sábado, 25 de janeiro de 2014

GUERRA COLONIAL: OPERAÇÕES ENCOBERTAS (10 )




MARCELO CAETANO: CHEFE DE GANGUE DE ROUBO DE OBRAS DE ARTE

A indignidade e a desfaçatez eram características de actuação política do regime do Estado Novo, que não tinha pejo em autorizar as mais extravagantes operações clandestinas, mesmo aquelas que eram sugeridas, quase sem nexo, por vulgares agentes da polícia política.

É o caso daquela que ficou registada nos arquivos da PIDE/DGS com o nome de operação “Recuperação”.


(Não se fala em Jorge Jardim, mas é natural que esteja por detrás desta desastrada acção de ladroagem de Estado!)

Na realidade, foi um projecto apenas, já que não há qualquer referência de que ela tenha sido levada a efeito.


Pelo menos, os objectos patrimoniais “arrolados” pelo governo de Marcelo Caetano para serem subtraídos ao Estado da Índia não o foram.

Possivelmente, tal não aconteceu porque se deu o 25 de Abril de 1974.

Mas, os “planeadores” do assalto organizaram tudo e o sicário mostrava-se, submissamente, disponível para efectuar o crime.

Clandestinamente…como, aliás, já o fizera antes ao assassinar, com toda a frieza, o general Humberto Delgado.

A operação encoberta tinha, no entanto, o aval da mais alta hierarquia do Estado.

Fora discutida no interior do governo central e merecera o consentimento do próprio chefe do governo Marcelo Caetano.

O objectivo era sacar os quadros de antigos governadores coloniais portugueses e outros objectos patrimoniais que ficaram no antigo Estado de Goa.



Segundo os documentos que puderam ser consultados na Torre do Tombo, tudo teria começado num desejo “manifestado pelo governo central, na pessoa do Ilustre Senhor Ministro do Ultramar, com vista à recuperação dos documentos históricos, quadros de Vice-Reis e Governadores do Estado da Índia Portuguesa e outras relíquias que se encontram no Arquivo Histórico em Goa”.

Quem seria o protagonista dessa “recuperação”, via “assalto à mão armada” a um Estado?

Nada mais nada menos que o então subinspector Casimiro Monteiro, exilado em Moçambique desde o assassinato do general Humberto Delgado, onde continuava a ser o homem de mão do regime para os seus actos mais repugnantes, como aliás se assinala numa outra operação “secreta” efectuada na Tanzânia.

(Anteriormente, esse papel foi desempenhado pelo empresário Jorge Jardim que, nos inícios dos anos 60, e pouco tempo depois da Índia ter anexado os territórios de Goa, Damão e Diu, conseguiu, com incursões rocambolescas, relatada pelo historiador José Freire Antunes no seu livro “Jorge Jardim Agente Secreto”, subtrair os retratos de Afonso de Albuquerque e D. João de Castro, do Palácio do Hidalcão, na cidade de Goa.

Os dois quadros roubados foram, posteriormente, já com Mário Soares, como Presidente da República, restituídos às autoridades indianas).

De acordo com os relatórios da PIDE/DGS que puderam ser consultados no ANTT, é um inspector-adjunto da mesma, Matos Rodrigues, um quadro policial que está metido em várias acções secretas nas antigas colónias, que vai a Moçambique levar a directivas do “governo central”.

Estas orientações teriam sido transmitidas à polícia política pelo “ilustre Ministro do Ultramar”, um catedrático chamado Silva Cunha.

O governo de Caetano pretendia trazer, clandestinamente, para Portugal “documentos históricos, quadros de vice-reis e governadores do Estado da Índia portuguesa e outras relíquias que se encontram no Arquivo Histórico de Goa”.

Casimiro Monteiro quer mostrar serviço.

Nem hesita: “informo V. Ex.cia – escreve num relatório enviado ao seu superior hierárquico em Moçambique – que o plano de operação de recuperação das relíquias referidas foi já por mim estudado, sendo possível levá-lo a efeito com absoluto êxito, sendo utilizados antigos colaboradores. O Aludido “plano de operação” foi pormenorizadamente estudado em todos os seus detalhes, conforme me foi confiado pelo excelentíssimo inspector adjunto, acima citado”.

Mas, o director da PIDE/DGS em Lourenço Marques está a leste das manigâncias que a sede em Lisboa estava a congeminar nas suas costas com o subinspector Casimiro Monteiro.

Dias depois, o “homem-forte” da polícia política em Moçambique Pereira de Castro escrevia, com o rótulo de “secreto”, ao Subdirector Geral da dita em Lisboa Barbieri Cardoso, fazendo saber que estranhava o que estava a suceder: “dada a delicadeza do assunto e antecedentes que parece existirem, muito agradecia que fosse esclarecido o que for tido por conveniente sobre o mesmo”.

E remetia-lhe o relatório de Monteiro.

O Subdirector achou por bem esclarecer de imediato o seu subordinado: “Envio hoje rádio a L.Marques”, rabiscava à mão no ofício de Pereira da Costa. Não foi possível conhecer o conteúdo dessa mensagem-rádio.

No relatório em apreço, Casimiro Monteiro explicava a Pereira da Costa que “por informações obtidas por intermédio de fontes dignas do melhor crédito, soube que os quadros dos vice-reis e governadores foram retirados da Sala dos Vice-Reis do Palácio Idal Can para Nova Deli-União Indiana, bem assim como o busto em bronze do falecido Presidente do Conselho, DR.OLIVEIRA SALAZAR (está assim escrito em maiúsculas…). Quanto aos documentos do Arquivo Histórico continuam em Goa”.

Convém referir que Casimiro Monteiro era de ascendência goesa.

E rematava a sua explicação perante o seu director em Lourenço Marques: “Caso o assunto venha a merecer a concordância no sentido de levar a efeito a dita “Operação de Recuperação”, serão por mim apresentados todos os pormenores em que consistirá a mesma”.

E não esperou o resultado da consulta ao seu superior. A 7 de Julho de 1973, fazia um “aditamento” à sua informação “datada de 19 do mês findo” indicando que “segundo informações recebidas recentemente por pessoas digna de crédito” as “relíquias” (os quadros e outro património) “foram transferidas de Nova Deli para Goa, encontrando-se tudo no Convento de Santa Mónica, em Velha Goa, localidade onde o governo indiano criou uma espécie de museu público”.

E recomendava: “Em virtude das aludidas relíquias terem sido transferidas de Nova Deli para Goa, como já foi referido, há necessidade de alterar o que estava em estudo, quanto ao plano da “Operação”, o qual oportunamente será elaborado”.

Na Torre do Tombo não foram encontrados mais documentos sobre o desfecho da operação. 

O regime, nesta altura, entrava em convulsão, com as reivindicações dos jovens oficiais e o agudizar da crise colonial, em particular em Moçambique.


Os retratos dos vice-reis e governadores coloniais da India estão, presentemente, no Convento de S.Francisco, na Velha Goa.

Nos finais de Maio de 1973, uma carta do Ministro da Defesa general Sá Viana Rebelo para o general Kaulza de Arriaga informava-o que o governo tencionava afastá-lo do cargo de comandante-chefe das Forças Armadas em Moçambique.

Foi substituído a 31 de Julho pelo general Bastos Machado.

Nos princípios de Junho, fora divulgada em Roma texto integral do relatório dos “padres brancos” sobre os massacres de Wiryamu. Massacres estes que foram denunciados, a 10 de Julho, no Times, de Londres, pelo padre católico Adrian Hastings e que serviram de motivo para uma manifestação anti-colonial no decorrer de uma visita de Marcelo Caetano à Grã-Bretanha.

Na própria sociedade moçambicana agudizavam-se as contradições no interior da Igreja Católica, com o bispo de Nampula Manuel Vieira Pinto – aliás o único a tomar posição – a manifestar-se contra a continuação da guerra colonial.

Os jovens oficiais conspiravam, entretanto, desde a saída da lei 353/73, que enquadrava as carreiras militares, favorecendo os oficiais milicianos que entravam no quadro.

Uma operação - ainda por cima - fracassada nesta altura seria muito prejudicial para o regime, que estava em agonia.





























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