sábado, 4 de dezembro de 2010

SÁ CARNEIRO: O CAPITAL EM BUSCA DE NOVO MODELO SEBASTIANISTA



















Há 30 anos, morreu na queda de uma avioneta, em Camarate, arredores de Lisboa, o então Primeiro-Ministro de Portugal Francisco Sá Carneiro. Na aeronave seguia Amaro da Costa, que era o Ministro da Defesa, e tido como o "ideólogo" do CDS.

Era o dia 4 de Dezembro de 1980, e, em Portugal, efectuava-se o último dia de campanha eleitoral presidencial que tinha em liça, em segunda volta, dois generais: Ramalho Eanes, que se recandidatava ao cargo de Chefe de Estado, com o apoio - dividido - do PS e total do PCP, e Soares Carneiro, na altura Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, a figura escolhidada pelos dois partidos do executivo em funções, que se organizaram numa Aliança Democrática (AD).

(Refiro o PS dividido, porque Mário Soares se auto-suspendera de líder socialista e manifestara-se contra o general do 25 de Novembro, dando assim um apoio cúmplice ao outro general).

Tal como em 1980, hoje 30 anos depois, vive-se numa crise política e económica. Na época, todavia, não atingia as proporções de agora.

Mas, na ocasião, Sá Carneiro desempenhava um papel político, como agora, ao reviver-se a sua figura, 30 anos depois, se procura "endeusar" a personalidade para introduzir ideias e modelos de sociedade que estavam subjacentes às preconizadas naquele tempo.

A figura e o papel de Sá Carneiro então e a dos seus "seguidores" de hoje não podem ser desinseridas da luta política e económica que percorre a sociedade portuguesa, nem dos objectivos de poder e de representação de classe que essa personalidade desempenhou.

Quero, com isto dizer, que Sá Carneiro foi criado pelas circunstâncias que a luta classista fez brotar. Ora, o papel classista, que desempenhou e interpretou, fez elevar, para um sector da classe dominante, essa personagem a mito e herói, quando, nas contas do progresso da História, não passou de um político vulgar, que nunca esteve presente nas grandes convulsões que definem os líderes.

Sá Carneiro não entrou na política pelo lado da Democracia, pelo lado da militância em torno de um novo poder que instaurasse uma República Social. Apoiou, sim, o regime então vigente a ditadura fascista, sendo mesmo eleito seu deputado.

Quando entrou na arena parlamentar do Estado Novo, fez uma opção, porque sabia que estava em concorrência - e perseguida pelo regime - uma outra lista, que defendia ideias opostas ao programa a que ele aderiu.

Não desejava, pois, uma ruptura com o poder político nacional fascista.

A prática parlamentar deu-lhe a noção que o regime do Estado Novo estava em agonia, e que se não houvesse uma "reforma" do mesmo, o seu "meio social" poderia confrontar-se com uma Revolução. Havia indícios mais que suficientes, para os poderes económicos e políticos dominantes, que um fermento de agitação social e reivindicações operárias e populares estava a empolar e um surto de liça revolucionária poderia saltar para a sociedade portuguesa a qualquer momento.

Sectores ditos tecnocratas e liberais do regime procuravam, desde o sistema financeiro ao militar, com reflexos na Assembleia Nacional de partido único, cujos expoentes, como deputados, eram precisamente João Pedro Pinto Leite, Pinto Balsemão, Sá Carneiro, Miller Guerra e Magalhães Mota, buscar uma saída "moderada" para o atoleiro em que estava metido o regime, que não abria mão da tutela ditaturial.

Quer a velha estirpe do Estado Novo - desde Américo Tomás até Marcelo Caetano, quer a estirpe liberal, onde se situava Sá Carneiro, foram apanhados de surpresa pelo golpe de Estado de 25 de Abril.

Os primeiros passos deste golpe pareciam estar em sintonia com o pensamento de Sá Carneiro.
Iria haver um novo poder político, mas toda a argamassa económica e social do antigo Regime iria manter-se intacta.

Então ele meteu-se rapidamente na carruagem em andamento. Formou à pressa um partido político, com o grupo de deputados da chamada "Ala Liberal" da defunta Assembleia Nacional, e, organizou, lestamente, uma estrutura pelo país, alicerçada nos velhos autarcas e seguidores, menos marcados, do Estado Novo. Assim surgiu o PPD.

E, com a experiência adquirida na escola parlamentar desse mesmo Estado Novo, juntou à ala liberal militar musculada do MFA, que se abrigava em torno do general Spínola.

Mas, as massas populares consideraram o golpe de Estado de outra maneira. Festejaram-no como uma acontecimento que iria mudar radicalmente a sociedade. Viram a hipótese de formar uma outra sociedade.

Com a nova formulação do poder, logo em Maio de 1974, essa ala liberal, que tinha o general Spínola, como Presidente da República, o advogado Palma Carlos Primeiro-Minsitro e o "número" três Sá Carneiro, como Ministro sem pasta, pensaram que tinha a governação na mão, e imporia um tipo de poder, em que o grande capital pudesse medrar sem qualquer oposição.

As ruas começaram a ditar ordens, a impor reivindicações, a exigir cursos diferentes no andamento da economia, a retirar regalias a quem explorara sem qualquer rebuço durante dezenas e dezenas de anos.


Ora, nesta conjectura, Sá Carneiro assumiu a sua verdadeira face. Era necessário muscular o regime, voltar as traves-mestras económicas - e até políticas - de antanho.

Como pensava que Spínola dominava os miliares revoltosos de 25 de Abril, o minsitro sem pasta Sá Carneiro redigiu um projecto de "poder musculado", que queria pôr em prática rapidamente, através de um golpe palaciano. Como viu que o poder militar, lhe era adverso, meteu o rabo entre as pernas e saiu pela porta baixa.

Na prática, até ao 25 de Novembro de 1975 nunca mais teve influência nas decisões e movimentações políticas que tiveram lugar. Entre Fevereiro e Setembro de 1975, altura de acesa luta política, esteve fora do país, embora continuasse, como secretário-geral do PPD e tivesse sido eleito deputado à Assembleia Constituinte. No próprio dia 25 de Novembro de 1975, curiosamente, também se encontrava no estrangeiro.


Mas, depois de Novembro, já apareceu ao lado dos vitoriosos e apoiou entusiasticamente a candidatura do general Eanes, em 1976, à Presidência da República, como personalidade capaz de "congregar" todo o apoio da nova classe dirigente, que se encavalitou no poder com o golpe de Estado novembrista. Na sociedade, havia ainda resquícios da liça revolucionária, que estava avivados em torno da candidatura do coronel Otelo Saraiva de Carvalho, que estava a arregimentar centenas de milhares de populares. O antigo comandante do COPCON recolheu cerca de 20por cento dos votos expressos.

Embora a vivacidade das reivindicações populares tivessem esmorecido, os detentores do novo poder, que na altura se equilibrava entre a ala militar "moderada" liderada, ideologicamente, por Melo Antunes e, do ponto de vista castrense, por um conjunto de antigos capitães e majores, onde pontificavam Sousa e Castro, Marques Júnior, Franco Charais, Vitor Alves, Pezarat Correia, entre outros em aliança, com os antigos gonçalvistas, e o Partido Socialista, vitorioso das eleições de1975 e 1976, procuravam realizar uma "transição pacífica" para o modelo capitalista ocidental.
Sustentavam então pela voz do generaç Ramalho Eanes que se vivia numa "democracia socialista".

Todavia, começavam os reerranjos políticos dentro desse poder para impôr o domínio absoluto do Capital financeiro.
Estamos na parte final do ano de 1977. Sá Carneiro torna-se ponta de lança dos interesses mais imediatos e gananciosos desse Capital, afasta-se da liderança do PPD e abandona, mesmo o partido.

Afirmou, então, que não regressaria, sem que houvesse uma revisão da Constituição, que acabasse com a "herança socialista" e houvesse outro Chefe de Estado em funções, que defendesse as suas teses.

Fez esta "ruptura", quando sentiu que a probalidade de uma revolução estava afastada e verificou que as classes assalariadas não reagiam, fortemente, aos cortes de benefícios sociais que tinham adquirido no período pré-revolucionário de 1974-75. Calvagou mesmo certa insatisfação popular, já que havia crescimento do desemprego, cortes salariais, entre outras medidas, lançadas pelos governos de Mário Soares.

Começou um ampla campanha de propaganda em torno da sua figura. Fez nascer um áurea de "sebastianismo" à sua volta. Coliga-se com o CDS e os monárquicos na AD e ganha as eleições legislativas. É Primeiro-Ministro. Lança-se, depois, freneticamente, na escolha de um militar que se contrapusesse à figura de Eanes, que representava para ele os resquícos do "período socialista". Escolheu um general da velha estirpe salazarista, Soares Carneiro, que a nova realção de forças na estrutura castrense, fez ascender a CEMGFA.


A 7 de Dezembro de 1980, tiveram lugar as eleições presidenciais. O candidato de Sá Carneiro não venceu.

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