quinta-feira, 19 de agosto de 2010

SALAZAR NA HISTÓRIA, DE RUI RAMOS



Os tenentes de 1926 e seguidores fiéis de Salazar os mais implacáveis dissidentes






Um historiador Rui Ramos, com grande aceitação nos chamados grandes meios de comunicação social, explanou no suplemento “Atual” (a nova grafia do português para Actual) do jornal Expresso do passado dia 24 de Julho, um extenso artigo intitulado “Salazar na História”, que pretendeu ser a sua resposta a uma sua pergunta: “Já o podemos arrumar na História? E como?”.
Recorda-se, nesse texto, os 40 anos da morte do antigo Presidente do Conselho de Ministros e o criador do "estado Novo".

O autor responde, em traços largos: “as ideias de Salazar” deixaram de ser reivindicadas, o regime (salazarista) que montou “foi derrubado como um cenário de papelão”. E, com frases gradiloquentes, tais como “Falamos dele, mas é isso : falamos”, para fazer a sua tirada de mestre: “Valem-lhe os antifascistas para o conservar ameaçadoramente “vivo”.

Ora, como na passagem do 40º aniversário da morte de um senhor, que – o autor assim o torna híspido – pois, na sua visão, não é reivindicado, logo sem qualquer desempenho a nível de “ideias”, o ilustre historiador dignou-se, no entanto, desempenhar um papel, aparentemente, maçador, de improvisar um texto, aliás longo, quatro grandes páginas, para “falar” de um morto, que já só faz parte – dixit - de “um cenário de papelão”.
Se esse foi o seu objectivo – ou o seu efeito -, então perdeu tempo a confabular uma prosa que lhe roubou muitas horas, para produzir uma tese – a confissão é do próprio - sem qualquer sentido.
Porque intitular, então, o texto com um pomposo “Salazar na História”, se a personagem, na escrita do historiador, pouco relevo político e social deixou ?.
Rui Ramos não escreveu para “desfazer” a política de Salazar, fê-lo para, entre algumas invectivas, por vezes, duras contra o antigo Presidente do Conselho de Ministros do Antigo Regime, apresentá-lo com apreciação, e isto sem qualquer base confirmativa: “o problema está em que, se quisermos ser exatos, teremos de admitir que foi precisamente com Salazar que Portugal começou a ser menos pobre, menos analfabeto e mais europeu”.
E, com ar mais assertivo, embora também sem qualquer base documental: “É verdade que mesmo alguns salazaristas se mostraram impacientes com a sua obsessão financeira. No entanto, os seus orçamentos equilibrados e inflação baixa, se adiaram gratificações, pouparam os portugueses às crises fiscais e da balança de pagamentos que, antes dele e depois dele, destruíram riqueza e frustraram expectativas. A partir da década de 50 e até 1974, Portugal conheceu as taxas de crescimento mais altas da sua história”.

Quer queira, quer não, apesar das críticas aos aspectos repressivos “institucionais” do regime, o autor está a fazer é o elogio do “ditador” e a engrandecê-lo, em vez de o “arrumar” na História.
Como se poderia esboroar um poder “em cenário de papelão”, se ele, Salazar, na douta magistratura de Ramos, um historiador altamente classificado do nosso tempo, foi um “mágico” no desenvolvimento do Estado.
Estado este que deduzo, na minha banal ignorância, que seja capitalista, mas que não percebo, realmente, na interpretação do autor onde se situa esse poder estatal tão étereo (na minha visão de História, os Estados têm uma opção económica, social e política, ou seja, pertencem a uma dominação de classe) - que conseguiu diminuir a pobreza, o analfabetismo e, inclusive, se virou para a Europa.

Ora, o que é preciso esclarecer – em termos de História, e não em linguagem guinaldeira de analista de ocasião – é como um personagem vulgar, manhoso, pérfido, sinistro, se imiscuiu no aparelho de Estado e se transformou numa espécie de “D.Sebastião”, um desejado apresentado modelo de rectitude, comedido, honesto, trabalhador, realista, disciplinado, e um sincero estadista que amava o seu país e que “não se parecia com ninguém na classe política”, Ramos dixit.
Ora, isso Rui Ramos não o faz. Chama-lhe ditador, mas minimiza todo o papel nefasto que teve durante 40 anos na vida real das pessoas, engrandece-o, dando loas a uma obra que nunca concretiza com dados reais. (Interessante comparar a Carta Aberta a Salazar, de Henrique Galvão, agora reeditada, já que foi um militar de 1926, e um seguidor muito próximo do antigo chefe do governo).

Ora, do meu ponto de vista, para analisar e enquadrar o papel de Salazar tem de se estudar a luta social e política que veio a permitir que aquele se transformasse em modelo incensado para todos os que pretendem o “restabelecimento da ordem”, as limitações das liberdades políticas, o reino sem freio dos detentores do Capital.

Foi, justamente, a luta, social, económica e política que permitiu engendrar todo um clima que atirou com uma tal personagem para o estatuto de modelo e herói.

Quando Rui Ramos sustenta (p. 11) que “Salazar foi o primeiro chefe do governo, desde 1834, que não era liberal ou republicano”, ele está a emitir, precisamente, uma frase que é oca, e que se revisitasse umas das razões imediatas mais próximas para o acirramento da lutas políticas e sociais no final da Monarquia veria que esteve ligada, na realidade, à presença de um “conservador de tipo reaccionário”, e monárquico, chamado João Franco, que foi um exemplar em similitude política ao de Salazar.

Sucederam-lhe já em plena I República, “protótipos”, melhor dizendo, projectos de poder prenunciadores do que veio a dar a Ditadura Militar, com a “estabilização” do modelo, anos depois, com a implantação do Estado Novo: a ditadura de Pimenta de Castro; o governo do chamado Rei-Presidente Sidónio País e mesmo o governo mais prolongado no tempo de Afonso Costa, entre outras tentativas.

Ora, estes projectos tinham uma matriz idêntica, que se veio a solidificar com António de Oliveira Salazar: moldar o Estado aos ditames do poder económico dominante, subalternizar, suspender ou ilegalizar os partidos, destroçar as classes assalariadas, e em particular, o operariado, que ganhavam terreno nas suas reivindicações e na constância das suas lutas, e se tornavam um fantasma ameaçador para o poder burguês saído do movimento revolucionário que implantou a República.

Do golpe de Estado militar de 1926 ao golpe de Estado de Salazar em 1932/33, é o período do desmantelamento da última fracção republicana, que se acolitava por detrás de velhos militares maçónicos, que, pensando assegurar o regime da I República, utilizando uma política de “mão de ferro” sobre a “desordem” das ruas, tiveram de ceder a um astuto e cobarde professor de Economia o governo prático do Estado, que se utilizou as baionetas da segunda fila da oficialagem para impor um “Estado Novo”.
Ora, este período é, precisamente, percorrido por uma luta política fraticida, intensa e desastrosa no seio do velho republicanismo, em que alguns dos mais “veneráveis” se tornam cúmplices da ascensão do homem que veio de Santa Comba e, que adquiriu e formou uma reputação de honestidade, coragem e sentido de Estado, que nunca correspondeu a uma verdade, e que para fazer uma análise mais profunda, na economia, na política, na sociedade, teria de ser escrita uma obra livresca, que não se coaduna com este blog.

O que eu queria afirmar é que não são os anti-fascistas que o mantêm vivo, mas sim os propósitos de seguidores dentro do actual regime político, que procuram “ressuscitar” o “modelo político” que Salazar implantou: supressão (ou em versão mais soft, suspensão) do parlamentarismo, restrições dos direitos políticos, sindicais e sociais, reforço do presidencialismo ou formação de um “governo forte”, que destroce a capacidade operativa dos partidos ditos mais radicais nas suas propostas de criação de um novo modelo económico social, limitação e, mesmo impedimento, das organizações associativas sindicais, de modo a ilegalizar, se possível, o próprio direito à greve.

Sem comentários:

Enviar um comentário