quarta-feira, 2 de junho de 2010

SPÌNOLA -biografia













SPÍNOLA –biografia

De Luís Nuno Rodrigues


Recensão ao livro de Luís Nuno Rodrigues “Spínola-Biografia”, A Esfera dos livros, Março 2010. 748 pgs.


É uma tarefa difícil , a de um historiador, fazer uma biografia de uma personalidade, ainda, por cima controversa, que morreu, há apenas, 14 anos, e em que muitos dos apaniguados e cúmplices políticos e militares ainda se espraiam, no activo ou ditos reformados, pelo aparelho de Estado. Modelam, portanto, com força dominante, uma opinião do visado biografado.

Sublinho, pois, que não é fácil biografar um general, cuja memória ainda está “muito quente”. É preciso distanciamento e uma análise mais cuidada da acção dessa personalidade, já que muitos dos méritos apenas são alicerçados nos testemunhos abonatórios dos seguidores mais proeminentes.

Estou a referir-me, concretamente, à obra intitulada “Spínola, biografia”, da autoria do historiador Luís Nuno Rodrigues.

O historiador inicia a sua obra com uma “Introdução” em que coloca em ênfase o papel desempenhado pelo então tenente-coronel António de Spínola, como comandante do Batalhão de Cavalaria 345, que actuou no norte de Angola. E nessa passagem, logo no início, procura apresentar o oficial superior como o protótipo de comandante destemido, tomador de decisões, que exemplifica com o seu alegado comportamento perante uma obscura emboscada, que, pelo relato apresentado, qualquer outro oficial tomaria em idênticas condições.

Ou seja, numa zona de combate, desconfiaria de quem lhe aparecesse pela frente.

Então, o historiador Luís Nuno Rodrigues enquadra, em síntese, uma tirada, como se tratasse de uma reflexão histórica fundamentada: “O testemunho do combatente João Anselmo capta com exactidão (o sublinhado é meu) a imagem que, durante largos anos, a memória colectiva reteve de António de Spínola”. (pag. 16).

Onde está escrito, com documentos independentes, que foi essa a imagem que foi retida, durante anos na “memória colectiva”?

O historiador sabe muito bem que esta chamada “memória” foi construída pela “entourage” do general na sua passagem pela Guiné e, mesmo, posteriormente. Ou se não sabe, deveria pesquisar

Luís Nuno Rodrigues também não pode, como historiador, sustentar que “Spínola foi um militar durante toda a sua vida “, mesmo que ele afirmasse tal coisa e vestisse a farda. Porque não é verdade.

De 1955 a 1964, ou seja, praticamente, desde que veio de Angola até ir para a Guiné, foi, essencialmente, um capitalista encartado, como administrador da Siderurgia Nacional, de António Champallimaud. De onde arrecadou proventos substanciais.

Além do mais, cerca de 10 anos da sua vida foram dedicados, não à vida militar, mas ao serviço da GNR, uma parte dos quais como ajudante de campo de dois dos comandantes, primeiro o general Monteiro de Barros (seu sogro), depois do general Afonso Botelho.
Mesmo a sua ascensão a oficial-general (brigadeiro) foi conseguida para ir ocupar o cargo de segundo-comandante da GNR e não um posto de comando castrense. Já tinha 58 anos. Estava, portanto, no limite de idade de ascensão a oficial-general.

Até ser indigitado para o cargo de governador e comandante-chefe na Guiné nunca exerceu um cargo relevante operacional na estrutura do Exército, a não ser o de comandante de Batalhão em Angola, tendo-se voluntariado, como tal, pois como tinha 52 anos encontrava-se quase no limite de ascensão a um outro cargo de carreira militar, o que de certa maneira queria conseguir com a ida ao Ultramar.

O historiador considera sua a tese, montada pelos spinolistas, com o apoio de jornais de Portugal e mesmo de certas publicações estrangeiras, de que a passagem de Spínola pela Guiné – 1968 a 1973 “foram, verdadeiramente, os tempos de glória” na vida militar e política do antigo Presidente da República.

Ora, tal afirmação carece de confirmação histórica. Houve, realmente, muita propaganda, mas factos concretos que sustentem a tese, eu não os encontro.

Embora Spínola pareça ter feito críticas a António Salazar sobre a condução da política colonial, ( e ele conta-o quando o velho ditador já morrera, sem conhecermos, neste caso, o pensamento do seu interlocutor), esta ia no sentido do reforço da acção militar – palavras do falecido general às Forças Armadas apenas competiria “garantir o espaço e o tempo necessários para que este processo de concretizasse” pgs. 87 - em defesa do Império Colonial, enquadrado por uns meríficos “Estados-Nações” governados, naturalmente, por brancos ou mestiços colonialistas.

Spínola chega, em 1968, à Guiné, e afirma que iria acabar a guerra em pouco tempo. Um mês depois, ele é o primeiro responsável militar de um Território Operacional (TO) ultramarino a abandonar uma parte da Guiné, colocando-os nas mãos da guerrilha (toda a região de Madina de Boé, simplesmente, porque não tinha capacidade para o defender. Isto, portanto, repito-o um mês após ter tomado posse do cargo. Este abandono estratégico nunca mais consegui evitar a pressão militar sobre os quartéis do Leste, região que, naquela altura, não era considerada como zona de conflitos.

Em 1969, seus finais, pela primeira vez, o PAIGC ataca um quartel importante do interior, Bolama, causando estragos significativos, com a utilização de foguetões de 122 mm, o que, de certa maneira, pressagiava uma evolução técnica significativa da guerrilha, que punha em causa a supremacia de artilharia de longo alcance das tropas portugueses.

Estes ataques com foguetões foram crescendo nos princípios de 1970, com investidas sobre vários quartéis de fronteira norte.

Em grande medida, foi o progresso tecnológico da guerrilha que levou Spínola a aceitar a realização de uma operação extra-territorial para sufocar, por um lado, o regime da Guiné-Conacri, e o próprio PAIGC.

Situação que ocorreu, em Novembro de 1970, Operação Mar Verde, e se tornou um desastre estratégico de grande envergadura para a toda política colonial portuguesa. Spínola ameaçou Marcelo Caetano: “os nós fazemos esta operação ou perdemos”. Os termos são, mais ou menos, estes. Mas o insucesso foi o reverso da medalha.

Alías, todo o ano de 1970 se traduziram em revezes de envergadura.

Em Abril, foi decapitado todo o Estado-Maior do principal Agrupamento Operacional que mantinha no TO da Guiné, o CAOP de Teixeira Pinto. Estava envolvido numa operação coordenada pelo general para dividir o PAIGC e levar à rendição de toda uma região militar da guerrilha. Mais um insucesso.

Além da desmoralização local, Spínola tinha enviado uma mensagem às unidades para pararem as acções ofensivas, porque a guerra iria findar em breve, o que provocou dúvidas e interrogações em muitos comandos.

Em Agosto, pela primeira vez, o PAIGC atacava e tornava inoperacional uma Lancha de Fiscalização Grande “A Sagitário”, num ataque coordenado de RPG no rio Cacheu.

Em Junho de 1971, o PAIGC teve a ousadia de se introduzir na bem guardada península de Bissau e fazer o primeiro ataque de foguetões à capital, sem que tivesse qualquer resposta das tropas portuguesas.

Logo no início de 1972, o PAIGC faz um bem sucedido golpe de mão ao quartel de Catió, capturando dois soldados portugueses.

Em grande parte do princípio deste ano, existiu a maior descordenação do Estado-Maior de Spínola para responder a uma visita de uma missão da ONU a áreas controladas pelo PAIGC.
O afã de Spínola para evitar aquela da entrada da missão em TO guinense produziu atritos e conflitos de comando de unidades no terreno com o comandante-chefe, que teve de enviar para a Metrópole, pelo menos, um deles.

A 16 de Outubro de 1972, a Assembleia Geral da ONU reconhecia o PAIGC como representante legítimo do povo da Guiné-Bissau.

Durante este ano, perante os fracassos militares no terreno e políticos internacionais, Spínola tenta, desesperadamente, entrar em contacto com Amílcar Cabral, através de Leopold Senghor, do Senegal, que Cabral desprezava e dava muita pouca aceitação. Além do mais já anunciara que estava, para breve, o anúncio da declaração unilateral de independência.

Desde o início de 1973, que as informações militares portuguesas admitiam que o PAIGC iria utilizar mísseis-terra ar.

Spínola, que aceitara há um ano ser reconduzido no cargo, prepara a saída da Guiné, escrevendo cartas atrás de cartas a Marcelo Caetano, sustentando agora que a saída apenas podia ser política.

A 25 de Março, é abatido, por misséis Strella, o primeiro avião de combate FIAT G-9. A 8 de Maio, começa o cerco ao quartel de Guidaje, no norte. A 18 desse mesmo, idêntico assédio ao quartel de Guilege, que foi abandonado.

Neste período, são abatidos vários aviões de diferentes modelos por mísseis. A Força Aérea está, praticamente, inactiva para combate próximo. As tropas no terreno estão paralisadas. Apenas se movimentam, em grandes combates, as unidades de elite (comandos, fuzileiros e paraquedistas).

Ingloriamente, António de Spínola pede a 6 de Agosto para ser substituído nos cargos.

O autor, ainda na introdução, assinala (pag 17) que “não cabe, certamente, ao historiador entrar no debate político em torno da figura de Spínola e proceder ao “julgamento” da sua carreira política militar”.

Pessoalmente, considero que o historiador o deve fazer, mas ele fê-lo, apesar do reparo, embora depois o renegue.

Apesar destas críticas, considero, no entanto, que a obra tem dados e pistas para aprofundamentos da acção política e militar de Spínola, bem como de aspectos concretos da guerra colonial, do próprio regime anterior do 25 de Abril e do período posterior.

1 comentário:

  1. Meu caro senhor, em complemento ao que refere quero acrescentar que o dito militar, quando foi para angola "batismo de fogo" não fazia a mínima ideia de como se comportar e o que fazer. Não fosse a heroica 8 e até hoje ignorada) e suicida actuação do capitão Justino Clara Pinto muitos mais tinham tombado em angola ás custas da ambição e necessidade de notoriedade do ambicioso comandante, que não tinha a minima preocupação em evitar baixas dos seus homens. Se a dada altura passou a por o pézinho fora do quartel é porque o Capitão justino Clara Pinto, preocupado em salvaguardar a sua companhia de baixas injustificadas , lhe disse na cara o que outros nunca ousaram, de modo que, quando a grande tragédia aconteceu 8por sinal na companhia do capitão Justino) o homem viu-se na necessidade de fazer o que fez , e a partir do momento em que o fez passou a ter conhecimento da realidade e a não exigir disparates.
    É por demais evidente que a actuação altruísta do capitão Justino salvou muitas vidas dos seus camaradas o que nunca foi reconhecido por estes !
    Com a sua actuação, o capitão Justino sofreu os maiores enxovalhos à sua honra e dignidade, e carreira de oficial de cavalaria. Homem de antes quebrar que torcer morreu 2 anos após ter regressado de angola consumido pela raiva e injustiça, aos 35 anos de idade-
    António de Spínola corroborou ao longo de toda a sua vida o que era evidente para o Capitão Justino Clara Pinto : o António de Spinola era um tipo ambicioso, sem escrúpulos nenhuns no que toca ao sacrifício dos seus subordinados perante a necessidade de "feitos" que o fizesse sobressair, era de uma estupidez assombrosa e de uma incompetência a toda a prova, nuca fez nada, tudo prometeu e onde se metia era derrotado.
    Ainda hoje pergunto como um tipo que nunca ganhou uma batalha, campanha, ou guerra , é elevado à condição de Marechal.
    Resta o consolo que a família do capitão Justino Clara Pinto , falecido em 1966, tem bem presente o valor e abnegação demonstrado por este oficial de cavalaria a quem foi negada a sua saída a seu pedido e foi "chutado" para fora do exercito como incapaz para todo o serviço em 1964. A sua esposa, e as suas duas filhas e restante família não o esquecem.
    Coragem é quem arrisca o que tem (sobretudo esposa e filhas) e não um oficial que sempre andou protegido por compadrios que nada tem a perder e que só queria era subir na hierarquia ( infelizmente não por mérito mas à custa de mortos em campanha).

    cpfer@iol.pt

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