terça-feira, 18 de janeiro de 2011

ESTOU DE GUARDIÕES DO PATRIOTISMO BALOFO

Nos últimos tempos, foram-me enviados deezenas de e-mails, contendo afirmações sobre a "falta de patrotismo" que Manuel Alegre, o actual candidato à Presidência da República, tinha demonstrado ao "desertar" em plena guerra colonial. E lançavam o anátema: "Como pode um tipo destes ser o Comandante Supremo das Forças Armadas".

Associavam esta argumentação a um facto nebuloso - e mal explicado - sobre a sua situação real da carreira estudantil.

Soube hoje que entrou, na fase de inquirição pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa um processo instaurado por Aelgre contra o tenente-coronel Brandão Ferreira, por alegada difamação.


A 2.ª secção do DIAP começou esta tarde a ouvir o militar (na reforma. Já sabem qual a razão da sua passagem à reforma? Não foi por patriotismo!)), que acusou Manuel Alegre de ser traidor à Pátria devido às suas posições durante a guerra colonial.

"Só contei a verdade dos factos", afirmou Brandão Ferreira ao DN, a propósito do caso que remonta a Maio de 2010. "Subentendia-se do que estava escrito" que o estava a acusar de traição, assumiu ainda o oficial da Força Aérea.

No início desse mês, Brandão Ferreira questionou publicamente Manuel Alegre num colóquio organizado pela Fundação Gulbenkian sobre a matéria.

Depois, num artigo publicado no jornal Diabo, depois transcrito no seu blogue (novoadamastor.blogspot.com), Brandão Ferreira escreveu: "O cidadão Manuel Alegre quando foi para Argel não se limitou a combater o regime, consubstanciado nos órgãos do Estado, mas a ajudar objectivamente as forças políticas que nos emboscavam (ele que nunca pôs um é na selva!!!)as tropas. A não ser que considerassem essas tropas como fiéis apaniguados do regime, coisa que até hoje sempre desmentiu."

Antes, observara: "Devemos ver, em primeiro lugar, que o crime de traição é considerado em relação à Pátria (mas que Pátria, rapaz coronel!) , não em relação a governos ou regimes. Não há traidores 'democráticos' ou traidores a ditaduras, ou outra coisa qualquer. A traição é sempre relativa a uma causa, um juramento, uma crença".


A - Não sou um correligionário político de Manuel Alegre, nem seu apoiante nesta campanha eleitoral. Tenho sérias reservas sobre a sua actividade política depois do 25 de Abril.

B - Fui, todavia, um combatente colonial. Fui, mesmo, voluntário. Fiz parte, como oficial, de um corpo de elite especial da Marinha de Guerra portuguesa na Guiné-Bissau. Participei em dezenas de combates, alguns ferozes. Recebi louvores. A minha experiência no terreno, levou-me a contestar a guerra e a sua razão de ser. Nada havia nada de patriota na condução da mesma, nem defesa de interesses dos africanos ali residentes. A guerra para o regime de Salazar foi um acto de manutenção dos interesses económicos dos plutocratas de que era representante político máximo e de rapinas das riquezas imensas a favor de grupos nacionais, mas essencialmente multinacionais.

C - Tenho uma relação amiga, profunda, com muitos dos que combateram, alguns dos quais - poucos - continuam a defender ainda hoje a ideia de Império, que, na realidade, era uma miragem. É, para mim um absurdo, histórico, politico, ideológico, e humanamente, mas respeito, no entanto, a sua posição.

Mas, para mim, essa relação é de camaradagem e de respeito sentido por aqueles, que deram o seu sangue, ao serviço de uma causa que eles pensavam - ou ainda pensam - que era (é) justa. Mas, esses estiveram la, deram o coiro ao manifesto.

D - Muitos dos que agora se arrogam no direito de criticar quem teve a ousadia de combater o anterior regime ditatorial, repressivo, dizem democratas mas nunca levantaram um dedo contra esse regime, que não mostrou qualquer respeito pelos combatentes, que mandou milhares e milhares de portugueses para a morte, mantendo-se no acochego dos seus palácios em Lisboa e nunca se dignou sequer colocar um pé no Ultramar.

E - Muitos dos oficiais de carreira que estiveram em África, principalmente aqueles que subiram no estatuto e na função, nunca estiveram em terreno de guerra, que, aliás, evitavam a todo o custo, que, cobardemente, arranjavam todos os pretextos para nunca "irem ao mato". Muitos foram até oficiais-generais já no actual regime. Eu, felizmente ou infelizmente, conheci muitos desses "heróis", que nunca estiveram debaixo de fogo sequer. Muitos portaram-se até cobardemente. Eu sei, porque estive lá. E sei o que eles fizeram.

Outros, que agora batem no peito, estiveram, realmente, no mato, alguns até comandaram unidades de elite - alguns chegaram a exercer altos cargos posterirormente no pós 25 de Abril - mas não o fizeram por "patriotismo". Foram obrigados pelo regime de Salazar ou de Caetano a irem comandar essas unidades. Foram contra a sua vontade. Muitos fizeram o possível e o impossível por não entrarem em combate. Alguns, como profissionais, e isso é de louvar, mas só isso, serviram lealmente como comandantes operacionais. Mas, não passou disso, nunca mais regressaram a um comando operacional, como voluntários. Regressaram às suas unidades de origem, procurando nunca mais voltar ao Ultramar.

C - Pelo sei Manuel Alegre não foi perseguido por ser português, mas sim por estar contra a guerra e contra o regime que a mantinha e cortejo de desgraças que se avolumaram em Portugal. E eu dou valor a gente que teve a ombridade de assumir tal posição, porque obrigava a um corte dramático com a família, com o seu bem-estar imediato, com a própria maneira de puder viver a sua liberdade na sua terra de naturalidade e vivência.

A maioria dos combatentes que estiveram nas colónias não marcharam para lá, de peito feito, fizeram-no, pura e simplesmente, porque foram obrigados. Deixemo-nos de lamúrias nacionalistas.

Tal como assinala o historiador e antigo governante de Cavaco Silva, Vasco Pulido Valente, no seu livro "Marcelo Caetano - As desventuras da razão" : "Nunca existira antes um nacionalismo português que incluisse a África e o que existiu depois nunca passou da classe média urbana, que o inventava e se servia dele nas querelas partidárias domésticas. Apesar dos heróis que prendiam pretos em Chaimite ou os metralhavam em Marracuene, para o país (que entretanto emigrava para o Brasil) as colónias africanas permaneceram sempre um lugar de degredo".

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