domingo, 27 de junho de 2010

MÁRIO SOARES. O MAIS ILUSTRE PORTUGUÊS VIVO?

Neste passado fim-de-semana, ouvimos um antigo Presidente da Assembleia da República e representante de múltiplos interesses financeiros e comerciais, em Portugal continental e na ex-colónia de Moçambique, antes e depois do 25 de Abril, de nome António Almeida Santos a afirmar, como figura senatorial do actual regime político, do qual ele é co-responsável, que Mário Soares é "o mais ilustre português vivo".

Entre numerosos elogios de igual fôlego, quase na semântica dos velhos termos apologéticos dos antigos regime do Leste europeu do tempo dos regime pró-soviéticos, Almeida Santos eleva-o a "líder exemplar" e "pai do actual sistema democrático".

Dizia-me, há anos, uma figura proeminente do círculo político soarista, no decorrer de um almoço, referindo-se à personalidade de Mário Soares, que o "seu ego é de tal maneira elevado, que ele pensa que vai ficar na História. Eu, cá para mim, se calhar daqui a 50 anos, nem nos rodapés dos livros de História ele terá lugar".

Claro que não foi um desabafo, ele deu explicações para a sua argumentação. Não interessa de imediato a sua explicação, pois eu quero apresentar a minha visão do personagem político Mário Soares.

Em primeiro lugar, é diletantismo fazer afirmações do tipo "o mais ilustre português vivo". Porquer aparece muitas vezes nos jornais e televisões? Porque representou (ou apresenta) um papel marcante na evolução social e histórica de Portugal? Porque criou algo de novo no modo de fazer política no país e na Europa?

Em segundo lugar, não é factual, nem histórico, o facto de ser Mário Soares "o pais do actual sistema democrático" português, por muito que os seus apoiantes e apaniguados o tentem estabelecer.

Quem "democratizou" o regime de Salazar e Marcelo Caetano foram os chamados militares de Abril, através do Conselho de Revolução. Quando aquele se "retirou da História" nos anos 80, o sistema parlamentar democrático, que eles preconizavam no seu Programa do golpe de Estado de 25 de Abril, estava cimentado e foi então "entregue aos civis".

Mário Soares, como personagem política da chamada oposição republicana, não teve qualquer influência na opção da movimentação militar abrilista.

Mais: os principais chefes desse movimento nem sequer sentiam qualquer simpatia política por ele.

Ele adquiriu alguma preponderância no primeiro governo provisório, não pela via dos autores directos do golpe de Estado, mas pela pressão do general António de Spínola, que pretendeu "calvagar" o trabalho efectuado pela jovem oficialagem para impor o seu "poder de Estado" e lhe ofereceu o lugar de Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O curioso é que em 25 de Abril de 1974, o PS de Mário Soares, incipiente e sem organização no interior de Portugal, que fora formado apenas em 1973, elaborara uns estatutos que, em muitos dos itens programáticos, nomeadamente, na economia e na superestrutura do Estado, se poderiam colocar "à esquerda" do próprio PCP.

Defendia abertamente o marxismo-leninismo.

(Estatutos estes que vigoraram até ao consulado do banqueiro Vítor Constâncio como secretário-geral do PS).

Até ao 11 de Março de 1975, e, praticamente, às eleições legislativas de 25 de Abril desse ano, Mário Soares foi um defensor acérrimo da nacionalização da economia e da Reforma Agrária; depois, com a ligação financeira e política à administração norte-americana e ao governo social-democrata de Helmut Schimdt, iniciou uma viragem, primeiramente muito subtil, defendendo o "socialismo" e a "liberdade" e, mais tarde, depois da aprovação da Constituição de 1976, começando a levantar a bandeira do "socialismo democrático".

Com a formação do seu I Governo Constitucional, em 1976, deu guarida a um um dos principais gestores dos grandes grupos económicos de antes do 25 Abril, Alfredo Nobre da Costa, como Ministro da Indústria e Tecnologia, colocando Carlos Mota Pinto no Comércio e Turismo, o banqueiro Emílio Rui Vilar nos Transportes e Comunicações e o liberal Henrique Medina Carreira nas Finanças. E, como figura-chave na destruição da Reforma Agrária, um antigo exilado, que queria mostrar serviço, completamente inexperiente em economia agrícola, na pasta da Agricultura, à revelia do seu maior especialista no sector Lopes Cardoso, que considerava tal orientação política como nefasta para a própria evolução económica do país.

Foi Mário Soares, logo no primeiro governo constitucional, o artífice do primeiro despedimento colectivo de envergadura em Portugal, o encerramento da empresa do Jornal "O Século", com os seus 800 trabalhadores, simplesmente porque aquele periódico era o elo fraco da cadeia jornalística de então e se opunha, mesmo depois do 25 de Novembro de 1975, ao controlo político da sua linha editorial, e isto depois de depurações internas, algumas arbitrárias. Alguns dos trabalhadores chegaram a suicidar-se no interior das próprias instalações.

Foram nos seus dois primeiros governos constitucionais, aqui com a liderança esfuziante de Soares que alguns dos principais banqueiros fugidos do país, a maior parte do quais por evidentes e ilegais fugas de capitais do país, regressaram com a percepão de que, a partir daquele momento, o seu reinado iria ressurgir.

O que se tornou um facto.

Com a revisão da Constituição de 1983, e com Mário Soares, novamente no poder a especulação financeira começou a enraizar-se e a tornar-se em "governo de facto", através dos seus representantes políticos.

E esta ligação de Soares ao capital financeiro, à especulação bolsista, aos arrivistas do negócio fácil e chorudo, esteve presente e contribuiu, de suma maneira, para que o antigo Primeiro-Ministro, então completamente desacreditado no país, fosse levado em ombros, como democrata impoluto, à Presidência da República.

Curioso é esta aparição, agora, desta uma homenagem a Mário Soares, e em pleno norte do País, zona tradicional de hostilidade à própria figura do antigo Chefe de Estado.

E isto numa altura em que já se está em campanha eleitoral para a Presidência da República.

Ora, Soares está contra a candidatura que o seu próprio partido apoia.

Ora, ele esta a fazer de porta-voz oficial dos seus apoiantes (internos e externos) dessa contestão, ultilizando, inclusive, a presença do secretário-geral socialista.

Mais curioso se torna porque nas últimas eleições presidenciais, onde se se quis apresentar como definidor da estratégia socialista, julgando-se "o mais ilustre português", ficou reduzido à sua impotência como influenciador do que seja, a não ser a divisão nas hostes do partido.

De certo modo e em certo sentido, essa campanha foi o traço marcante para desmontar o culto soarista, como estadista. A sua lenda de herói do 25 de Abril começou a ficar, então, um pouco baça.

Ora, o que de novo está, hoje, Mário Soares a trazer para a vida política é a sua promoção de uma aliança de poder entre o PS e o PSD.

E, em termos práticos políticos, ela somente pode ressurgir com a reeleição de Cavaco Silva para a Chefia do Estado.

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