terça-feira, 14 de janeiro de 2014

GUERRA COLONIAL: OPERAÇÕES ENCOBERTAS (7)



OPERAÇÃO MECA: A SEPARAÇÃO DE ZANZIBAR


O Portugal de Marcelo Caetano pretendeu fomentar a “Guerra Santa” islâmica em África. 

Incendiar o continente africano e levá-lo para a “Civilização Ocidental” era o objectivo confesso dos “conspiradores” do Antigo regime português.  

A luta anti-terrorista era conduzida na “clandestinidade” em nome da defesa da integridade territorial imperial lusitana, com o penacho da organização de estruturas terroristas em nome de Alá. 

Está tudo escrito. 

Não nasceu com as peripécias e intrigas americanas no Mundo.
            
Retiramos o “roteiro” da Torre do Tombo, engendrado pela polícia secreta portuguesa de então. 

Corria o ano de 73 do século XX.
            
Sigamos as pisadas.
            
Um grupo de selectos hóspedes do sultanato de Zanzibar acolheu-se, em 1973, ao hotel Crillon, em Paris, para umas merecidas férias.

Esta era a sua cobertura informal. 

Aparentemente, gozavam os dias do Inverno francês para fazer compras e passear na capital.                    
No entanto, o alojamento no hotel parisiense tinha um outro objectivo, nada consentâneo com os prazeres da vida. 

Aqueles muçulmanos “ocidentalizados” conspiravam, na realidade, em nome do islamismo, contra o regime de Julius Neyrere, o falecido presidente da Tanzânia.
            
Preparavam-se mesmo uma cessão no Estado da Tanzânia. 

Este era (e é) constituído por um território continental e duas ilhas: Zanbibar e Pemba, que formam um governo autonómico regional, sob a liderança de um sultão, de nome Karume.

Os visitantes do sultanato não conspiravam sozinhos. Tinham interlocutores. 

Não eram, todavia, as autoridades de Paris, mas responsáveis da polícia política portuguesa, a PIDE.  

Estes documentaram a reunião. 

Pode ser consultado no ANTT.
            
Conspirava-se, deste modo, clandestinamente, num Estado democrático -França - e, aparentemente, só aparentemente, à sua revelia, contra um outro país, com quem mantinha relações diplomáticas. 

Não era caso inédito: as relações entre as polícias secretas dos dois regimes eram estreitas e muitas vezes complementares na perspectiva política de defesa da “civilização ocidental”. 
            
Da leitura do documento, um aparte interessante deve ser realçado, digno mesmo de ser referenciado: a PIDE estava interessada em “encaminhar” esta sua aproximação ao mundo árabe, através do sultão de Zanzibar, para uma “campanha mais vasta de JIHAD (Guerra Santa) em oposição do continente e em defesa do ISLÃO”, uma orientação que visava ainda “captar a simpatia de diversas nações árabes, nomeadamente a LÍBIA”.
            
A história está toda documentada no relatório sintético da própria antiga polícia política, com data de 18 de Fevereiro de 1973 e a classificação de “Muito Secreto”. 

O autor do documento deveria ser ou um alto funcionário do regime ou um responsável de topo da PIDE, muito meticuloso, quase militar na explanação do sucedido.

                       Operação Meca
            
“Em 13FEV73, iniciou-se a *Operação Meca* com uma reunião em Paris no hotel Crillon na sequência de contactos ordenados e instruídos ao 410 (o historiador e antigo jornalista José Freire Antunes no seu livro “Jorge Jardim, Agente Secreto”, editado em 1996, liga aquele número de código a Sidney Alleyne, uma “misteriosa figura, natural dos Barbados”, que serviu “directamente” Jorge Jardim e a PIDE) para desenvolver junto da organização do sultão de Zanzibar”, assim inicia o seu relatório o responsável governamental ou da PIDE presente, que nunca é referenciado explicitamente.

A reunião na capital parisiense demorou dois dias.
            
Pela investigação de documentação existente na Torre do Tombo, verifica-se que decorreu em sintonia com uma outra que se efectuou, na mesma altura, no Hotel President, em Genebra, Suíça, que envolveu, entre outros, três políticos oposicionistas ao regime de Nyerere: os irmãos Óscar e Andrew Kambona e o médico James Nkombo, este a residir na Alemanha Ocidental.

Esta acção paralela recebeu o nome de código de “Operação Girassol”.


                          Operação Girassol

Pelo tipo de letra dos documentos e pela sua ordenação, admite-se que o responsável pelas duas operações junto da PIDE deveria ser a mesma pessoa. Mas que permanece incógnito em ambos os relatórios.
            
(Óscar Kambona é um velho conhecido do regime português. Desde 1971, tinha sido montada, em Moçambique pelo engenheiro Jorge Jardim, uma figura tentacular do regime salazarista, que viveu naquele território colonial, uma “Operação Óscar Kambona”, para a qual foram atribuídas largas somas em dinheiro para a financiar.

José Freire Antunes, no livro citado, refere que o governo português atribuiu, a fundo perdido, entre 1971 e 1974, uma soma em dinheiro que ultrapassava, naquela data, os 42 mil contos, para apoiar um golpe de Estado na Tanzânia, liderado por Óscar Kambona.

 
Óscar Kambona, ministro dos Negócios Estrangeiros da Tanzânia e agente de Jorge Jardim


Este fora uma figura de proa do regime de Nyerere, ocupando, durante vários anos, lugares de ministros, o primeiro dos quais MNE. 

Depois, veio viver para a Europa, e começou a servir o regime de Salazar, que nele investiu muito dinheiro. 

Dinheiro gasto, mas que nada de eficácia produziu.

Então, depois de ter sido utilizado pelo regime português anos atrás, como testa de ferro para encabeçar uma incipiente oposição golpista e mesmo terrorista contra o regime de Neyrere,  Óscar  Kambona surge, em 1973, numa conspiração paralela, sob a alçada da PIDE, cujo início tem lugar em Paris, com a polícia política a considerar que a “família Kambona e os seus partidários não parecem dispor de meios de acção directa na evolução dos acontecimentos”.)
            
O relatório policial da “operação Meca” referencia um a um dos elementos presentes da delegação do sultanato. 

“A delegação de ZANZIBAR era chefiada pelo primo direito e cunhado do Sultão, M.K. BARGHASH”, pormenoriza o responsável da PIDE, que assinala ainda que o numero dois “AHMED SEIF KHARUSI”, um “professor e jornalista” mostrou “ser o elemento de maior preponderância na organização disfrutando (sic) a qualidade de Primeiro Conselheiro”.
            
Seguem-se a descrição e explicitação de facetas dos principais elementos participantes.
            
“SULEIMAM SULTAN MALIK, graduado em inglês. Secretário do gabinete do Sultão, presentemente estacionado no Cairo. Elemento ponderado, trabalhador, disfrutando de grande aceitação entre os restantes membros do Comité. Designado para chefiar o *working team* da sua Organização”
             
“AMANI THANI, antigo cônsul de ZANZIBAR em WASHINGTON. Prsentemente no sultanato do DUBAI. Nomeado para o *working team*. Elemento de muita valia dispondo de bons contactos em Zanzibar. Bom para o sector informação. Nem ligado à primeira mulher do Sheik Karume (Fahtma Karume) e à segunda mulher, ambas preferidas nos últimos anos de Karume”.
            
“SALIM BARWENI, antigo superintendente da Polícia de ZANZIBAR. Nomeado para o *working team*. Reservado, observador. Só fala quando tem a certeza do que afirma”.
            
Os restantes conspiradores são apenas referidos pelos nomes e profissões.
            
“SAID HILAL, técnico de TV
              
ABDULLA IBRAHIM, professor.
              
MUHAMED SALIM THINAY, antigo elemento do ZNP Youth League.
              
HILAL MUHAMED, agricultor
              
ALI KHAMIS, técnico de motores
              
SALIM MUHAMED SALIM, arquitecto”.
            
Um pormenor sobre este conjunto de “segundas linhas” da conspiração; o responsável policial acrescentou ao nome do professor Ibrahim uma classificação psicológica: “jovem impulsivo”.
            
Do relatório retira-se ainda que o seu autor “torceu o nariz” à capacidade dos seus interlocutores para subverterem, de imediato, a ordem interna tanzaniana em Zanzibar, embora considerando que a organização do sultão “tem bases dispondo de bons contactos no interior e no exterior do país, susceptíveis de boa utilização por nós, não só na colheita de informações mas também nos contactos com o mundo árabe, o que lhes foi incutido tendo principalmente em atenção TRIPOLI (coronel CADAHFI) e o Cairo”.
            
O interesse do responsável da PIDE ia essencialmente para “a especial relevância” de “conseguir a adesão do mundo árabe nesta luta contra a presença chinesa no ÍNDICO e na ÁFRICA ORIENTAL”.
            
E para conseguir uma *aliança* com o conservadorismo árabe para conter o nacionalismo revolucionário africano, a PIDE não tem pejo em fomentar o islamismo mais radical, incluindo a GUERRA SANTA.
            
“Sob o ponto de vista religioso, constatou-se nesta primeira reunião que do grupo faziam parte alguns sunitas, facto que se reveste de certa importância, visto que a população das Ilhas pertencem na sua maioria a esta escola.
            
“Inicialmente tinha-se julgado que o grupo zanzibarita a contactar seria todo pertencente à escola ibadita, mais ligado portanto à família do Sultão e a OMAN. Tal facto permite encaminhar no plano interno e internacional (sublinhando nosso) a campanha sob a tonalidade mais vasta de JIAHD (Guerra Santa) em oposição ao continente e em defesa do ISLÃO.
            
“Chama-se ainda a atenção para a identidade existente entre o sunismo nas Ilhas e a mais forte escola corânica de MOÇAMBIQUE. A tradicional solidariedade islâmica e o espírito da comunidade internacional (UMMA) parece ser portanto um factor a aproveitar nesta luta pois a posição a tomar face aos interesses do islamismo no Indico pode captar a simpatia de diversas nações árabes, nomeadamente a Líbia.
            
“Neste aspecto, os contactos a estabelecidos poderão ser úteis, porque mais uma vez poderão esclarecer certas nações árabes sobre a nossa actual política islâmica em MOÇAMBIQUE”, assim reza o relatório do dirigente policial do regime marcelista.
            
Tal como a América de Ronald Reagan nos anos 80 face ao Afeganistão no combate contra a presença soviética naquela região, uma década antes já o moribundo regime português defendia que para combater o nacionalismo africano era de apoiar o radicalismo islâmico. 

Ou seja, para combater o que se chamava “terrorismo” dava-se trela e impulsionava-se o terror fanático conservador da religião muçulmana como arma política de defesa dos “valores ocidentais”!

Tal como sucedeu com a América de Bush filho, com os neoconservadores, que acolheram e fomentaram Bin Laden.
            
A PIDE não conseguiu recolher dividendos imediatos desta orientação, até porque cerca de um ano depois era afastada da cena política já na fase revolucionária que se seguiu ao golpe de Estado de 25 de Abril.
            
Pelo teor do relatório elaborado sobre a operação “Girassol”, retira-se que a capacidade da PIDE (e consequentemente do regime político português) de organizar a oposição na Tanzânia em 1973 era diminuta e que a própria polícia pouco acreditava nas forças tanzanianas que estavam na sua frente.
            
Os conspiradores presentes a 15 de Fevereiro no hotel President, em Genebra, “pretendiam convocar uma conferência nacional, estabelecer um comité de juristas internacionais, um comité de apoio a presos e deslocados políticos, meios de mobilidade e comunicação rádio para as equipas no interior”, assinala o relatório.
            
Mas, o responsável policial ou governamental desconfiou deste *poder de forças* e recomendou: “foi referida a pouca viabilidade do seu plano”, tendo antes decidido *apalpar terreno*. “Deste modo a reunião subdividiu-se, tendo-se constituído um grupo de trabalho que analisou e discutiu em detalhe os vários pontos”.
            
E a reunião foi canalizada para por de pé uma mínimo de organização e essencialmente “arranjar” elementos para trabalhar na logística, cujos resultados práticos se desconhecem.
            
A própria PIDE/DGS parecia não estar preparada, no imediato para apoiar a operação, pois o relator no documento solicita ao governo que “será necessário que a DGS MOÇAMBIQUE instale para o efeito Postos de Vigilância em OLIVENÇA, CHAMBA, GOMBA e COBUÉ, sendo dotada unicamente para esta finalidade de 1 subinspector, 2 chefe de brigada, 5 agentes de 1ª e 6 agentes de 2ª, além de instalações tipo pré-fabricado, dotadas de mobiliário, emissores/receptores, geradores de energia, viaturas e armamentos adequados”.
            
“A criação destes postos da DGS torna-se indispensável ao trabalho de triagem, controle e enquadramento” dos refugiados, justificava o relator que acrescentava: “nestas circunstâncias julga-se que a DGS MOÇAMBIQUE deveria ser dotada em meios financeiros e pessoal suplementar”.
            
O autor do relatório referia ainda que “a data da próxima reunião” do grupo conspirador tinha sido marcada para 26 de Abril de 1973, mas não foi possível encontrar nos Arquivos da PIDE/DGS na Torre do Tombo novas informações sobre a “Operação Girassol”. 

Pelo menos até 25 de Abril de 1974 não há registo de qualquer acto relevante subversivo na Tanzânia contra o antigo Presidente Nyerere.
            
Em documentos fragmentários, aparentemente sem uma ligação directa às operações supracitadas, mas contidos nas mesmas pastas do Arquivo do ANTT, regista-se que existe uma tentativa antiga da PIDE de organizar uma estrutura de informações na Tanzânia.
            
Assim, um relatório escrito em francês referente a uma relacionamento com os serviços secretos alemães assinala-se que existiram negociações com a PIDE/DGS a 9 de Julho de 1970 para estabelecer “uma rede rádio *Special Branch*, Tanzânia”, que recebeu mesmo “o nome de guerra de operação *SIMBA*”. Não foram encontrados mais documentos que permitissem conhecer o seu desenvolvimento.


Operação Simba


            
Encontrou-se, todavia, um outro documento, com a chancela de “SECRETO”, emitido pelo gabinete do Director-Geral da Direcção-Geral de Segurança, com data de 10 de Julho de 1970, datado de Munique e escrito em português, que relata uma visita ao serviços secretos alemães de contra-espionagem e uma entrevista com o seu  presidente.

(Convém salientar que os serviços secretos da antiga Alemanha Ocidental foram organizados por oficiais-generais e superiores dos Serviços Secretos Militares, das SS e da Gestapo de Adolf Hitler, com a cumplicidade e o apoio militante da CIA, dirigida então pelo pró-nazi norte-americano Allen Dulles, irmão do secretário de Estado do general Dwight Eisenhover, que foi Presidente dos EUA).  

Embora o relatório esteja incompleto – pelo menos o que nos foi facultado oficialmente – constata-se que a polícia política continuava interessada em adquirir material altamente sofisticado nos sistema de comunicações e de infiltrações no interior do regime tanzaniano.
            
Apenso a um dos documentos está um cartão do primeiro secretário da Embaixada da Alemanha em Lisboa dr. Kurt Kohler, que parece ter sido o intermediário nas diligências entre Lisboa e Bona a nível de operações secretas.

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