
explorados foram taxados e mais taxados de impostos e roubados até ao tutano
nos seus salários e pensões.
Ora,
para restringir o endividamento crescente do Estado ter-se-á de limitar o papel
da especulação bolsista, os lucros fabulosos dos bancos e das grandes empresas
capitalistas, a restrição do aparelho supérfluo estatal (institutos, despesas
militares e paramilitares, administrações de serviços e empresas públicos, etc).
Ora,
esta orientação não poderá ser eficaz, se ficar isolada de uma idêntica
perspectiva para a UE.
Significa
isto que se terá de procurar aliados e estender a luta política a todo o espaço
europeu. Ou seja atingir ali os interesses dominantes.
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