domingo, 20 de fevereiro de 2011

DANIEL DE OLIVEIRA: ALIANÇAS ALARGADAS OU RUPTURA?










As alianças alargadas sem um programa progressita conduzem sempre ao pântano reformista
A crise económico-financeira de 2008 parecia trazer, no imediato, nesse ano, no bojo uma convulsão de enormes proporções nos países capitalistas mais desenvolvidos.


Muitos olharam com espanto para o que estava a acontecer no sistema financeiro mundial, incluindo os comentadores e analistas habituais que pululam nos jornais e telejornais de referência da grande burguesia, como o Expresso, Sol, Sic e TVI, alguns dos quais se intitulam de “esquerda”, e admitiram, assustadiços, que se poderia estar perante uma perspectiva de uma grande revolução.

Até começaram a citar Karl Marx, como “farol vidente” do descalabro económico burguês, que estava a emaranhar-se, como um fantasma terrível, no seio da sociedade motor do capitalismo especulativo mais desenfreado: os EUA, e, por tabela, e seguidismo acrítico desse modelo, a União Europeia.
Eles que, ao longo dos últimos 30 anos, procuraram denegrir Marx e o seu legado, e, que, com a propaganda mais feroz e descabida, tentavam fazer obscurecer que o pensamento mais clarividente da economia política e da filosofia materialista estava riscado do mapa.

Respiraram de alívio, porque tal não sucedeu, de repente, no rescaldo tenebroso dessa crise.
Empolgaram-se, agora, depois do afastamento do centro capitalista da subversão acutilante, com as revoltas nas periferias, e em especial nos países árabes do Magrebe e Médio-Oriente.

Precisamente, um desses comentadores empolgantes, até porque se coloca como analista de esquerda – e para mim isso é importante - e é um dirigente ou ex-dirigente do Bloco de Esquerda, chamado Daniel de Oliveira, que, de repente, se armou em vedeta nos jornais da burguesia, pensando que se trata de um iluminado, (ver jornal Expresso de 19 de Fevereiro, pág. 33) mais concretamente em adivinho, para criticar, como pretenso arauto do anti-capitalismo, que o que move a luta política é “a esperança” e que os revoltosos do Médio-Oriente não estavam desesperados, mas que os protestantes dos países ricos, esses sim, estão “desesperados”, mas que sentem medo em ir para a luta e que “é preciso que as pessoas acreditem que há alternativas e que elas podem vencer”.

E quais são, para Oliveira, na Europa, essas alternativas: “Programa exequível e alianças alargadas”.

O vidente – melhor dizendo – o homem que está por dentro da revolta do Egipto.

Ele sabe tudo: “No Egipto, teve uma direcção política que a preparava há pelo menos três anos. No caso, jovens educados e apostados assumidamente num movimento não-violento”.

Especula, todavia, cauteloso, para não ficar com as calças na mão:”Contaram com o descontentamento que resultou da situação económica? Sim. Com o facto de, vivendo numa ditadura, não haver outra forma de protesto? Claro. De, com desemprego galopante e a ausência de Estado Social, os egípcios não terem nada a perder? Provavelmente.

(Mas então, pergunto eu: houve ou não movimento violento?)

E prossegue: "Mas contaram com uma única coisa que constrói movimentos em tempo de crise: a esperança, essa palavra maldita para os cínicos. Não tinham programa, (mas então para os desesperados europeus é necessário um programa, para os outros não?), mas tinham um objectivo possível: o fim da ditadura. E um inimigo claro: Mubarak”.

(Quererá ele afirmar que, aqui, em Portugal, o objectivo possível é o fim do regime actual e o inimigo claro é o “Sócrates”?).

Ou quererá ele afirmar, no meio do embrulho, que o essencial, na sua perspectiva, são “as alianças alargadas” para constituir um governo com o PS?. Terá de ser claro.

(Precisamente, o que falta na actividade política do BE é, justamente, a falta de um programa anti-capitalista).

Na realidade, no Egipto, houve um dilúvio que começou em Janeiro passado, com muita violência, e levou ao afastamento do Presidente Mubarak, mas o que sucedeu desde então ?.

Passou a “hetacombe” que varreu a ditadura, na opinião de Daniel Oliveira, mas o que ficou de verdadeiramente progressista e revolucionário?

A Alta hierarquia militar e a oligarquia “civil” tomaram conta do poder e impõem, eles sim, o seu programa de “lavagem do rosto ao regime”.

A juventude que veio para a rua, sem programa, não foi colocada na gestão do Estado, como desejava, fazendo uma revolução, mas sim contentou-se com uma “transicção pacífica” orientada pelas figuras cimeiras do poder que manteve 30 anos Mubarak na ribalta. Um torturador, aliás, é, neste momento a sua figura de topo.

Daí, portanto, depois da revolta fomentada com “preparação” de “pelo menos três anos”, os heróis sejam os sustentadores do regime ditatorial apoiado pela América e pela Europa, que, curiosamente, foi “um golpe” que até pode estar nos seus cálculos.
E, Daniel de Oliveira, tem de reconhecer que, nesta revolta, o Exército – e certamente a burguesia interna e externa – que se aliou a ela, não mexeu um dedo para se alçar ao poder.

Permitiu que a massa popular, especialmente os jovens, enfrentassem na rua uma parte do sistema policial, mas não deixou que essa revolta extravasse os limites da dominação da burguesia instalada. O povo até bateu palmas logo que o poder caíu na mãos dos cães de guarda internos, que Mubarak liderava, e do imperialismo externo.

Poderá haver desenvolvimentos, nos próximos meses, é certo, mas o que acontece agora é quem vai “participar” nesses desenvolvimentos são os actuais detentores do poder, que certamente elaboração um programa dito reformista para que tudo caminhe no sentido da serenidade.

E porquê? Porque os revoltosos da rua, aqueles que fizeram o chamado “trabalho sujo”, e morreram, não tinham um programa de transformação da sociedade.

Aliás, Daniel de Oliveira, como antigo revolucionário, tem a noção histórica do sucedido em Portugal em 1974.

Se não houvesse um programa democrático progressista do MFA, o homem que tomou o poder em 26 de Abril António de Spínola iria conseguir impor-se como cabeça de uma novo regime autoritário que substituiria o de Marcello Caetano.
E se passado um mês, o “programa” spinolista é posto em causa, logo na primeira tentativa de golpe por ocasião do I Governo provisório, foi porque os militares que fizeram o golpe de 25 de Abril se ativeram a um programa que ia contra as pretensões “situacionistas” da burguesia que apoiava o general Spínola.

Não estou, portanto, a falar de flores, mas de radicalização da situação política que se deu, que permitiu, na altura, alicerçar os primeiros verdadeiros indícios de um Estado Social, de um verdadeiro Estado Social.
Na actual crise portuguesa, para mudar o actual estado de coisas, é preciso, pois radicalização, mas esta, certamente, tem de ser preparada por uma agitação, programada, sistemática, dura, no seio das classes assalariadas super-exploradas, que para se movimentaram não necessitam de “alianças alargadas”, mas sim de um “programa exequível” de cariz socialista que não leve a uma simples lavagem da actual estrutura política tal como está estabelecida.

Ou há ruptura, ou tudo continuará na mesma.

1 comentário:

  1. Onde se lê PS deve ler-se PC.
    Concordo com algumas ideias, mas vejo parte do seu conteúdo contaminado pelo ideal de lidarmos com massas ansiosas por tomar o poder.
    Se fosse assim, não teríamos um Cavaco para nos queimar em Belém

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