sexta-feira, 16 de julho de 2010

OS RAPTOS EM NOME DE INTERESSES VITAIS









os raptos criminosos em nome dos interesses vitais do Estado
Um cientista iraniano, Shahram Amiri, desapareceu, há cerca de um ano, na Arábia Saudita, e reapareceu, agora, em território norte-americano. Refugiou-se, ou foi mandado, para o consulado do Paquistão em Washington, e afirmou publicamente, que foi raptado por agentes secretos dos Estados Unidos e Arábia Saudita, e, pressionado para dar informações sobre o programa nuclear de Teerão.

Fez um acusação suplementar, além de eventuais torturas praticadas, primeiro, na Arábia Saudita, depois nos EUA, estiveram a interrogá-lo agentes isrealitas.

A petulante secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, aparentemente perturbada, com o desfecho, sustentou que o cientista iraniano veio para os EUA de livre vontade.
Mas, quando o Irão iniciou, há uns meses, uma campanha a denunciar que o cientista fora raptado, num país estranjeiro, por agentes norte-americanos, o que era um "precioso" cientista nuclear para os norte-americanos, deixou de o ser e foi mandado, de imediato, para o seu país de origem.

Em todo este imbróglio, algo está mal contado.

É difícil de acreditar que o Irão deixasse sair do país, sem controlo apertado, um cientista nuclear de alto gabarito, com acesso a informações de grande secretismo, mesmo que fosse para ir a Meca.

Também é difícil de acreditar que se, para os EUA, o cientista tivesse "valor informativo" permitissem que ele sequer "tivesse existência". Certamente, desaparecia e seria colocado em "congelamento" absoluto.

Já é mais fácil de acreditar que tivesse havido um erro de apreciação sobre a personagem que interpelaram na Arábia Saudita. E que o Irão estivesse na posse de provas reais de que teria havido um rapto de um cientista menor, que se "desaparecesse", poderia tornar-se numa denúncia mundial de uma assassinato de um intelectual iraniamo.

Daí o incómodo da senhora Clinton, ao afirmar, timidamente que o iraniano fora para os Estados Unidos de livre vontade. E então, a pergunta: "Porque nunca o deixaram contactar com a família?".

Apenas surgiu, na imprensa, há meses, um vídeo, onde o cientista - não sabemos se o é - declara que desertou. Situação que ela nega, quando o libertaram. Porque, na realidade, as fontes são concordantes: foi libertado.

Depois das declarações tibuteantes de Clinton, e antes dos porta-vozes da Secretaria de Estado, surge, agora, num dos jornais do "lobby judaico" dos EUA, o "Washington Post" uma reportagem, baseada em fontes anónimas, de que o físico nuclear iraniano terá recebido mais de cinco milhões de euros para fornecer pormenores sobre o programa nuclear do Irão.

Um responsável americano confirmou que ele forneceu dados importantes a Washington, segundo as fontes do jornal, que lhe teriam pago cinco milhões de dólares, mas, que não lhe foram entregues, porque teriam sido retidos, ao abrigo das sanções contra o Irão. Uma estória, verdadeiramente, alucinante.

Mas, o cientista reitera nas suas declarações em vários órgãos de informação: “Durante os dois primeiros meses fui submetido a uma violenta tortura física e psicológica, por parte dos investigadores da CIA. Fico admirado que uma pessoa como a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, que diz ser uma advogada dos direitos humanos, diga que eu era livre e fui para os Estados Unidos por vontade própria. Tenho provas que mostram que nunca fui livre e que não podia fazer uma chamada telefónica ou falar com alguém, e que estava a ser controlado por guardas armados da CIA”, diz Shahram Amiri.

O Post justifica o seu servilismo de notícia encomendada: "As autoridades norte-americanas pensam que Amiri resolveu abandonar o país à pressa, com receio que o regime de Teerão pudesse prejudicar a família".

Pode ser que Amiri esteja a contar algo que não seja verdade, mas mesmo que seja muito amigo da família não regressaria ao Irão, se tivesse confessado altos segredos de Estado do regime dos aiotolás, que não perdoam as traições. Porque em causa está a sua própria cabeça.

O meu ponto de vista é que os EUA puseram "a pata na poça". Fizeram um rapto sem conseguirem o objectivo e estão às arrecuas.

E aqui é que está o busílis da questão: O regime de Washington comete crimes monstruosos, como raptos, para prosseguir os seus objectivos de "defesa dos interesses nacionais" no estrangeiro. É um acto tão vil e repugnante, como ocupar um país e matar naturais, tendo como pressuposto os mesmos objectivos. Seja esse país, a ex-URSS, como agora os EUA.

Ora, este não é um caso pontual. É produto de uma orientação política deliberada, de uma estratégia de expansão extra-territorial. E não é de agora, vem de há muitas décadas, só que, nos últimos anos, estas operações deixaram de ser "espaçadas" e estão a ser constantes.

Pelo menos desde 2001, está a ser sistémico: Com o 11 de Setembro os serviços secretos norte-americanos, com especial relevo para a CIA, raptaram, ou simpelsmente prenderam, de forma ilegal, e "clandestinamente", mais de uma centena de pessoas que mantém prisioneiras em diferentes partes do mundo.

Alguns dos detidos foram transportados para países árabes ditatoriais, ditos moderados, porque estão em sintonia com os EUA, e para paises europeus intitulados democratas, onde foram torturados e até mortos.

Uns acabaram em Guantanamo, outros simplesmente desapareceram.

Isto está descrito num livro "A verdadeira história dos voos da CIA - os táxis da tortura, escrito por dois especialistas norte-americanos, o jornalista Trevor Pagler e e o geógrafo militar A.C Thompson, que tem o prefácio de uma eurodeputada apoiante do actual governo Ana Gomes.

Neste livro, segundo é referido, que investiga de forma sistemática esta "rendição extraordinária", assim se chama aos detidos, o jornalista/investigador e o "geógrafo militar" dissecam o programa da CIA numa série de viagens que os levou a várias partes do mundo.

Descobriram que 5 anos após o 11 de Setembro, as detenções ilegais ainda não tinham acabado.

Pelo contrário, o programa de rendição foi formalizado, sendo mesmo conivente com o programa militar sempre que necessário, e mudando constantemente a sua forma de actuação para que se mantenha longe dos olhares alheios.

E o que eles assinalam e denunciam já tem trâmite em Tribunais europeus.

Recorremos à imprensa: Assim, há cerca de um ano, um tribunal italiano condenou 23 ex-agentes da CIA e dois italianos pelo rapto, em 2003 em Milão, de um imã egípcio, no primeiro julgamento envolvendo as transferências ilegais de suspeitos de terrorismo ou voos da CIA.

O juiz Oscar Magi informou o tribunal que, devido a imunidade diplomática, absolveu outros três norte-americanos acusados.

Vinte e dois dos norte-americanos condenados foram sentenciados a penas de prisão de cinco anos e o outro, o chefe da CIA em Milão, Robert Seldon Lady, a uma pena de oito anos de prisão.

Dois italianos foram também condenados, mas os processos contra os antigos chefes da CIA em Roma, Jeff Castelli, e dos serviços secretos italianos, Nicolo Pollari, foram arquivados.

Os 26 norte-americanos acusados neste processo, todos menos um identificados pela acusação como ex-agentes da Agência Central de Informações (CIA) dos Estados Unidos, foram julgados à revelia. Através dos seus advogados, declararam-se inocentes de todas as acusações.

Sete italianos foram igualmente acusados de participação no rapto, que a acusação sustenta ter sido uma operação conjunta da CIA e dos serviços secretos italianos, Sismi.

Em causa está o rapto de Usama Mustafa Hassan Nasr, também conhecido por Abu Omar (na foto), a 17 de Fevereiro de 2003 numa rua de Milão e a sua transferência para bases norte-americanas em Itália e na Alemanha. Nasr foi depois levado para o Egipto, onde diz ter sido torturado, acabando por ser libertado depois de quatro anos na prisão sem qualquer acusação.

Este julgamento foi o primeiro envolvendo o chamado programa de "rendições extraordinárias", através do qual a CIA transferiu suspeitos de terrorismo para países terceiros para serem interrogados. Segundo as organizações internacionais de defesa dos direitos humanos, este programa teve por objectivo levar os suspeitos para países onde podiam ser torturados.

Estes casos são de agora? A interligação dos serviços secretos ocidentais com os regimes ditatoriais árabes começaram apenas, nos últimos anos, por causa do chamdo e indefinido terrorismo? Não.

Convém recordar um caso que vai fazer 45 anos em 2010.

Refiro-me ao rapto e assassinato do principal dirigente oposicionista marroquino Ben Barka, em 1965.

Aquele foi raptado em França, onde estava exilado, e depois foi assassinado. Ele era o mais importante dirigente da oposição à ditadura do rei Hassan II, já falecido.

O jornal Le Monde, há décadas, fez uma prolongada investigação que mostrou toda a trama que levou ao assasinato de Ben Barka.
A revista "L`Express" trazia as confissões de um participante no assassínio.

É dessa investigação que se veio a saber que existia um tal “Coronel Martin”, era agente da CIA, que o colocara na “assessoria” aos serviços de segurança marroquinos, com contacto permanente com o rei Hassan, e esteve por dentro de toda a operação.

(De destacar que a CIA continua a recusar a divulgação dos milhares de documentos sobre o caso Ben Barka).

Mas, para terminar, vejamos a duplicidade de Washington na sua políticca externa.
As autoridades norte-americanas sabem desde o início que Israel, à revelia de todas convenções internacionais, fabricou bombas atómicas. E ainda hoje não condenaram Israel por ter cometido este crime internacional. Não sequer o denunciam.

Sempre alegou desconhecimento, até que a 5 de Outubro de 1986, o semanário britânico "The Sunday Times" revelou o que foi considerado "o segredo de Dimona", o centro nuclear secreto, acarinhado pelos EUA, no deserto de Negev.

O jornal colocava em manchete: "Revelação: os segredos do arsenal nuclear israelita".

Foi divulgado então que Israel era uma potência nuclear. Em Dimona tinham sido fabricadas mais ogivas, "o suficiente para destruir todo o Médio Oriente".
Ora, toda este fabrico não podia ser efectuado sem o consentimento de Washington.

Retiramos da imprensa, neste caso, o jornal o Público, em reportagem de alguns anos atrás.

"O "Sunday Times" demorou semanas, enquanto cientistas britânicos analisavam informações e fotografias. O israelita que passara a documentação ao jornal chamava-se Mordechai Vanunu e trabalhara nove anos como técnico no Centro de Pesquisa Nuclear de Dimona, nome oficial do complexo que Israel conseguiu manter a salvo de inspecção internacional.

Quando o "Sunday Times" revelou a história, Vanunu já não estava em Londres - desaparecera.
Enquanto aguardava as confirmações dos peritos, fora seduzido em Leicester Square por uma espia da Mossad (serviços secretos externos israelitas).

Ela convenceu-o a voarem juntos para Roma, onde Vanunu foi raptado por outros agentes e metido num cargueiro para Israel. O rapto deu-se a 30 de Setembro, seis dias antes da manchete no "Sunday Times".

Desde então, Vanunu tem estado preso. Os primeiros 11 anos, em isolamento. Para o Estado que o julgou (à porta fechada), é um "espião", "um traidor" que "pôs em perigo a segurança do seu próprio país".

Para dezenas de milhares de pessoas que se multiplicaram em iniciativas, é um "herói pacifista", um "prisioneiro de consciência", "o primeiro refém nuclear".

Do Parlamento Europeu à Amnistia Internacional, sucederam-se, sem efeito, resoluções e campanhas apelando à libertação de Vanunu.

Em 1988, um grupo de 27 cientistas, incluindo 18 Prémios Nobel da Física, Química e Medicina, publicou um abaixo-assinado apoiando Vanunu na "New York Review of Books".

Dez anos depois, 600 académicos israelitas fizeram o mesmo no diário "Haaretz" e o ex-presidente americano Jimmy Carter juntou-se à causa. Vanunu foi nomeado mais de uma vez para o Prémio Nobel da Paz. O dramaturgo Harold Pinter participou em acções em Londres, a que o presidente da câmara, Ken Livingstone, se associou. A actriz Susannah York corresponde-se com o israelita e faz parte da delegação internacional que quer ir recebê-lo à saída da prisão de Ashkelon na próxima semana. Concluída a pena de 18 anos, a libertação está anunciada para quarta-feira.

O plano anunciado de Vanunu é partir para a América. "Quero levar uma vida normal fora de Israel como uma pessoa livre", disse recentemente ao seu irmão Meir. A escolha do destino estará relacionada com os pais adoptivos, Mary e Nick Eoloff - em 1997, este velho casal de pacifistas do Minnesota (EUA) conseguiu adoptar Vanunu depois de muitas diligências (esperavam dar-lhe direito de cidadania, souberam depois que isso só é possível para jovens até aos 16 anos).

Mas o mais provável é que Vanunu seja impedido de sair de Israel, para já. De acordo com o "Haaretz", não lhe vão dar um passaporte, não poderá deixar o país, e o seu telefone e comunicações de Internet serão vigiados. Referências a Dimona ou às circunstâncias do rapto podem levar a novo processo. Jornais israelitas da linha mais conservadora insinuaram que Vanunu poderia revelar ainda informação.

"Dizerem que tenho mais segredos é uma mentira e uma desculpa, e eles sabem-no bem", respondeu o prisioneiro, através do irmão Meir. "Tudo o que eu sabia já foi publicado."

Em Janeiro, o primeiro-ministro Ariel Sharon reuniu com a Defesa e as secretas para decidir o que fazer a Vanunu, no fim da pena. Segundo a imprensa israelita, o "duro" Yehiel Harev, chefe da segurança, defendeu prisão domiciliária. Concluiu-se que isso o vitimizaria mais ainda, internacionalmente. Assim, foi tomada a decisão de o libertar com "medidas adequadas de supervisão".

"Ganhei", disse Vanunu ao irmão quando soube. "Não conseguiram quebrar-me ao longo de todos estes anos. Não conseguiram levar-me à loucura."

O prisioneiro mais célebre de Israel tem agora 49 anos. Segundo a mãe adoptiva, faz 50 flexões por dia e está com o mesmo peso de quando andava na universidade, o que será um bom sinal - os colegas de Belas Artes usavam Mordechai Vanunu como modelo para nus.

A praça na infância de Vanunu era a grande Djemma al Fna, em Marraquexe, que à hora do penúltimo chamamento do "muezzin", quando o sol se põe, é uma babel entre bancas de "couscous", "kebab" e chá de menta, vendedores de água, tocadores de "oud", jogadores, fumadores e velhas serpentes, algumas educadas em cestos.

No tempo de Vanunu, árabes e judeus ainda se misturavam nesta praça. O Estado de Israel tinha apenas uma década no fim dos anos 50, e muitos judeus de Marrocos não haviam partido ainda. Vanunu era um dos 11 filhos de uma família de judeus ortodoxos, que só emigrou para o novo Estado em 1963, tinha ele nove anos.

De acordo com a investigação publicada por Yossi Melman (especialista em secretas e segurança, do "Haaretz"), ao chegar a Israel Vanunu ingressou numa escola religiosa dirigida por um ultra-ortodoxo e depois num liceu "yeshiva" (onde se estuda o Talmude). Aos 17 anos entrou para o exército, e no Corpo de Engenharia chegou a primeiro sargento. Em 1973 tentou seguir matemática e física na Universidade de Telavive, mas meteu-se a guerra do Yom Kippur, e chamaram-no.

Os pais viviam em Beersheva, a "capital" do Negev, e foi para aí que ele voltou, vendo-se sem dinheiro. Procurou emprego no Shin Bet (serviços secretos internos), mas recusaram-no. Em 1976, um amigo disse-lhe que havia um anúncio para candidatos ao Centro Nuclear de Dimona. Passou todos os testes, fez um juramento de silêncio, como todos, e ficou. Até Junho de 1977 deram-lhe formação em física nuclear, urânio e radioactividade e depois começou a trabalhar - no "mais sagrado entre os sagrados da religião de segurança de Israel", segundo a fórmula de Melman.

Numa extensa análise (disponível em www.au.af.mil/au/awc/awcgate/cpc-pubs/farr.htm), o coronel americano Warner D. Farr usa um título semelhante para contar a história do nuclear em Israel: "O terceiro templo sagrado entre os sagrados: as armas nucleares de Israel".

Remetendo para mais de 170 fontes militares, políticas, jornalísticas, históricas, e usando outras não classificadas, Farr conta a origem de Dimona. A pesquisa para um programa nuclear em Israel começou praticamente com a fundação do Estado. O seu "pai" foi Shimon Peres. E teve um impulso notável depois da crise do Canal do Suez, em 1956. Como "agradecimento" pela intervenção israelita no Suez, a França construiu um reactor nuclear em Dimona capaz de produzir plutónio em larga escala. Os Estados Unidos descobriram em 1958.

Num documentário que em 2003 fez para a BBC sobre o "caso" Vanunu, a jornalista Olenka Frenkiel conta que em 1961 John Kennedy quis saber o que se passava em Dimona e uma equipa de inspecção americana foi enviada. Tornou-se uma lenda na Central a perícia com que Israel lhes passou a perna. O acesso aos seis andares subterrâneos onde o plutónio era separado foi tapado com tijolos.

Quando Frenkiel, no documentário, questionou Peres sobre o ludíbrio de 61, o ex-primeiro ministro israelita irritou-se: "Não tenho de responder às suas perguntas."

Depois de Kennedy, a atitude da Casa Branca em relação às armas de destruição maciça em Israel foi de camaradagem no silêncio - oficialmente, Israel não confirma nem desmente, e encontrou uma expressão para isto, "ambiguidade nuclear".

Em Dimona, boa parte das funções do técnico de supervisão Vanunu, de turno das 23h30 às 8h00, aconteciam no Instituto 2, onde as armas nucleares eram de facto feitas, conta Melman. O recém-contratado ficou assim a par do que acontecia no suposto Centro de Pesquisa.

Passava muitas horas sozinho. Decidiu aproveitá-las a ler. Em 1980, comprou um apartamento perto da Universidade Ben Gurion do Negev, decidiu inscrever-se em filosofia e geografia e começou a escrever um diário.

Leituras: Aristóteles, Espinoza, Kant, Descartes, Kierkegaard, Nietzsche, Sartre - recorda o seu irmão Meir, segundo o qual a visão política de Vanunu começou a ser moldada na universidade. Se anos antes estivera próximo da extrema-direita, ia caminhando cada vez mais para a esquerda.

Na associação de estudantes, juntou-se ao Campus, um movimento que defendia os direitos dos árabes, mais tarde propôs-se para a organização de estudantes comunistas, fez declarações anti-armas nucleares e participou em manifestações contra a guerra do Líbano. Em 1982, chamaram-no para o combate. Não quis servir no Corpo de Engenharia - serviu na cozinha. No regresso à universidade, diz Melman, ganhou fama de "radical e excêntrico". Além de posar nu para os colegas de Belas Artes, foi fotografado a dançar nu em festas.

Estas revelações chegaram ao responsável pela segurança de Dimona e depois ao Shin Bet e à Defesa. Vanunu começou a ser vigiado. Terão posto a hipótese de o contratar como informador - uma forma de controlo. Interrogaram-no sobre amigos, movimentos e que contava ele do trabalho em Dimona. Nada, terá garantido Vanunu.

Não é claro se recusou ser informador; se concordou, dando informações consideradas infiáveis; ou se a proposta nem chegou a ser feita.

No Verão de 1985, os responsáveis pela segurança de Dimona anunciaram-lhe que ia ser transferido do Instituto 2. Ele não quis e terá dito que estava disposto a ser despedido. O contrato acabou em Outubro.

Em Dezembro, Vanunu vendeu a casa, o carro e comprou um bilhete de ida para Banguecoque.

Levou consigo dois rolos de fotografias que tirara em Dimona.

Ei-lo no Oriente. Tailândia, Birmânia, Nepal, Austrália. Em Sidney, converte-se ao cristianismo - é baptizado numa pequena igreja anglicana - e conhece um jornalista colombiano, Oscar Guerrero, a quem fala de Dimona e das fotografias. Guerrero convence-o a ir aos jornais. De acordo com Melman, tentaram primeiro a imprensa australiana e a "Newsweek", que aparentemente duvidaram de Vanunu.

O "Sunday Times" soube do rumor e enviou o jornalista Peter Hounam a Sidney entrevistar o israelita. Entre a recolha de informação e o exame dos cientistas a que o jornal recorreu, a história também chegou ao "Sunday Mirror", de Robert Maxwell - magnata com ligações à Mossad.

Segundo o jornalista Robert Fisk, do "Independent", Maxwell passou os dados sobre Vanunu aos israelitas.

A 28 de Setembro de 1986, uma semana antes da manchete do "Sunday Times", o "Sunday Mirror" dá notícia da história de Vanunu como se ela fosse um embuste. Nessa altura já a Mossad estava a postos para o rapto.

Vanunu esperava em Londres a publicação no "Sunday Times". Ao vaguear na Leicester Square, conheceu uma loura de caracóis rebeldes, "esteticista" americana em turismo. Ela pareceu gostar dele e ele estava angustiado (é assim que a mãe adoptiva de Vanunu resume as coisas). Ela convenceu-o a voarem para Roma, onde a irmã tinha um apartamento, e ele aceitou. Ela era uma espia com nome de boneca, "Cindy", mas ele só percebeu isso em Roma, quando em vez da tal irmã apareceram agentes da Mossad.

Drogado e metido num cargueiro a caminho de Israel, Vanunu ficou desaparecido para o mundo. Só depois, quando estava ser levado num carro prisional para o julgamento, conseguiu escrever na palma da mão - e comprimi-la contra o vidro, deixando a inscrição feita - que fora raptado em Roma pela Mossad, e quando: 30.09.86.

"Cindy" chamava-se Cheryl Hanin Bentov. Em 1997, o "Sunday Times" foi investigar o que era feito dela. Tinha 37 anos, vivia ao pé da Disneylândia (Orlando, Florida), como cidadã americana, vendedora de time-sharings, com duas filhas, um descapotável vermelho e um marido ex-major dos serviços secretos israelitas. É difícil imaginar a espia que seduzira o mais cobiçado "traidor" de Israel a vender aldeamentos turísticos a casais reformados. "Conhecidos em Israel" referidos pelo jornal indicavam que Cindy-Cheryl poderia estar na Florida o serviço da Mossad - dada a proximidade do Centro Espacial John Kennedy? Yossi Melman exclui esta hipótese. Ainda espia ou ex-espia, nas vésperas da entrevista combinada com o "Sunday Times", Cheryl desapareceu.

Mas voltemos a 86, à "cacha" do "Sunday Times" com as informações de Vanunu. O que revelara afinal o israelita?

"Um programa nuclear sofisticado, de até 200 bombas, com armas enriquecidas, bombas de neutrões, ogivas para F16 e ogivas Jericó", sintetiza o coronel Farr, na sua análise. "As armas enriquecidas exibidas nas fotografias de Vanunu mostram uma sofisticação que implica a exigência de testes. Ele revelou pela primeira vez a instalação subterrânea para a separação de plutónio, onde Israel produzia 40 quilos anualmente, várias vezes mais do que nas estimativas feitas anteriormente. As fotografias mostram planos sofisticados que os peritos científicos dizem que permitem aos isrealitas construir bombas com apenas quatro quilos de plutónio. Estes factos aumentam as estimativas quanto ao total de armas nucleares de Israel."

Peter Hounam, o autor do trabalho no "Sunday Times" - que depois veio a escrever dois livros sobre o caso -, recordou em 1998 o que motivara Vanunu a denunciar Dimona: "Era um dissidente clássico, motivado em parte pela forma como fora despedido, mas sobretudo pela convicção de que o seu país tomara um caminho insano."

"Para que querem todas estas bombas? Planeiam combater com elas e destruir o Médio Oriente?" Eram estas as questões que inquietavam Vanunu, segundo Hounam. "Ele estava muitas vezes sozinho. Sabia que o plutónio era transformado em partes de bombas, o que significava que o último passo fora dado. Estavam a fazer armas termo-nucleares capazes de destruir uma cidade."

No documentário de Frenkiel na BBC, em 2003, Hounam sublinhou que Vanunu revelara ao mundo o desenvolvimento de entre 100 e 200 bombas nucleares em Israel, o "suficiente para destruir todo o Médio Oriente, e ninguém fez nada desde então".

Quando em 1999 o jornal "Yediot Ahronot" publicou excertos do julgamento, o testemunho do próprio Vanunu ficou disponível: "Queria confirmar o que toda a gente sabia. Queria que o assunto passasse a estar devidamente vigiado. Agora [o então primeiro-ministro isrealita] Peres já não pode mentir [ao então Presidente americano] Reagan e dizer que nós não temos armas nucleares."

Naturalmente, para Peres, Vanunu é um traidor: "As revelações causaram sérios danos a Israel e a sua publicação levou alguns países árabes a endurecerem a sua posição, para nossa desvantagem."

Como escreveu recentemente o "Haaretz", é em parte por causa de Vanunu que se considera hoje Israel a sexta maior potência nuclear do mundo.

Nos primeiros 11 anos de prisão, isolado numa cela de dois metros por três, Vanunu nunca sabia quando era dia ou noite. Não via os outros prisioneiros, não tinha acesso a jornais ou TV e quando era autorizada a visita de familiares, do advogado ou do padre (os únicos com acesso), havia sempre uma porta de ferro entre ele e eles. Uma prisão "cruel, inumana, degradante", disse a Amnistia Internacional.

Em 1998, saiu do isolamento. Ficou com mais espaço para fazer ginástica, escrever poemas e ler filosofia (um jornalista de visita à cadeia avistou-o a ler Nietzsche). Os pais adoptivos visitaram-no a cada ano (os pais biológicos renegaram-no, como não-judeu).

Ao contrário de Marcus Klinberg - um dos responsáveis pela fábrica de armas biológicas Nes Tzione, que passou segredos à URSS em 1983 -, Vanunu nunca aceitou negociar menos tempo de prisão em troca de silêncio.

A comparação entre ambos, de resto, é duvidosa. Klinberg não fez revelações em público. Passou secretamente informações a um país estrangeiro, que certamente teria a sua agenda.

Mas em Israel, Vanunu foi apresentado à população como um "traidor", não-arrependido e não-cooperante.

Recentemente, o irmão de Vanunu e jornais como o "Independent" e o "Al-Ahram" aludiram a uma campanha nos media conservadores israelitas contra Vanunu. O "Yediot Ahronot" citou um antigo prisioneiro de Ashkelon dizendo que Vanunu festejava cada bombista suicida e ainda tinha material para revelar. Sem fonte explícita, Vanunu foi citado como tendo dito: "Não me importo que Israel desapareça amanhã."

Segundo o "Al-Ahram, o comentador israelita Dan Margalit sugeriu mesmo que Vanunu fosse assassinado. Fontes do Shin Bet aparecem a insinuar que o ex-técnico de Dimona pode ser raptado pelo Hezzbollah, por exemplo, e revelar, ou inventar informação. Outras fontes alertam para o risco de Vanunu denunciar nomes de ex-colegas ou o esquema de segurança da central, dados que Vanunu recusou ao "Sunday Times", para não pôr em risco ninguém. Peter Hanoum diz que o verdadeiro receio de Israel é que Vanunu conte pormenores do rapto ou reacenda atenções sobre o arsenal nuclear, o que também seria embaraçoso para os EUA.

A propósito deste embaraço e da política de "ambiguidade nuclear", Yehuda Melzer escreveu no "Haaretz" que os americanos não queriam mais inspecções no Iraque com medo das armas que não havia, e não querem inspecções em Israel com medo das armas que há.

O jornalista Raanan Shaked ironizou no canal 10 israelita: "Quem é a grande ameaça a Israel? Claro, Mordechai Vanunu. Ele é o grande perigo, a democracia israelita simplesmente não suporta o impacto deste homem a dizer o que qualquer criança sabe: nós temos armas nucleares."

Mas, para os EUA, elas não existem. É tudo. Que responda quem quiser.




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